Acórdão nº 1071/20.9T8FAR.E1. de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LANÇA
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECCÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORAI.

Relatório M… interpôs contra A… acção de divisão de coisa comum, invocando, em resumo, ter estado com ela casado até ao dia 14 de Março de 2013, dia em que se divorciaram por mútuo consentimento, tendo, posteriormente e na sequência da desistência da instância de uma outra acção de divisão de coisa comum, procedido à celebração de um contrato promessa de partilha (cuja junção iteradamente impetra), no qual se estipulava, ademais, que os bens em questão quedariam em propriedade para o Autor.

Em face do incumprimento desse ajuste pela apelada, alega o apelante que se vê forçado a recorrer à via judicial para que, em operação de partilha e em cumprimento do referido ajuste, lhe sejam adjudicados os bens imóveis identificados na petição inicial (de que as partes são formalmente comproprietários).

Conclui, peticionando que se proceda à “adjudicação dos prédios em apreço ao Autor”.

A apelada contestou invocando, ademais, que os bens em questão foram adquiridos na constância do matrimónio, pelo que o meio processual adequado para o efeito preconizado pelo apelante seria o processo de inventário, para o qual é competente o Juízo de Família e Menores.

Em sede de resposta à contestação, o apelante defendeu ser esta era a “única forma possível de (…) ver satisfeita a sua pretensão, a da divisão de coisa comum, uma vez que os bens se encontram em compropriedade e não se vislumbra outra forma de proceder à sua divisão”.

Foi, depois, proferida decisão com o seguinte teor: “M… propôs contra A… acção de divisão de coisa comum com referência aos seguintes prédios: (…) Alegou, porém, que: Requerente e Requerida contraíram, no regime de comunhão de adquiridos, casamento em 29.08.1981, o qual cessou com divórcio por mútuo acordo em 14.03.2013; Os prédios supra identificados foram adquiridos na pendência do casamento; O Requerente “pretendeu realizar partilha extrajudicial por mútuo acordo após divórcio, como se referiu, o que até à presente data ainda não foi possível, por falta de cumprimento e de ser honrado o acordo celebrado entre as partes, vendo-se obrigado a recorrer à via judicial, para que se promova a partilha dos bens que têm em comum.”; O acordo é um acordo extrajudicial “(contrato promessa)”.

Conclui o Requerendo com a alegação que tem “o direito a exigir a divisão dos bens comuns ao abrigo do disposto no artigo 1412.º do Código Civil, que no caso passa por lhe ser adjudicado os bens em cumprimento do acordo extrajudicial”.

Citada, a Requerida invoca erro na forma do processo e excepção de incompetência material deste tribunal (Juízo Local Cível).

Cumpre apreciar.

Do alegado pelo Requerente – e documentos juntos aos autos correspondentes a certidões registo predial – inexiste dúvida de que os bens imóveis foram adquiridos na pendência do casamento.

Ora, a extinção do vínculo conjugal não faz operar automaticamente a alteração do regime de bens do casamento. E após a extinção do casamento, os bens comuns do casal mantêm-se nessa qualidade até à sua divisão e partilha.

A alegação do tal acordo extrajudicial “(contrato promessa)” em nada altera a qualidade dos bens, pois, não corresponde a qualquer divisão e efectiva partilha dos mesmos.

Tendo a forma processual escolhida pelo Requerente – divisão de coisa comum – a finalidade de pôr termo à indivisão de coisa comum e verificando-se que, conforme foi admitido, estamos perante bens comuns de ex-cônjuges (porque adquiridos na pendência do seu casamento) e não perante a compropriedade da coisa, outra não pode ser a conclusão senão a de que existe erro na forma processual adoptada – cfr. artigo 925.º do CPC.

Com efeito, ocorre o vício processual de erro na forma de processo quando a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral ou especial de processo legalmente previstas.

A sanação do vício faz-se por via da convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei.

Tal vício só determinará a anulação de todo o processo (como excepção dilatória) e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada – cfr. artigos 193.º, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea b), todos do CPC.

O presente caso é um dos casos em que a própria petição inicial não pode ser aproveitada para a forma de processo adequada.

Aliás, a comunhão dos bens em causa só por via de inventário para partilha dos bens comuns poderá cessar, para o que este tribunal sequer é competente (sendoo o Tribunal de Família).

Por isso, a nulidade detectada é determinante da anulação de todo o processado implicando a absolvição da Requerida da instância nos termos conjugados dos artigos 193.º, 577.º, al. b) e 278.º, n.º 1, al. b), todos do Código de Processo Civil.

Em face do exposto, decide-se julgar verificada a excepção dilatória de erro na forma do processo e, em consequência, decide-se: - Declarar a nulidade de todo o processo; - Absolver a Requerida da instância.

Fixa-se o valor da causa em €30.000,01 – cfr. indicado pelo Requerente e não impugnado pela Requerida (art. 305/4CPC).”.

Irresignado, o apelante, não se conformando com o despacho acima transcrito deles interpôs recurso, apresentando alegações que rematou com seguintes conclusões: “1. Por sentença datada de datada de 29-07-2021 o tribunal “a quo” decidiu julgar verificada a excepção dilatória de erro na forma do processo e em consequência declarou a nulidade de todo o processo e absolveu a Requerida da instância.

  1. Sucede que o tribunal “a quo” não apreciou o requerimento apresentado pelo ora Recorrente a 01-06-2021. 3. Não tendo o tribunal “a quo” não ponderado e apreciado o facto de os bens em apreço serem detidos pelas partes em compropriedade e de ter sido celebrado um acordo de partilha extrajudicial, o qual não foi cumprido.

  2. Assim como não se pronunciou o tribunal “a quo” sobre o invocado impedimento do ilustre colega, mandatário da aqui Recorrida, que subscreveu a contestação e sobre a invocada nulidade dos actos praticados.

  3. Pelo que se conclui que estamos perante uma omissão de pronúncia, isto é o tribunal "a quo" deixou de decidir sobre as questões já supre referenciadas e assim sendo estamos perante uma causa de nulidade da sentença recorrida e a mesma deverá ser revogada por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

  4. Por outro lado andou mal o tribunal “a quo” ao proferir sentença pois não existem nos presentes autos elementos para decidir a causa e impunha-se a realização de audiência prévia.

  5. O tribunal “a quo” não poderia ter proferido decisão sem realizar audiência prévia.

  6. No NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no artigo 591.º do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (n.º1 b).

  7. Quando o Juiz...

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