Acórdão nº 3353/20.0T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO GENERALI SEGUROS, S.A.

intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra M…, F… e FL…, pedindo a condenação dos Réus no pagamento: a) da quantia de €72.239,40, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento; b) de todas as quantias que suporte, no futuro, em cumprimento da sentença proferida no âmbito do processo n.º 1489/14.6TBLLE, a saber: - a quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente às despesas que venham a ser suportadas pela sinistrada Cidália Maria Cabrita Mogo Nunes e relativas a «tratamento cirúrgico complementar a nível da articulação patelo femoral direita e/ou articulação sub astragalina esquerda» que venha a ser realizado, até ao montante de €5.490,50 (cinco mil quatrocentos e noventa euros e cinquenta cêntimos); - o valor de aquisição das palmilhas de que a referida sinistrada venha carecendo, a determinar em incidente de liquidação.

Alega, em suma, que ao abrigo de contrato de seguro de responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 54…, satisfez determinadas quantias em virtude das lesões sofridas pela sinistrada Cidália M…, condutora do veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula 37…, assistindo-lhe o direito de ser ressarcida pelos Réus dos montantes que foi condenada a pagar e já pagos e aqueles que terá de pagar, na qualidade de herdeiros do condutor do veículo 54…, M…, que conduzia sob a influência do álcool.

Mais alegou que os Réus foram chamados a intervir na ação intentada contra a aqui Autora (ali Ré) pela sinistrada, tendo a sentença condenatória força de caso julgado.

Os Réus contestaram, alegando, em síntese, que foram intervenientes na referida ação na qualidade de herdeiros e a título acessório, não decidindo o Tribunal se existe direito de regresso da Autora, carecendo de fundamento a alegada verificação de caso julgado.

Invocam, ainda, que nos termos da lei e das condições contratuais apenas assiste direito de regresso contra o condutor em situação de alcoolémia, a qual não se transmite aos herdeiros, não constituindo dívida da herança.

Mais invocaram que não subscreveram o contrato de seguro em causa e que a relação jurídica existente entre a Autora e o segurado se extinguiu com a morte deste.

Por último, defendem que deve improceder o pedido deduzido na alínea b), porquanto o direito de regresso pressupõe o pagamento da indemnização, iniciando-se o prazo de prescrição com o pagamento.

A autora respondeu à matéria excetiva, concluindo pela sua improcedência.

Foi proferida sentença constando da sua parte dispositiva o seguinte: «Pelo exposto, e ao abrigo dos citados preceitos legais, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno os réus a pagar à autora a quantia de €72.239,40, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, contados desde a data da citação até integral pagamento, absolvendo do demais peticionado.

Custas pela autora e pelos réus na proporção do decaimento, que se fixa em 1/10 e 9/10 (art.º 527.°, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).» Inconformados, interpuseram recurso de apelação apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «I - a questão essencial colocada nos presentes autos, ainda que possa desdobrar-se noutras questões, foi sintetizada ( e bem ) na douta sentença recorrida, nos termos seguintes: (…) A questão que os réus colocam, em sede de contestação, é saber quem é o responsável pelo pagamento dessas quantias, quando esse condutor faleceu.

Defendem, a este propósito que, por lei e nos termos contratuais, o responsável é o condutor e que só este é devedor das quantias peticionadas.

( Nosso sublinhado ) II - Salvo melhor opinião, a questão controvertida, não nos remete, nem mediata, nem imediatamente, para a análise do objecto da sucessão e da vocação sucessória e da responsabilidade pelas dividas do de cujus, posição que configura, erro nos pressupostos, raciocínio e fundamentação de direito, da sentença recorrida, pois, ao invés, a questão a decidir, tal como resulta da causa de pedir, é a de saber se os Recorrentes podem e devem ser condenados a pagar a quantia peticionada à luz do direito de regresso, o que aliás foi decidido negativamente na sentença recorrida, nos termos seguintes: Procede, deste modo, o pedido formulado pela autora na alínea a), com os esclarecimentos apontados, ou seja, que os réus são condenados na qualidade de herdeiros de M… e respondem nos termos dos art.ºs 2071.º e 2098.º do Código Civil.

III – Se toda a fundamentação do pedido se baseia, exclusivamente, no direito de regresso, que a Recorrida entende ter sobre os Recorrentes, alegadamente, emergente do art. 27.º nº 1 al. c) do DL n.º 291/2007, não tendo a causa de pedir sido desenhada em função da sua qualidade de responsáveis, enquanto herdeiros, considerar-se, agora, a sua condenação nessa qualidade, será alterar a causa de pedir e não qualificar diversamente a factualidade alegada, o que está vedado ao Tribunal.

IV – Sem conceder, à data da interposição da presente ação o Marido e Pai dos Recorrentes já tinha falecido, e já tinha sido realizada habilitação de herdeiros e partilha dos bens conforme escritura de partilha outorgada no dia 30.10.2012, junta aos autos pela Recorrida, pelo que, cada herdeiro só responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança, (cfr Ac. do STJ de 19.06.2019, in www.dgsi.pt ) conforme disposto no artigo 2098º, nº 1 do Código Civil e não global e de forma solidária, como resulta da sentença recorrida.

V – Acresce que, pressupondo o direito de regresso da seguradora o cumprimento prévio da obrigação de pagamento da indemnização, e estando provado nos autos que tal só ocorreu nos dias 3 e 13 de Agosto de 2018 ( cfr. Pontos 12 e 13 dos factos provados ), importa concluir, necessariamente, que à data da morte do autor da herança, ocorrida no dia 01.05.2012, inexistia qualquer direito de credito na esfera jurídica da Recorrida e concomitantemente qualquer divida da herança nos termos e para os efeitos do disposto no art. 2068º do Código Civil e consequentemente inexiste o direito de regresso invocado pela Recorrida.

VI – Portanto, ao invés, da posição adotada na sentença recorrida, entende-se que é aqui aplicável o disposto no art. 2025º nº 1 do Código Civil que estabelece que, 1. Não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei., reiterando-se que a Recorrida alicerça o seu pedido e causa de pedir no alegado direito de regresso que entende assistir-lhe, atenta a condução sob o efeito do álcool do condutor do veículo à data do acidente, o que corresponde a realidade estranha a qualquer atuação ou omissão dos Recorrentes, e, que aliás muito os penalizou, quer em termos pessoais, quer em termos materiais, portanto intransmissível por sucessão.

VII - Quer o artigo 27º, nº 1, al. c) do Decreto-Lei nº 291/07, quer o art. 31º das Condições Gerais do Contrato de Seguro, são inequívocos ao restringir o direito de regresso, apenas, ao condutor, sem qualquer extensão aos seus herdeiros, caso este faleça no acidente, como é o caso dos presentes autos, daí que, para além do elemento literal, decorrente da expressão “apenas”, no sentido da exclusão expressa da responsabilidade dos herdeiros do condutor, acresce que inexiste no contrato de seguro dos autos, qualquer disposição ou cláusula que contemple a transmissão do direito de regresso para a esfera jurídica do cônjuge, pessoa que viva em união de facto, ascendentes e descendentes do segurado ou condutor, que com ele vivam em economia comum.

VIII – À luz do artigo 146º, nº1, do RJCS o lesado tem o direito de usar da ação diretamente contra a seguradora em todos os seguros obrigatórios, sendo que nos seguros facultativos, só nas circunstâncias previstas nos nºs 2 e 3, do artigo 140º, isto é, se esse direito estiver previsto no contrato de seguro, daí que admitindo-se, conforme entende a douta sentença a inaplicabilidade in casu do disposto no artigo 136º da LCS, tal não afasta, porém o elemento interpretativo a retirar, no sentido da exclusão do direito de regresso contra os Recorrentes, atenta a sua qualidade de cônjuge e descendentes do condutor e segurado na Recorrida.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO, DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EXCIAS. E CONFORME CONCLUSÕES SUPRA, REQUER-SE A REVOGAÇÃO DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE JULGUE A ACÇÃO IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADA, E, EM CONFORMIDADE DETERMINE A ABSOLVIÇÃO DOS RECORRENTES.» A Apelada apresentou resposta ao recurso defendendo a confirmação da sentença.

II- FUNDAMENTAÇÃO A- Objeto do recurso Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), a principal questão a decidir do recurso consiste em saber se a seguradora, que pagou a indemnização à lesada pelos danos causados com culpa do seu segurado, que conduzia em situação de alcoolémia, falecido na sequência do acidente, tem direito de regresso contra os herdeiros do mesmo e, no caso positivo, qual a medida da responsabilidade destes.

B- De Facto A 1.ª instância deu como provada e não provada a seguinte factualidade: FACTOS PROVADOS «1- A autora é uma sociedade que se dedica à atividade seguradora.

2- No exercício dessa atividade a autora celebrou com Mário Antunes Sequeira um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º 0002818929, mediante o qual...

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