Acórdão nº 51/14.8GDPTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução18 de Abril de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 51/14.8GDPTG, da Comarca de Portalegre (Portalegre - Instância Local - Secção Criminal - Juiz 1), em que é arguido VJ, mediante pertinente sentença (datada de 14-10-2016) foi decidido: “I - Da responsabilidade criminal: Em face do exposto, julgo a acusação procedente, por provada e, em consequência, decido:

  1. Condenar o arguido VJ, como autor material de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do Código Penal, praticado contra o ofendido/assistente, na pena de 100 dias de multa; b) Condenar o arguido VJ, como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do Código Penal, praticado contra a ofendida na pena de 60 dias de multa; c) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 120 dias de multa, à taxa de € 5,00, no montante de € 600,00; d) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, e nos honorários devidos pelo patrocínio oficioso; II - Da responsabilidade cível: Em face do exposto decido: a. Julgar procedente por provado o pedido cível deduzido pela ULSNA, EPE e, em consequência, condeno o demandado no pagamento da quantia de € 365,62, acrescida de juros legais contados desde a citação até integral pagamento; b. Sem custas cíveis, atenta a isenção prevista no art. 4º, al. l), do RCP; c. Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido cível deduzido por MB e MS e, em consequência, condeno o demandado no pagamento da quantia de € 1.200,00, ao demandante MB, e € 600,00 à demandante MS, quantias acrescidas de juros legais contados desde o trânsito em julgado da presente sentença; d. Custas cíveis pelos demandantes e demandado, na proporção do decaimento”.

    * Não se conformando o arguido com a decisão, dela vem interpor recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: “1. Nos termos do art. 410º, nº 2, alíneas a) e c), do CPP, há erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

    2. Uma vez que, não havendo uma declaração de inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, mas tendo o perito psiquiatra concluído pela existência de doença mental (esquizofrenia paranoide), e por se tratar de distúrbio psíquico que afeta a consciência e a perceção, e que o arguido poderá ficar incapacitado de avaliar e entender a ilicitude dos seus atos, bem como de síndrome orgânico cerebral post traumático.

    3. Uma vez que, se o perito não concluiu pela inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, o certo é que também não as excluiu, uma vez que concluiu no sentido de eventualmente o arguido ficar incapacitado de entender e avaliar a ilicitude dos seus atos, o que dependerá do estado da doença na altura factual.

    4. Pelo que deveria, nestes termos, o tribunal solicitar esclarecimentos a fim de colmatar as divergências e contradições, uma vez que, ao considerar o arguido imputável, está em contradição com o relatório pericial, que nos diz que o arguido está incapacitado de entender e avaliar, e, havendo dúvidas, deveriam ser prestados esclarecimento nos termos dos arts. 350º e 351º do CPP.

    5. Devendo ser declarado o arguido inimputável ou portador de imputabilidade diminuída; 6. Ou o processo reenviado para novo julgamento, com vista a solicitar-se esclarecimentos visando o apuramento da inimputabilidade ou imputabilidade diminuída, nos termos dos arts. 426º e 426º-A do CPP.

  2. Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que declare o arguido inimputável ou com imputabilidade diminuída.

  3. E, se não for possível decidir da causa, se determine o reenvio do processo para novo julgamento, a fim de apurar-se a inimputabilidade ou a imputabilidade do arguido, assim se fazendo justiça”.

    A Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, concluindo a sua resposta nos seguintes termos (em transcrição): “1º - O arguido menciona que existe uma «insuficiência para a decisão da matéria de facto provada». No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-07-2002 refere-se que: «I - A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito, ao caso submetido à apreciação, no cumprimento do dever de descoberta da verdade material».

    1. - Acresce que, imputar a uma decisão o vício de insuficiência da matéria de facto significa que aquela insuficiência tem de ser apreciada em função da solução adotada para o caso da decisão recorrida. Isto é, a insuficiência da matéria de facto para de decisão de direito não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida. Esta é uma questão que respeita ao recurso da matéria de facto.

    2. - De qualquer modo, não conseguimos discernir, na decisão recorrida, nem uma insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, nem insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito: o tribunal analisou a prova produzida, bem como o resultado do exame pericial referente à imputabilidade do arguido, e demonstrou o processo racional pelo qual se conduziu para alcançar a decisão final. Ora, só o magistrado judicial da primeira instância está em condições de aquilatar da credibilidade de um depoimento, atenta a imediação que subjaz à audiência de julgamento.

    3. - No que respeita ao erro notório na apreciação da prova, como eloquentemente sustenta o Ac. do TRE de 27-04-2004: «Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão por si só ou conjugado com as regras da experiência comum é logo evidente v.g. que foram dados como provados factos que segundo as regras da lógica e da experiência comum não podiam ter acontecido no caso concreto. Em linguagem singela, mas impressiva, dir-se-á que erro notório é o erro que se vê logo».

    4. - De tudo o que já foi exposto, não existe nenhum erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, al. c), do CPP; aliás, o tribunal interpretou e apreciou a prova de acordo com a sua livre convicção, não constituindo a mesma uma liberdade eivada de arbitrariedade, antes uma pautada pela objetividade.

    Vªs Exªs, porém, melhor decidirão e farão, como sempre, a costumada Justiça”.

    * Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, entendendo que “deve haver lugar à anulação da decisão recorrida, devendo ordenar-se a realização de nova perícia, e com reformulação/complementação dos quesitos, sempre tendo em conta a data da prática dos factos (ou época próxima desta), e sempre em termos de se responder em termos de probabilidade, cujo grau deve ser concretamente mencionado”.

    Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, o arguido não respondeu.

    Contudo, o assistente (e demandante) MB e a demandante MS responderam ao parecer da Exmª Procuradora-Geral Adjunta, considerando, em resumo, que a perícia realizada obedeceu a todos os requisitos legais (questão que nem sequer está colocada na motivação do recurso), que a acusação e a defesa apresentaram, oportunamente, os quesitos a que a perícia respondeu, e que, notificadas do relatório pericial, nada disseram ou requereram, pelo que, neste momento processual, nada mais há a realizar ou a acrescentar nesse âmbito.

    Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objeto do recurso.

    De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 412º do C. P. Penal, e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente do S.T.J. - Ac. de 13/05/1998, in B.M.J. 477/263, Ac. de 25/06/1998, in B.M.J. 478/242, e Ac. de 03/02/1999, in B.M.J. 477/271 -), o âmbito dos recursos é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, mesmo que os recursos se encontrem limitados à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, in D.R., I-A Série, de 28/12/1995).

    São só as questões suscitadas pelo recorrente, e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar - artigos 403º, nº 1, e 412º, nºs 1 e 2, ambos do C. P. Penal.

    A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, pág. 335): “daí que, se o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT