Acórdão nº 54/20.3GBTNV-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

No âmbito do processo 54/20.3GBTNV, RPVG foi sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo no final do mesmo sido proferido o seguinte despacho: “Mostram-se fortemente indiciados os factos narrados pelo Ministério Público no despacho de apresentação a este interrogatório ou seja, mostram-se fortemente indiciados os seguintes factos: 1.º Pelo menos desde os inícios do ano de 2020 que RPVG se dedica à cedência e venda de produtos estupefacientes, designadamente cocaína, resina de canábis e folhas e sumidades de canábis, a consumidores que o procurem, por cedência ou mediante a entrega de contrapartidas monetárias, na cidade de … e nas localidades limítrofes, por vezes mediante contato telefónico ou eletrónico prévio

  1. No âmbito dessa atividade, o arguido RG adquire produtos estupefacientes, mormente cocaína, resina de canábis e folhas e sumidades de canábis, em locais e a indivíduos não concretamente apurados e, após, divide, corta, pesa e ensaca esses produtos em doses individuais, para efeitos de as vender diretamente, por preços ainda não concretamente apurados, a clientes/consumidores que o procuram

  2. No dia 16-02-2020, pelas 03h30m, na …, localidade da …, concelho de …, o arguido conduzia a viatura automóvel de matrícula …, e detinha, no interior de uma bolsa que trazia na cintura: - Três embalagens (panfletos), contendo cocaína com o peso bruto total de 2,14 gramas, o peso líquido de 1,989 gramas, um grau de pureza de 54,8%, sendo suficiente para 5 doses diárias; - Uma bolota e meia de resina de canábis, com o peso bruto total de 15,82 gramas, o peso líquido de 13,403 gramas, um grau de pureza de 30,1%, sendo suficiente para 80 doses diárias; - Uma cabeça de planta de canábis, com o peso bruto total de 1,00 gramas, o peso líquido de 1,00 gramas, um grau de pureza de 13,3%, sendo suficiente para 2 doses diárias; - 120,00 € em notas do Banco Central Europeu

  3. Devido a ser portador de substâncias ilícitas, o arguido RG foi detido e restituído, tendo sido interrogado por magistrada do Ministério Público no dia 17-02-2020, pelas 11h55m

  4. Não obstante a detenção e o interrogatório, o arguido continuou com a sua atividade de compra e venda de produtos estupefacientes, sendo que uma destas vendas, que se logrou concretizar até à presente data, ocorreu na noite do dia 30-04-2021, quando cedeu a BC pelo menos 0,3 gramas de resina de canábis

  5. E, no dia 13-06-2021, pelas 17h15m, na Rua do …, localidade de …, concelho de …, o arguido RG detinha, no interior de uma bolsa que trazia na cintura: - Uma embalagem em película celofane, contendo resina de canábis, com o peso bruto de 9,9 gramas; - Uma embalagem de plástico com fecho hermético, contendo resina de canábis, com o peso bruto de 0,8 gramas

  6. No dia 13-06-2021, pelas 17h40m, no interior da habitação sita na Rua de Cima, n.ºs 5 e 5C, localidade de Pedrógão, concelho de Torres Novas, o arguido detinha na sua posse: A- No seu quarto: a. No interior de um móvel, 750,00 € (setecentos e cinquenta euros) em numerário, em notas do BCE, composto por 2 notas com o valor facial de 50,00 €, 29 notas com o valor facial de 20,00 € e 3 notas com o valor facial de 10,00 €; b. No interior de um bolso de um casado, uma embalagem em película celofane contendo resina de canábis com o peso bruto de 4,9 gramas; c. Seis telemóveis de diversas marcas, com cartões e embalagens

    B- Na cozinha: a. No interior de um móvel, uma balança de precisão, sem marca, de cor cinzenta; b. Em cima de uma secretária: i. No interior de uma caixa de cor azul, resina de canábis com o peso bruto de 1,4 gramas; ii. No interior de um recipiente, resina de canábis com o peso bruto de 0,5 gramas

  7. O arguido atuou sempre de forma livre, deliberada e consciente, com conhecimento da qualidade, características e natureza dos produtos estupefacientes que detinha, transportava, preparava, cedia e vendia, com o propósito concretizado de os vender a consumidores indiferenciados que o procurassem para o efeito, de forma a auferir da vantagem económica resultante da diferença existente entre o preço de compra e preço de venda de tais produtos estupefacientes, o que conseguiu

  8. O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei

    O enquadramento jurídico-penal atribuído pelo Ministério Público aos mesmos mostra-se nesta fase razoável. Pois, se bem que não é despicienda a possibilidade de a investigação vir a apontar para o enquadramento no tipo do art.º 25 do mesmo diploma, o certo é que ao menos por ora a posse de uma quantia relativamente significativa de €750,00 dissimulada no interior de um móvel e ainda a posse não só de diversas quantidades de canábis mas também de cocaína parecem encaixar com ruídos no tipo do art.º 25. De todo o modo, à luz do princípio da proporcionalidade previsto no art.º 193 do CPP, tal situação de fronteira não deixará de ser tida em conta no âmbito desta apreciação

    A convicção do tribunal assenta sobretudo no teor dos autos de apreensão incluindo os autos de pesagem e testes rápidos perspetivados à luz das regras da lógica e da experiência comum e também do prisma da condição pessoal do arguido tal como o mesmo a descreveu. Sobressaindo daqui que o arguido repetiu que não é consumidor nem tem problemas de consumo, não tendo também dívidas ou responsabilidades de vulto, estudante e trabalhando auferindo um vencimento de €860,00 e vivendo em casa dos pais com os mesmos. A circunstância do arguido não ser consumidor reforça à luz das regras da lógica e da experiência a convicção de que as quantidades de estupefaciente apreendidas se destinam à comercialização. Ainda que assim não o fosse ou seja, ainda que se entendesse, conforme manifestou agora a defesa, que o arguido não tinha respondido a esta pergunta desconhecendo-se portanto se era ou não consumidor, para o mesmo resultado se chegaria pois que também concorre a observação da forma como estavam divididas e acondicionadas as substâncias de estupefaciente. Por outro lado, coaduna-se mal com as regras da experiência que alguém jovem que vive com os pais tenha de esconder num móvel o seu vencimento. Nesta confluência, o tribunal conclui pois pelo caráter forte dos aludidos indícios. Repise-se que conforme sobredito, nesta fase a convicção do tribunal atem-se quase exclusivamente ao teor dos aludidos autos e recorde-se que o teor de conversas intercetadas até pelo grau de encriptação, que frequentemente é o seu, não consubstanciam meios de prova mas antes meios de obtenção de prova. O mesmo se deve dizer relativamente aos autos de vigilância externa. Servem pois para a recolha de elementos que permitem ao Ministério Público prosseguir na investigação e portanto, a não ser que sejam inequívocas as palavras usadas nas conversas telefónicas ou os atos testemunhados nas vigilâncias externas, não poderão sem mais servir para fundamentar a aplicação desta ou daquela medida de coação nem para tecer considerandos sobre a verificação deste ou aquele perigo previsto no art.º 204 do CPP

    Relativamente à ponderação que nos impõe o art.º 204 do CPP, salta desde logo à vista a particular intensidade do perigo de continuação da atividade criminosa ante o facto de, não obstante em 16/02/2020 terem sido apreendidas ao arguido diversas substâncias estupefacientes designadamente, 3 panfletos de cocaína e de nessa data o arguido assim ter sido constituído, o arguido não alterou 1 milímetro na sua conduta, insensível à advertência que esta intervenção processual constituiu. Ora, não sendo conhecidas ao arguido dificuldades económicas graves ou outros problemas de ordem pessoal, é de concluir que o arguido age indiferente à ação da justiça, indiferente ao bem jurídico protegido e às consequências jurídico penais e processuais da sua conduta. Parece também contar com a complacência ou distração dos seus progenitores, com quem reside. Por outro lado, tratando-se de uma comunidade pequena aquela onde o arguido exerce a sua actividade, são também significativos os perigos de alarme social e perturbação do inquérito na vertente de conservação da prova. O crime que os factos que ora se julgam fortemente indiciados consubstancia admite qualquer das medidas de coação prevista no Código de Processo Penal, sendo que só está vedado ao Juiz de Instrução discordar do Ministério Público aplicando medida mais grave quando o perigo que fundamenta a sua decisão é o previsto nas als. a) e c) do art.º 204 do CPP. Não pode também o tribunal deixar de considerar o princípio da proporcionalidade previsto o art.º 193 do CPP, considerando designadamente nesse domínio a probabilidade de, sendo o arguido bastante jovem e primário, não lhe vir apesar de tudo a ser aplicada uma pena efetiva de prisão ainda que se venham a julgar provados em julgamento os factos que ora consideramos fortemente indiciados. Entendemos por isso que, ao menos por ora, serão de afastar as medidas detentivas da liberdade. Contudo, entendemos que uma apresentação no posto policial da área da residência que não tenha uma frequência diária não responde às exigências cautelares sobreditas. Entende-se também como o Ministério Público que, para além destas obrigações, se impõem as medidas de proibição de contactos e de frequência dos locais de venda e aquisição para obviar aos aludidos perigos

    Pelo exposto e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts.º 21, n.º 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro e 193, 196, 198 e 200, n.º 1, al. d) 204, als. b) e c) todos do CPP, determina-se que o arguido aguarde os ulteriores trâmites processuais sujeito às seguintes medidas de coacção para além das obrigações emergentes do TIR: 1.º Obrigação de apresentação diária no posto policial da respetiva área de residência ou em qualquer outro se as suas condições profissionais assim o determinarem; 2.º Proibição de contactos com fornecedores e clientes; 3.º Proibição de frequência dos locais onde vem procedendo quer ao abastecimento do estupefaciente quer à venda do mesmo.” # Inconformado com tal...

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