Acórdão nº 780/20.7GBLLE-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | ISABEL DUARTE |
Data da Resolução | 09 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - Relatório 1 - O Ministério Público interpôs o presente recurso, por não se conformar com o despacho proferido em 16/12/2020, no Proc. N.º 780/20.7GBLLE - Inquérito (Actos Jurisdicionais) -, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal de Faro - Juiz 2, que decidiu não autorizar a realização de busca domiciliária por ele requerida, entendendo que “…apesar da conduta agressiva do denunciado, nunca o mesmo utilizou ou sequer mencionou a aludida arma como meio de ameaçar a ofendida (…) nada indicia nestes autos que o mesmo não entregaria voluntariamente a arma se notificado para o efeito (…) uma busca domiciliária a uma residência é uma medida extremamente restritiva dos direitos fundamentais dos cidadãos, já que implica a entrada no local em que uma pessoa realiza todas as actividades pessoais do seu dia-a-dia, violando de forma agressiva a sua intimidade pessoal.” 1.1 - O recorrente, na sua motivação, apresentou as seguintes conclusões “1. O Ministério Público requereu a realização de busca domiciliária na habitação do denunciado, a fim de ser apreenda a arma de fogo que este indiciariamente ali guarda, não manifestada nem registada, e para cuja detenção não é titular de licença. 2. Tal requerimento mereceu o indeferimento do Mmo. Juiz de Instrução Criminal, que alegou em síntese que o denunciado nunca usou a arma contra a ofendida, e que nada indicia que não entregaria aquele objecto voluntariamente se notificado para o efeito. 3. Tal decisão aplica incorrectamente a norma do artigo 174.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal. 4. Indiciando-se que o denunciado detém uma arma de fogo na sua habitação, nas circunstâncias referidas, praticando assim um crime de detenção de arma proibida, a correcta aplicação da norma citada implicaria a determinação da realização da busca em causa, que se mostra adequada e proporcional à finalidade visada (recolha .de indícios inequívocos da prática de crime, e apreensão de uma arma em condições ilegais). 5. O interesse na realização da justiça e na segurança pública não é compatível com a notificação do visado para a entrega voluntária da arma, atento o significativo risco de frustração da prova e a perigosidade letal daquele objecto. 6. Pelo exposto, deverá ser revogado o despacho recorrido, e substituindo por outro que determine a realização de busca domiciliária nos termos requeridos pelo Ministério.” 2 - Admitido o recurso, foi dado cumprimento ao preceituado no art. 411º n.º 5, do C.P.P., não tendo sido apresentada resposta
3 - Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo: II – É certo que no âmbito dos meios de obtenção de prova sempre se nos depara um conflito de interesses ou valores dignos de protecção no ordenamento jurídico. Por um lado, a necessidade de perseguir criminalmente os autores do crime em nome da boa administração da justiça e por outro proteger os cidadãos na sua privacidade, que não deve ser devassada sem motivo justificativo sério e grave. Sem qualquer dúvida é uma decisão de acentuado melindre, mas terá de ser tomada. É claramente compreensível proteger a privacidade e a inviolabilidade dos respectivos domicílios. No entanto, ponderando os interesses em causa, essencialmente a prevenção do cometimento de ilícitos penais na pessoa da ofendida, a solidificação dos elementos probatórios recolhidos ou a recolher e o restringido número de pessoas visadas com a realização da diligência, parece-nos justificar-se o deferimento da pretensão do Ministério Público, devendo soçobrar neste caso a privacidade daquele cidadão na defesa de outro interesse que se lhe sobrepõe no caso concreto
Com efeito, a autorização e realização de buscas domiciliárias para obtenção e junção aos autos de dados probatórios ou, para pôr termo a uma situação ilícita ou ainda, para prevenir outro tipo de crimes, não se mostra susceptível de provocar grave ofensa à privacidade do denunciado, face ao manifesto interesse público na obtenção da verdade material e da realização da justiça
É que a realização desta diligência surge como a única hipótese de pôr termo a uma provável situação delituosa e a prevenir outros ilícitos potencialmente de maior gravidade, sendo ainda indispensável à investigação e à descoberta da verdade, não olvidando que, para todos os efeitos a detenção ilegal de arma é um crime de manifesta gravidade (punível com prisão de um a cinco anos) Acresce que estará em investigação o crime de violência doméstica e neste caso, a palavra de ordem que se impõe é a prevenção
Cremos que, na situação em apreço, justifica-se plenamente sacrificar valores e direitos pessoais (do arguido) em prol e benefício da ofendida e consequentemente do colectivo, do bem comum
(…) IV – De todo o modo, considerando as questões suscitadas no recurso, refere-se que, manifestando concordância genérica com as perspectivas jurídicas e conclusões apresentadas pelo Sra. Magistrada do Ministério Público do DIAP – 1.ª secção de Loulé, comarca de Faro, aderimos à sua posição e na argumentação plasmada na respectiva peça processual, e, assim também opinar no sentido da procedência do recurso
Nesta conformidade somos de parecer que o recurso interposto pelo Ministério Público deve ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido e substituído por outro que defira a promoção do Ministério Público autorizando a realização da busca domiciliária.” 4 - Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º do C.P.P.
5 - Foram colhidos os vistos. Cumpre apreciar e decidir II - Fundamentação 2.1 - O teor do despacho recorrido é do seguinte teor: “O Digno Magistrada do Ministério Público, na sua douta promoção que antecede, veio requerer a realização de busca domiciliária à residência de E…, bem como as suas dependências...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO