Acórdão nº 10/17.9XALSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 10/17.9XALSB, do Juízo Local Criminal de Loulé (Juiz 3), e mediante pertinente sentença, foi decidido: “1. Condenar a arguida M…, pela prática, na forma consumada, do crime previsto no n.º 4 do art. 57.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, por referência aos n.ºs 1, 2 e 3 do mesmo normativo, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €10,00

  1. Condenar a arguida R…, pela prática, na forma consumada, do crime previsto no n.º 4 do art. 57.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, ainda por referência aos n.ºs 1, 2 e 3 do mesmo preceito e ao art. 58.º do mesmo diploma, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €250,00, substituída pela prestação de caução de boa conduta no montante de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pelo prazo de 1 ano

  2. Condenar as arguidas no pagamento das custas e encargos do processo, com taxa de justiça fixada em 4UC”

    * Inconformadas, as arguidas interpuseram recurso da sentença, formulando na respetiva motivação as seguintes conclusões (em transcrição): “Do facto provado A

    1. As arguidas não concordam com o teor do facto provado A, nem com as conclusões do tribunal a quo que dão conta que na noite em que os factos se verificaram o L… fez uma ronda com o intuito de vigilância de segurança de pessoas e bens, ainda que se reconheça na sentença que aquele colaborador não desempenhava unicamente funções de vigilante, mas acumulava as mesmas com funções de porteiro/rececionista

    2. Na opinião das arguidas, a ronda efetuada pelo L… decorreu do âmbito das suas funções de porteiro/rececionista, como resulta da descrição de funções de “Porteiro de 1.ª” no CCT aplicável e que é ainda compatível com a definição de “porteiro de hotelaria” que consta da Lei n.º 34/2016, na redação dada pela Lei n.º 46/2019. Nesta medida, a pela descrição da conduta do L…, este agiu devidamente enquadrado nas suas funções

    3. O tribunal a quo justificou a sua conclusão nos depoimentos dos agentes da PSP que fizeram a vigilância, mas as arguidas entendem que tais depoimentos não merecem credibilidade. No documento de fls. 112 e seguintes, datado de julho de 2017, mês e meio após os factos atestados no Auto de Notícia, o Departamento que levou a cabo a inspeção reconheceu que “não nos foi possível estabelecer uma relação clara entre atividade ali exercida e os factos presenciados (...)”

    4. Ou seja, à data dos factos os agentes manifestaram dúvidas sobre a conduta do L…, mas três anos depois, no julgamento, esses agentes defenderam a tese do seu Departamento já com todas as certezas que antes lhes haviam faltado. É relevante referir que na noite em que os factos ocorreram, os mesmos agentes, noutra ação de inspeção, detiveram em flagrante delito algumas pessoas, mas não detiveram o L…

    5. Não se aceita também a conclusão do tribunal a quo de que o foco funcional da prestação laboral efetiva do L… consistia na prática de atos reservados à segurança privada. Entendem as arguidas que não foram minimamente demonstrados factos que permitam tal ilação

    6. Em primeiro lugar, a descrição de funções do contrato é quase uma cópia do CCT aplicável e perfeitamente enquadrado na definição de porteiro de hotelaria que resulta da lei da segurança privada. A sentença entende que o L… vigiava pessoas, bens e edifícios com o propósito da sua segurança, e não que fazia rondas para verificar o normal funcionamento do estabelecimento (luzes, rega, sinalização, lixo, equipamentos como mesas, cadeiras, guarda-sóis)

    7. Em segundo lugar, uma prestação laboral efetiva pressupõe a prática de atos consistentemente e ao longo do tempo, o que não foi referido por nenhuma testemunha, muito menos os agentes que verificaram uma ronda de poucos minutos

    8. Em terceiro lugar, não foi feita – nem referida na sentença – qualquer prova de que as arguidas tenham determinado o L… a praticar atos reservados à segurança privada, ou seja, que este deveria vigiar edifícios, pessoas e bens para segurança dos mesmos

    9. Em quarto lugar, a prestação laboral efetiva correspondente a atos de segurança privada esbarra na descrição, constante do Auto de Notícia, do facto de o L… não ter acesso ao sistema de CCTV, ou seja, às câmaras de vigilância existes nas entradas do empreendimento. Para quem, alegadamente, vigia pessoas e bens, este facto não deixa de ser estranho..

    10. Em quinto lugar, o Auto de Notícia revela todos os equipamentos pessoais que o L… tinha na sua posse na noite dos factos, e nenhum deles corresponde a um equipamento de defesa pessoal

    11. Em sexto lugar, as declarações da arguida e depoimento da testemunha C…, não contrariados por qualquer outro meio de prova, demonstram que as rondas são normais nos porteiros de hotelaria, e qual o âmbito das mesmas, revelando ainda que nenhuma instrução foi dada pelas arguidas aos dois porteiros da noite (o L… e o C…, que faz as folgas daquele) que exceda o que resulta do enquadramento legal e contratual já referido

    12. Em sétimo lugar, a descrição da ronda apresentada pelos agentes da PSP não permite excluir que a mesma tenha sido levada a cabo para observação do normal funcionamento do estabelecimento, tal como decorre do já referido enquadramento contratual coletivo e da própria lei da segurança privada

    13. O facto provado A deve, assim, ser alterado, dele se excluindo a expressão “vigiando os imóveis que o compõem, e controlando a entrada e saída de pessoas” e ser afastada a conclusão de que “o L…, ao menos na data dos factos, era mais do que um mero porteiro de hotelaria, exercendo também funções como vigilante do empreendimento em causa no seu período de trabalho”

    14. A alteração da matéria de facto e o erro de julgamento do tribunal a quo quanto a esta matéria decorrem da contradição dos depoimentos de todos os agentes da PSP com o documento de fls. 112, o depoimento da testemunha C… e as declarações de parte da arguida M… (estes dois devidamente transcritos nas alegações, com indicação referente às gravações), o contrato de trabalho de L… (fls. 12) e no teor do CCT celebrado entre A… e F…, publicado no BTE de 08.01.2006, com as suas sucessivas alterações

      Dos factos provados B, D e E O) O facto provado E dá conta de que as arguidas conheciam a ilicitude dos factos e, ainda assim, pretenderam cometer esses atos ilícitos, partindo daqui para justificar que o crime foi praticado com dolo necessário. O dolo exige prova do conhecimento, pelos agentes, da ilicitude do facto e, perante esta consciência, a prova de que quiseram praticá-lo, representaram-no ou se conformaram com o mesmo

    15. Não foi feita qualquer referência, muito menos prova, do conhecimento da ilicitude dos factos, sendo a sentença completa e grosseiramente omissa a este respeito

    16. O crime em que as arguidas foram condenadas exige o dolo, não havendo punição da negligência, de modo que a ausência de prova dos factos constitutivos do dolo determina, só por si, a absolvição daquelas

    17. O facto provado E deverá ser revogado, por ausência de prova e por total omissão na sentença quanto aos seus fundamentos

    18. Não foi feita igualmente qualquer demonstração da matéria correspondente ao facto D, relacionada com o cartão de segurança privada do L…. A arguida M… esclareceu que essa questão nem sequer se colocou, porque este não foi contratado para exercer funções de segurança privada, não tendo esta afirmação sido contrariada por qualquer meio de prova

    19. Assim, o facto provado E deverá também ser revogado

    20. Quanto ao facto B, e às conclusões retiradas a partir do mesmo pelo tribunal a quo, elas pressupõem que se entenda que a descrição de funções do contrato de trabalho do L… contemplava alguns atos ilícitos, se por este praticados sem dar cumprimento aos pressupostos legais inerentes à atividade de segurança privada, e que as arguidas determinaram e elaboraram esse contrato tendo em vista a prática de tais atos

    21. As referências já efetuadas ao (des)conhecimento da ilicitude bastariam para que este facto fosse dado por não provado, mas importa sublinhar que, mais uma vez, nada se provou de que resulte a conclusão de que as arguidas sabiam ou devessem saber que o contrato de trabalho contemplaria funções e atos que estariam excluídos ao L…

      W) Para esta conclusão, importa considerar e valorar que a cláusula do contrato de trabalho é uma cópia quase literal da descrição de funções da categoria profissional constante do CCT, que este CCT não prevê qualquer habilitação legal para a prática de atos inerentes à categoria de porteiro, que ao fazer coincidir esta redação a arguida sociedade revelou um cuidado adequado na elaboração do documento, a minuta não foi preparada pela arguida M…, mas pelo advogado da arguida R…, que a arguida M… não é jurista e que este diploma da segurança privada contempla questões específicas pouco conhecidas e das quais a esmagadora maioria das pessoas, mesmo empresários, não terão conhecimento ou sequer perceção das soluções e, seguramente, dos artigos que preveem a punição das condutas

    22. Ou seja, não está provado o conhecimento das arguidas de qualquer ilicitude inerente às funções descritas no contrato, nem que lhes fosse exigível conhecê-las ou, sequer, suspeitar das mesmas, o que, como visto, impede o dolo e impõe a sua absolvição

      Da exclusão da ilicitude do facto Y) A redação do regime da segurança privada, quer nos termos da Lei n.º 34/2013, quer na versão que resulta das alterações impostas pela Lei n.º 46/2019, exclui do seu âmbito de aplicação as atividades de porteiro de hotelaria

    23. O n.º 5 do artigo 1.º da versão original do diploma, que passou a ser o n.º 6, a), do mesmo artigo na versão revista (rearrumado sistematicamente mas com redação quase igual), preveem expressamente que “ficam excluídos do âmbito de aplicação deste diploma a atividade de porteiro de hotelaria”, constando da alínea l) da primeira versão e da alínea m) da versão alterada do artigo 2.º desse regime a definição dos atos de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT