Acórdão nº 31/18.4T9CTX.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO 1. No Juízo Local do Cartaxo, do Tribunal Judicial da comarca de Santarém procedeu-se a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, de: - C… Lda., com sede no …, no …; e, - PMFPAD, solteiro, nascido a …, residente na Rua …, no …, ambos com os demais sinais dos autos, aos quais, em pronúncia, lhes havia sido imputada a prática de factos suscetíveis de integrarem a prática, em coautoria, de um crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social, previsto nas disposições conjugadas artigos 6.º, § 1.º, al. b), e 107.º, § 1.º e 2.º, com referência ao artigo 105.º, § 1.º e 4.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de junho (RGIT) e artigo 30.º, § 2.º do Código Penal. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, reclamando a condenação destes no pagamento da quantia de 9 285,40€

Apenas o arguido PAD contestou, invocando a prescrição do procedimento criminal e a não verificação das condições de punibilidade

2. A final o tribunal proferiu sentença, pela qual condenou os arguidos pela prática, em coautoria, de um crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto nos artigos 107.º e 105.º, § 1.º do RGIT em conjugação com o artigo 30.º, § 2.º do Código Penal (CP), respetivamente: a) a sociedade arguida C… Lda., na pena de 250 dias de multa, à razão diária de 5€, no montante global de 1 250€; b) o arguido PMFPAD, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 7€, correspondendo a uma multa de 700€

Mais os condenando: c) «a demandada C…, Lda., no pedido que contra si foi formulado pelo Instituto da Segurança Social, I.P. e o demandado PMFPAD, no valor correspondente ao período de abril de 2011 a dezembro de 2012 – 8 725,35€ -, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.» 3. Inconformado, o arguido PAD interpôs recurso, o qual sintetizou com as seguintes conclusões: «A. O último facto que concorre para a determinação do crime ocorreu a 20 de dezembro de 2012, data a partir da qual inicia o prazo de prescrição

  1. Admitindo que o último facto do crime ocorreu no dia 20 de agosto de 2013, o prazo de prescrição do mesmo iniciou-se

  2. No dia 6 de fevereiro de 2018 realizou-se a constituição de arguido

  3. A notificação da acusação ocorreu no dia 4 de dezembro de 2019, três dias após a assinatura eletrónica da mesma

  4. O arguido requereu a abertura de instrução e o debate instrutório seguiu a sua tramitação normal até à prolação do despacho de pronúncia no dia 10 de dezembro de 2020

  5. No dia 22 de janeiro de 2021, foi o arguido notificado da data julgamento, tendo apresentado contestação

  6. Foi designado para o dia 4 de março de 2021 a audiência de discussão e de julgamento

  7. Ou seja, quando ocorrer a audiência de discussão e de julgamento, já o procedimento criminal se encontra prescrito e, por conseguinte, deve o procedimento criminal ser extinto quanto ao arguido

    I. Assim, de acordo com o douto Juiz de Instrução, a prescrição ocorreu no dia 20 de fevereiro de 2021, nos termos do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal

  8. Só se conta o período de suspensão que efetivamente tenha decorrido e não aquele em hipoteticamente poderia ter decorrido

  9. O processo não esteve 3 anos pendente de notificação da acusação ou da notificação da decisão instrutória, na medida em que mal o Tribunal expediu a acusação e a decisão instrutória a mesma foi logo recebida pelo arguido

    L. Ao n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal não se soma o prazo máximo de suspensão prevista para o caso em concreto, mas apenas o prazo em que o processo esteve efetivamente suspenso. M. A acusação foi assinada eletronicamente no dia 29 de novembro de 2019 e notificada ao arguido no dia 2 de dezembro de 2019 – Esteve 3 dias suspenso

  10. Assim, legalmente apenas é possível determinar que o prazo de prescrição normal é de cinco anos, acrescido de metade (2,5 anos) mais 3 dias suspensão (al. b) do n.º 1 do artigo 120.º do Código Penal

  11. Logo, toda a fundamentação do Tribunal a quo para a determinação da interrupção, suspensão e prazo máximo de prescrição do crime ofende o douto Juiz de Instrução, ofende o direito e ofende os direitos constitucionais do arguido…

  12. Face ao exposto, deve revogar-se a decisão recorrida por manifesta falta de fundamento, devendo considerar-se que, no máximo, o procedimento criminal prescreveu no dia 23 de fevereiro de 2021, conforme interpretação do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal

  13. A interpretação que o Tribunal a quo faz da alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 120.º conjugado com o n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, é inconstitucional porque faz funcionar a ressalva do tempo de suspensão como interrupção da prescrição, quando o processo não esteve pendente na secretaria da notificação da acusação ou após a notificação da decisão instrutória

  14. O arguido foi sentenciado com base numa norma que não existe nem é possível a interpretação naquele sentido, isto é inconstitucional declarar que com a efetivação da notificação da acusação acresce à prescrição 3 anos (sem que existam pendências justificativas para a suspensão) e, por conseguinte, a sentença recorrida é inconstitucional por violar o disposto no n.º 1 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa

  15. Os factos dados como provados 6, 7, 8, 9, 11, 15, 17 estão em manifesta contradição com os factos provados 19 e 20, vejamos, T. O trabalhador GB não recebeu os referidos créditos laborais então não pode o arguido ter feito retenção de uma coisa que não pagou

  16. Mas mais, das quantias transferidas ao trabalhador AJBL (facto provado 20), verifica-se desde logo que o mesmo recebeu quantias diferentes

    V. A presunção de que todos os vencimentos foram pagos e que por tal haveria a obrigatoriedade de realização das retenções, foi ilidida pelo simples facto que não foram pagos a totalidade dos salários

  17. As declarações de remunerações à Segurança Social constituem prova indireta de que as remunerações foram pagas e deduzidas as contribuições devidas à Segurança Social

    X. Pois bem, a prova documental e testemunhal constituem prova direta de que os vencimentos não foram pagos e, por conseguinte não foram efetuadas as deduções as contribuições devidas à Segurança Social

  18. Prevalecendo a prova direta sobre a prova indireta, todos os factos provados 6, 7, 8, 9, 11, 15 e 17 não têm qualquer fundamento e estão em manifesta contradição com os factos provados 19 e 20

  19. Resulta até o contrário da prova produzida, isto é, era a testemunha RF, MAD e DAD que celebravam contratos com a sua “única” cliente C e eram estes três que discutiam e recebiam os valores daquele cliente

    AA. Sobretudo porque consta do relatório do administrador de insolvência que em 2011 a sociedade arguida já apresentava resulta líquidos negativos de 86 126,67€ e em 2012 apresentou resultados líquidos negativos de 38 995,86€

    BB. O Tribunal a quo violou assim o princípio do in dubio pro reo

    CC. Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser revogada, por inconstitucional, e substituída por outra que absolva o arguido do crime e do pedido de indemnização cível, por manifesta violação do princípio da presunção da inocência constante na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa

    DD. A Mm.ª Juiz após a condenação ao arguido proferiu a seguinte expressão transcrita ipsis verbis “lamento que a sua família o tenha colocado nesta situação…” EE. Ora tal afirmação é a prova provada que o arguido nunca teve de facto qualquer mínima hipótese e já entrou naquele edifício condenado, sem que as provas indicassem a sua culpabilidade

    FF. Aliás, para além da julgadora ter passado um atestado de incompetência ao Juiz de Instrução Criminal de Santarém, passou também um atestado de incompetência a todos os juízes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, sendo que estes últimos absolveram o arguido de todos os processos de reversão fiscal por considerarem que este não era o gerente de facto da sociedade arguida (sentenças juntas ao processo)

    GG. Ademais, por prova direta, a testemunha RF afirmou que era ele, MD e DD que celebraram o contrato com o grande cliente da sociedade arguida, a C

    HH. Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser revogada, por inconstitucional, e substituída por outra que absolva o arguido do crime e do pedido de indemnização cível, por manifesta violação do princípio da presunção da inocência constante na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa

    II. O arguido liquidou os referidos tributos não prescritos dentro do prazo previsto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT

    JJ. Ora, se a última contribuição alegadamente não paga é de dezembro de 2012 e se o arguido apenas se considera como tal a partir de finais de fevereiro de 2018, então, fica demonstrado que não se verifica a condição de punibilidade prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT e, por conseguinte, deve o arguido ser absolvido

    KK. Face a todo o exposto, não se verificam por provados os elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime, bem como o procedimento criminal encontra-se extinto por via do decurso do prazo de prescrição e, por conseguinte, deve o arguido ser absolvido do crime de que foi condenado.» 4.Respondeu o Ministério defendendo a manutenção do decidido

    5. Neste Tribunal Superior o Ministério Público produziu parecer alinhado com a resposta sustentada na 1.ª instância. 6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido/recorrente veio reiterar a sua posição relativamente à questão da (por si) invocada prescrição do procedimento criminal

    II - FUNDAMENTAÇÃO 1. O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no artigo...

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