Acórdão nº 430/20.1GBSSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 01 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução01 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Decisão Sumária parcial A – Do que vem requerido pelo recorrente De facto tem razão o Exmº Procurador-Geral Adjunto ao referir que o recorrente não é claro no seu requerimento para um novo julgamento.

Apesar de o fazer por invocação do artigo 411º, nº 5 do Código de Processo Penal, quer-nos parecer que a sua pretensão será outra. Abordaremos ambas as hipóteses.

Certo é que o recorrente pretende ver tratados no seu recurso estes três pontos: 1) – As Nulidades insanáveis que invoca; 2) – a Matéria erradamente dada como provada; e 3) - a Alteração da qualificação jurídica dos factos provados. Essa é matéria a abordar em acórdão que conheça do objecto do recurso! Acertadamente o Exmº PGA acrescenta igualmente – asserção com a qual estamos de acordo - que “Perante estas dúvidas e afigurando-se-nos que o “pedido” prevalecente – e que se nos afigura corresponder melhor à intenção do recorrente - é o que decorre da parte final da motivação (2º julgamento)”.

Porque, convenhamos, parece o recorrente estabelecer paridade entre os conceitos de “segundo julgamento” e “audiência de julgamento em 2ª instância”.

O primeiro conceito é uma realidade processual que advém sempre da declaração de existência de um vício de facto, seja por vício de conhecimento oficioso à luz da previsão do artigo 410º, nº 2 do C.P.P. (que o recorrente invoca), seja por invocação de erros de julgamento à luz do disposto no artigo 412º, ns. 3 e 4 do mesmo diploma (que o recorrente não invoca por não ter impugnado especificadamente a matéria de facto).

Implica, naturalmente, o reenvio dos autos – por se constatar a existência de vício de facto – para que a primeira instância colmate tal ou tais vícios através do “retomar” do julgamento parcial ou total dos factos. Aquilo que, habitualmente (e nem sempre correctamente, se se tratar de reenvio parcial) se costuma designar por “segundo julgamento” ou “novo julgamento”.

O segundo conceito, a “audiência de julgamento em 2ª instância”, advém como possibilidade de “complementar” a prova em segunda instância em casos contados e por requerimento para realização de “audiência” no tribunal da Relação onde decorre o recurso. Normalmente limita-se a ser uma audiência onde as partes repetem – porque só isso podem fazer – aquilo que já consta das suas conclusões de recurso escritas, pois que são estas que delimitam o objecto de recurso. Uma inutilidade, portanto, que se vai deferindo a coberto de uma leitura literal e muito limitada do artigo 411º, nº 5 do Código de Processo Penal.

Ora, que requereu o recorrente? Nos seguintes pontos da sua motivação requer o recorrente: 56. Pelo se conclui neste ponto, requerendo-se a alteração da qualificação jurídica constante da acusação para o tipo criminal de ofensas à integridade física, sem embargo de discussão em julgamento, cuja repetição se impõe, com vista à prova do uso da força em sua legitima defesa.

57. Assim, nos termos do nº 5 do artigo 411º do CPP, o recorrente requer a realização de audiência, tendo em vista debater os pontos enunciados acima: Claramente o recorrente pede no ponto 56 a repetição do julgamento em primeira instância para prova dos factos da legítima defesa, enquanto no ponto 57 parece pedir a realização de uma audiência na Relação onde, evidentemente, não pode vir discutir – nem obter a prova – de factos novos.

Mas a conjunção subordinativa “Assim” que inicia o ponto 57 das motivações distintamente faz depender esta segunda proposição da primeira, parecendo que o recorrente se está a referir à “repetição do julgamento” que solicita no ponto 56.

Esta nossa leitura vem a ser confirmada pelo pedido formulado após conclusões onde não se fala em “audiência de julgamento em segunda instância” mas sim em reenvio “para repetição de julgamento” e em “repetição do julgamento”, como dali consta: «Nestes termos e nos melhores de direito deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que a julgue nula, por preterição das regras da notificação, que impossibilitou o conhecimento do Arguido da acusação que contra si foi proferida e de exercer os direitos constitucionais, consagrados no artº 32º da CRP, de defesa e de estar presente em julgamento, não lhe bastando a defensora oficiosa que lhe foi nomeada, que também não contatou o Arguido, pelo menos, para a morada de residência constante dos autos, a mesma na qual a PSP o notificou da sentença.

Caso assim não seja entendido, deverá ser reenviado o processo para repetição de julgamento, Bem como alterada a qualificação jurídica constante da acusação para o tipo criminal de ofensas à integridade física, com repetição do julgamento;» Não há, portanto, pedido de realização de audiência na Relação.

* B – Do sentido útil do nº 5 do artigo 411º do C.P.P.

2 - O sentido literal não pode ser prevalecente se não houver substância na previsão Entendemos, pois que o recorrente não pede uma “audiência de julgamento” em 2ª instância.

Mas mesmo que o requeresse estivesse a requerer a audiência de julgamento no Tribunal da Relação não bastaria argumentar com a literalidade do nº 5 do artigo 411º do C.P.P., sabendo nós que nos pelamos por literalidades que escondam a substância. A realização de uma audiência em segunda instância é hoje, naturalmente, uma inutilidade na maior parte dos casos em que é pedida.

Não há aqui qualquer criação de obstáculo ao recurso. Não há aqui o colocar em causa o recurso interposto pelo arguido. Ele existe e foi aceite! O que está em causa também não pode ser o âmbito do recurso, o seu objecto, livremente definido pelo recorrente nas suas conclusões e aceite por este tribunal. O arguido interpôs recurso e esse está por conhecer com o âmbito que o arguido lhe quis dar no uso do princípio da disponibilidade do recurso.

Nem se entendem invocações constitucionais porque aquilo de que aqui se trata é saber se o legislador ordinário – e jurisprudência subsequente, que aqui tem peso restritivo – consagrou um sistema congruente de recurso e qual é a melhor forma de dar sentido a normas que parecem desconexas e conduzir a resultados interpretativos ridículos. Não há, portanto, qualquer violação de normas e princípios de natureza constitucional.

No que estamos de acordo com os colegas Ana Brito e Proença da Costa no não entendermos que fazem argumentos de cariz constitucional num tema que é de direito infra-constitucional, de tal forma que o tema não merece maior tratamento do que este pois que bem tratado nos arestos desta Relação de nós conhecidos [referimo-nos aos acórdãos desta Relação de 05- 03-2013 (proc. 34/09.GCBJA.E1, rel. Proença da Costa), 17-09-2013 (proc. 380/09.2JACBR-B.E2, rel. Ana Brito) e 21-12-2017 (proc. 94/15.4T9EVR, rel. Proença da Costa)].

Aliás, o recente acórdão nº 613/2019 do Tribunal Constitucional relatado pelo Cons. Teles Pereira, lavrado na sequência de decisão do Exmº Desemb. Proença da Costa, confirma tal ideia De outra banda o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos aprovado pela Lei n.º 29/78, de 12 de Junho ao reconhecer no seu artigo 14.º nº 1 que «(…) Todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra elas, quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de carácter civil» vem a estatuir no seu nº 5 uma relevante concretização, a de que «Qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei .» E o artigo 2º, nº 1 do Protocolo nº. 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem preceituou - quando consagrou o Direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal - que «Qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um tribunal tem o direito a fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação.

O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei».

E estes textos vinculam em absoluto o Estado português que não formalizou qualquer reserva a qualquer dos textos convencionais. E nenhum deles exige uma audiência em certa forma.

Ora, se o recurso foi admitido e está para conhecer não se lobriga possível violação de normas de natureza convencional ou constitucional. Em breve, nem a Constituição Portuguesa nem o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos exigem a realização de audiência em instância de recurso. Quanto à C.E.D.H. e jurisprudência a ela atinente nos debruçaremos adiante.

Não nos podemos limitar à mera interpretação literal do artigo 411º, nº 5 do C.P.P., esquecendo as interpretações histórica, sistemática e lógica. E, principalmente, não podemos desprezar a teleologia das normas.

Para fazermos uma interpretação histórica, sistemática e teleológica é necessário ter uma visão do sistema de recursos ao longo dos tempos, o que também implica ter a noção do movimento conservador (no pior sentido do termo) do legislador processual penal português na direcção da restrição do recurso à forma escrita e do posicionamento mais garantístico do T.E.D.H., relativamente a esta matéria, claramente pressionante da “ordem jurídica” portuguesa.

* 2 - O sonho processual Sabemos, porque lemos, que o legislador identificado do C.P.P., o Prof. Figueiredo Dias, tinha um sonho! E revelou-o, pelo menos, no escrito “Sobre a Revisão de 2007 do Código de Processo Penal Português”, incluído na Revista Portuguesa de Ciência Criminal (Ano 18, nº 2 e 3 – Abril - Setembro 2008, pag. 380/382), assim se expressando: “… a fase...

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