Acórdão nº 1425/20.0T8EVR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMOISÉS SILVA
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Apelante: Associação… (ré).

Apelado: P… (autor).

Tribunal da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Faro, J2.

1. O tribunal recorrido proferiu o despacho seguinte: “Da exceção da caducidade do exercício da ação disciplinar deduzida pelo trabalhador: Alega o trabalhador que quando a nota de culpa lhe foi entregue, no dia 12 de agosto de 2020, já tinha ocorrido a caducidade do procedimento disciplinar em relação aos factos que lhe são imputados pela entidade patronal ocorridos anteriormente a 13 de junho de 2020, atendendo ao disposto no art.º 329.º. 1, do Código do Trabalho (diploma a que pertencem as normas legais doravante citadas sem menção de origem).

Alega o trabalhador para o efeito, e em suma, que: 1º Os factos constantes na nota de culpa reportam: a) ao ano de 2019; b) a faltas ocorridas entre 17 e 31 de março de 2020; c) ao período ocorrido entre 1 a 5 de junho de 2020; e d) ao período ocorrido entre 3 a 7 de agosto de 2020.

  1. A entidade patronal decidiu em 31 de março de 2020 instaurar processo disciplinar com intenção de proceder ao despedimento com justa causa, tendo determinado a abertura de procedimento prévio de inquérito nos termos do art.º 352.º para averiguação dos factos indiciados, fixando um prazo de 30 dias para a elaboração da nota de culpa e comunicação desta ao trabalhador, começando referido prazo a contar do termo do período extraordinário que impôs a suspensão dos procedimentos disciplinares em resultado da pandemia decretada.

  2. Os prazos de caducidade e prescrição são os que têm de ser praticados em juízo, o que não é o caso dos procedimentos do processo disciplinar laboral.

  3. Não se ignora o disposto no art.º 352.º, mas para que ocorra a interrupção aqui prevista é necessário que o processo prévio de inquérito se revele necessário à fundamentação da nota de culpa, que seja conduzido de forma diligente, que se tenha iniciado dentro dos trinta dias subsequentes ao conhecimento da suspeita de comportamentos irregulares e que a nota de culpa seja notificada ao arguido no prazo de trinta dias contados desde a conclusão das averiguações.

  4. Sucede que a Direção da entidade patronal já tinha pleno conhecimento dos motivos das faltas do trabalhador após o seu regresso de férias, entre 16 e 29 de março de 2020, designadamente a declaração para efeitos de isolamento profilático, sendo que informa que considera as mesmas injustificadas, pelo que o inquérito não era necessário para fundamentar a nota de culpa.

  5. Consequentemente o processo prévio de inquérito não interrompeu o prazo de caducidade do direito da entidade patronal a instaurar o procedimento disciplinar por aqueles factos.

  6. Não deixa de ser curioso que a Direção da entidade patronal tenha desde logo tomado uma decisão de realizar inquérito prévio ainda antes de nomear os instrutores, quando o “normal” seria decidir a instauração do procedimento disciplinar e nomear os instrutores, cabendo a estes a decisão da realização do inquérito prévio.

  7. Acresce que o inquérito não decorreu com a diligência normal, na medida em que se arrastou entre 4 de junho e 10 de agosto de 2020, sem qualquer justificação ou impedimento por parte do instrutor.

  8. Não colhendo a justificação com o surto de Covid no concelho de Reguengos de Monsaraz para que a diligência de inquirição do presidente da Direção da entidade patronal ocorresse 22 dias depois e por teleconferência, quando este se encontrava presente na instituição no dia 4 de junho de 2020, como resulta das suas declarações a fls. 105 do processo disciplinar “quando o depoente o foi chamar”.

  9. A eventual “conveniência” do instrutor não se compadece com a diligência com que o inquérito se deve desenvolver.

  10. Sendo que essa inquirição versou em primeiro lugar sobre as faltas no período do isolamento profilático do trabalhador, situação que já estava provada documentalmente no processo disciplinar.

  11. São por demais evidentes os expedientes meramente dilatórios a que se recorreu na instrução do processo, que de forma alguma cumprem o requisito de “diligência na instrução do processo”.

    Notificada, veio a entidade patronal responder, pugnando pela inexistência de qualquer caducidade da ação disciplinar.

    Para tanto alega a entidade patronal, e em suma, que: 1º A interpretação feita pelo trabalhador no sentido de que o normativo constante do n.º 3 do art.º 7.º da Lei n.º 1-A/2020 que estabelece a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade a partir do dia 9 de março de 2020, resultante da pandemia COVID 19, só se aplica aos processos e procedimentos que têm de ser praticados em juízo e não aos procedimentos disciplinares do foro laboral privado, é contrariada, desde logo, pelo elemento literal da norma.

  12. Efetivamente, nesta se determina expressamente que a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

  13. Mas se o elemento literal da norma não fosse por si só suficiente para concluir que a interpretação do autor não faz qualquer sentido, o elemento sistemático confirma-o.

  14. Nessa mesma lei o legislador especificou os concretos processos ou procedimentos sujeitos ao seu regime, concretizando exaustivamente, por exemplo no n.º 1 do art.º 7.º, os processos que estavam sujeitos ao regime das férias judiciais.

  15. Assim dita o citado artigo, que sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.

  16. É assim notório que o legislador quando quis incluir ou excluir determinados processos de um regime jurídico, se deu ao trabalho de os descrever ou excluir expressa e detalhadamente.

  17. Logo, quando escreveu “todos” no n.º 3 do art.º 7.º, queria mesmo incluir todos os processos e procedimentos e não só os que tivessem que ser praticados em juízo.

  18. E ainda salvaguardou no seu n.º 4 que o disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.

  19. Dir-se-á que o fez precisamente para evitar interpretações como a que o trabalhador fez.

  20. Alega ainda o trabalhador que o processo prévio de inquérito não era necessário para fundamentar a nota de culpa e, por isso, não teve o condão de interromper o prazo de caducidade estabelecido no art.º 329.º, 1, mas, com o devido respeito, não lhe assiste razão.

  21. Desde logo, porque se tratava de um processo disciplinar que visava o despedimento com justa causa, que é a sanção mais grave que pode ser aplicada no exercício da ação disciplinar, sendo que essa sanção obedece a requisitos muito próprios, dos quais se destaca a necessidade de que a conduta do trabalhador se revele culposa e muito grave.

  22. Este primeiro requisito exige, por sua vez, que seja realizado um apuramento profundo e rigoroso das circunstâncias que rodeiam os comportamentos do trabalhador, que demanda, igualmente, que a entidade patronal ouça as pessoas envolvidas nas situações, como foi o caso, tendo sido inquiridas as testemunhas N…, F… e S….

  23. O relato escrito de um determinado acontecimento testemunhado por uma pessoa pode omitir factos relevantes, designadamente para aferir da culpa do trabalhador e, por esta razão, entendeu a entidade patronal que devia inquirir as várias testemunhas dos factos, para esmiuçar, pormenorizar e circunstanciar os factos, para com grau de certeza grande poder imputar a conduta ao arguido com a gravidade que ele efetivamente veio a ter.

  24. Para o efeito, aliás, encarregou advogados da instrução desse processo de inquérito, que são conhecedores dos requisitos jurídicos, quer formais, quer materiais, para que se preencha a noção de justa causa de despedimento.

  25. Acresce que na pendência do processo de inquérito foram apurados novos factos que não constavam dos documentos, designadamente das cartas e dos autos de ocorrência, e que não podem ser dissociados das condutas anteriores do arguido para o resultado final que culminou na aplicação da sanção mais gravosa, uma vez que é o comportamento do arguido no seu todo que revela e impõe a conclusão de que a manutenção da relação laboral se revela manifestamente impossível.

  26. Também não é displicente considerar que os meses de julho e agosto, durante os quais decorreu o inquérito, são meses de gozo de férias por vários trabalhadores da instituição e dos próprios membros da Direção, o que logicamente dificultou a recolha dos meios de prova necessários a fundamentar e concretizar a nota de culpa.

  27. Este facto, aliado a um período excecional de confinamento, paralisação dos serviços e adoção na própria entidade patronal de uma série de procedimentos relativos ao seu funcionamento decorrentes da pandemia que assolou o país e o mundo, provam inequivocamente que o processo de inquérito foi realizado de forma célere e expedita e foi, consequentemente, fundamental para o cumprimento estrito e rigoroso de todos os requisitos materiais e formais da justa causa do despedimento do ora autor.

    Cumpre decidir, sendo que importa apreciar se a suspensão do prazo de caducidade prevista no art.º 7.º, 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março tem aplicação ao caso dos autos, mais precisamente ao prazo de caducidade, previsto no n.º 2 do art.º 329.º, e se a...

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