Acórdão nº 88/20.8GDETZ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Março de 2021

Data09 Março 2021

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida Nos autos de inquérito nº 88/20.8GDETZ, que corre termos na Comarca de Portalegre, Juízo de Competência Genérica de Fronteira, em que é arguido (…), que se encontra preso preventivamente desde 22/10/2020 e em que são investigados factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p.p., pelos Artsº 22, 23, 73 nº1 als. a) e b), 131 e 132 nsº1 e 2 als. b), d), h) e j), na pessoa da ofendida (…), veio o MP apresentar o seguinte requerimento para recolha de declarações para memória futura da ofendida, ao abrigo do disposto no Artº 24 nº1 da Lei nº 130/2015, de 30 de Setembro, que estabelece o Estatuto da Vítima (transcrição): No presente inquérito, investiga-se factualidade susceptível de configurar, em abstracto, a prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p., pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, n.º 1, als. a) e b), 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2, als. b), d), h) e j), todos do C.P., na pessoa da ofendida (…).

Nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1 da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, o juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271.º do C.P.P. – visando-se, desta forma, evitar situações de vitimização secundária.

Por seu turno, dispõe o artigo 67.º-A, n.º 1, al. b) do C.P.P. que é “vítima especialmente vulnerável” a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social.

In casu, julgamos ser indiscutível a gravidade dos factos cometidos contra a aqui vítima e, bem assim, das lesões físicas e psicológicas que daí lhe advieram – o que se encontra suficientemente plasmado nas fotografias constantes de fls. 217-226, reveladoras da enorme extensão das queimaduras no seu corpo, bem como da documentação clínica junta até ao momento, de onde se extrai que a vítima esteve sujeita a internamento hospitalar durante cerca de dois meses e que padecerá de lesões permanentes.

Por outro lado, é também, no nosso entender, patente o ascendente que o arguido tem sobre a vítima – desde a menoridade desta, altura em que foi vítima de crime de abuso sexual de crianças praticado pelo arguido – e que certamente continuará a ter, não obstante encontrar-se em prisão preventiva, o qual resulta amplamente plasmado nos factos indiciados nos autos.

Por fim, atendendo a que a prática dos factos ocorreu em ambiente reservado, no domicílio do arguido e sem a presença de quaisquer testemunhas directas, o depoimento da vítima assume uma importância fulcral – sendo, naturalmente, de todo o interesse colher, com a máxima urgência possível, o depoimento cabal da ofendida quanto a todos os factos, nomeadamente os que não foram ainda suficientemente escalpelizados.

É, assim, por demais evidente a vulnerabilidade desta vítima, pelo que não podemos deixar de concluir pela necessidade de acautelar o valor probatório futuro das suas declarações, de acordo com a natureza pública e a gravidade do crime em causa – sendo certo que, ademais, a prestação de declarações para memória futura constitui também um direito da vítima, por forma a evitar a sua revitimização.

Importa notar que a lei não estabelece qualquer obrigatoriedade de realização de tal diligência, pelo que a mesma tem que ser ponderada, entre o interesse da vítima de não ser inquirida mais vezes além das estritamente necessárias para a realização da justiça e o princípio da imediação – princípio basilar de todo o processo penal – nos termos do qual toda a prova que funda a convicção do tribunal quanto à culpabilidade do arguido deve ser produzida em julgamento.

Assim, considerando a natureza do crime em investigação e, bem assim, o meio em que se desenvolveu e de forma a evitar a sua revitimização resultante da sua sucessiva e repetitiva tomada de declarações, entendemos que deverá haver lugar à inquirição da mesma, no decurso do inquérito e com a maior brevidade possível, para que tais declarações possam ser tidas em consideração na fase de julgamento.”.

Tal requerimento foi indeferido por despacho judicial que reza nos seguintes termos (transcrição): Por outro lado, entende este Tribunal que, face ao também ora promovido nessa matéria, não existe perigo de a ofendida falecer (não padece de doença grave) nem de a mesma se ausentar para o estrangeiro ou para parte incerta, i.e., não existe perigo de a mesma ficar impedida de ser ouvida em audiência de julgamento (artigo 271°/1, a contrario sensu, do Código de Processo Penal).

Além disso, é prática deste Tribunal proceder sempre à inquirição do(a) ofendido(a) em audiência de julgamento, mesmo que que o(a) mesmo(a) já tenha sido ouvido(a) em declarações para memória...

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