Acórdão nº 754/12.1TBVRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA, Lda.

instaurou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB-Instituição Financeira de Crédito, S.A.

, pedindo que seja declarada como credora da importância de € 950.967,00 e com direito de retenção até integral pagamento.

Alegou para tanto a autora, em síntese, que foi contratada para executar uma obra de ampliação de um aparthotel, em imóvel pertencente à ré que se encontrava em regime de locação financeira, vindo outra sociedade ocupar a posição da locatária e dona da obra através de cessão da posição contratual, assumindo a ré uma dívida para com a autora no montante de € 1.400.000,00.

Mais alegou ser detentora de um crédito sobre a dona da obra no valor de € 950.967,05, decorrente de trabalhos realizados, sendo a ré responsável pelo pagamento daquela quantia por ter enriquecido o seu património à custa do correspondente empobrecimento da autora, entendendo ainda a autora ter o direito de retenção sobre o imóvel em causa.

A ré contestou, afirmando que devido ao facto da primitiva locatária não pagar as rendas acordadas no contrato de locação financeira e do imóvel se encontrar com as obras inacabadas, aceitou a cessão da posição contratual da locatária para a sociedade CC, que é uma empresa do grupo da autora, assim como aceitou pagar o valor correspondente ao crédito que a autora detinha por obras realizadas no imóvel, pelo que ainda que fosse pelo facto de vir a beneficiar das mesmas, a ré já liquidou o respetivo valor, além de que a autora não demonstra os custos dos trabalhos e materiais que incorporou na obra, pelo que se algum crédito existisse se desconhece o respetivo valor.

Mais alegou a ré que pode fazer suas as peças e acessórios incorporados no imóvel, nos termos legais, sendo aliás, essa uma das diferenças entre a locação financeira e a locação civil, pelo que nada tendo contratado com a autora, impugna a realização dos trabalhos e o seu valor.

Alegou, por último, que a locatária CC deixou de pagar as rendas acordadas, pelo que a ré veio a resolver o contrato de locação financeira, solicitando ainda a entrega do respetivo imóvel o qual, porém, a locatária não entregou, pelo que a ré instaurou uma providência cautelar para entrega do mesmo, o que veio a ser decretado, tendo a ré sido investida na posse do imóvel em 05.12.2012, pelo que nenhum direito de retenção assiste à autora.

Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual a autora foi convidada a pronunciar-se acerca da matéria de exceção invocada e a concretizar a matéria de facto alegada, o que veio fazer, tendo a ré respondido à nova factualidade impugnando-a.

Foi proferido despacho saneador, relegando-se o conhecimento da matéria de exceção para final, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido.

Inconformada, apelou a autora, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem: «1º. O tribunal “a quo” julgou os presentes autos improcedentes, por não provados e em consequência absolveu a Ré do pedido.

  1. Com a presente acção veio a Autora requerer o pagamento dos trabalhos realizados na obra sita em Monte Gordo, tendo o dono da obra a Ré, figurado como locatária a sociedade CC.

  2. Diz-se que a sociedade Ré é dona da obra porquanto resulta do disposto no artigo 1212.° do Código Civil.

  3. A Autora quis aliás na presente acção receber os valores dos materiais, da mão-de-obra, quer da própria Autora, quer os dos seus empreiteiros, que estiveram em obra.

  4. A Ré veio referir em súmula uma vez que era locadora nada tinha que pagar à empreiteira, sendo tal de responsabilidade da locatária.

  5. Salvo o devido respeito e que é muito, o Meritíssimo Juiz "a quo" abordou a questão vertida nos presentes autos com ligeireza e, pior que isso, decidiu mal.

  6. Desde logo o douto tribunal questiona e responde se é a Ré a real devedora da Autora e responde na negativa, buscando a sua resposta no princípio da autonomia privada que tem como corolário o princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405.° do Código Civil.

  7. Pelo que e perante tal disposição legal o contrato deverá ser pontualmente cumprido só podendo ser alterado mediante convenção das partes, o chamado “pacta sunt servanda "do artigo 406,° do Código Civil.

  8. Sendo que em caso de incumprimento é ao devedor que compete provar tal incumprimento, nos termos do disposto no artigo 799.° do Código Civil.

  9. A assunção de divida é a substituição de um devedor por outro, conforme dispõe o artigo 595.° do Código Civil.

  10. A locação financeira é um contrato de cedência de gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel da qual o locatário se poderá tomar proprietário no final do contrato por um preço determinado ou determinável, artigo 1.º do Decreto-Lei 149/95, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n." 30/2008 de 25/02.

  11. Porém e apesar de todos os contratos e normas e decretos-lei apontados pelo tribunal “a quo” verdade seja dita é que depois se olvida das normas citadas e "inaplica-as" ao caso sub judice.

  12. A primeira questão para sabermos se é à Ré que cabe fazer o pagamento é saber quem é o dono da obra.

  13. Ora, o dono da obra é nos termos do disposto no artigo 1212.° do Código Civil a Ré.

  14. É certo que existe um contrato de locação financeira, mas poderia ser um arrendamento ou qualquer outro que fosse, o dono da obra é sempre o dono do imóvel, não quem tem a sua mera detenção ou a posse do mesmo.

  15. Quais são as responsabilidades do locador perante terceiros? 17º. Então deixará o legislador o "trabalhador", quem fornece e aplica os materiais desprotegido, e na possibilidade de ficar enrolado numa teia de contratos, que beneficiam o proprietário!? 18º. Muito pelo contrário, pois este não tem sido o entendimento dominante na nossa jurisprudência, veja-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 31-01-2015, processo n." 05B1886, e o acórdão datado de 02-03-2010, processo n.º 5662/07.5YYPRT-A.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

  16. O que significa que face ao caso concreto temos de considerar se o facto do dono da obra ter assinado conjuntamente contrato com a locatária e a empreiteira geral não determina ou determina que todos os intervenientes têm conhecimento da presença de todos.

  17. Mais o “dono da obra” reúne duas condições é dono da obra e é também o financiador para a edificação do imóvel.

  18. Num primeiro momento interessa-lhe que o imóvel seja edificado, pois seja qual for o resultado do contrato de locação financeira.

  19. É também a mesma a financiadora beneficiando assim dos juros do capital mutuado, no caso beneficiando quer dos juros do capital mutuado, quer das rendas do imóvel.

  20. Não temos uma mera renda de um imóvel que no final se trata de um “arrendamento” com opção de compra, mas sim de um mútuo acrescido de uma renda.

  21. Resta-nos concluir que a Ré ganha sempre, situação essa que o legislador não previu.

  22. Na verdade embora legal o contrato de locação financeira com os direitos que o locador tem, não podem por em causa os direitos do abuso de direito e da boa-fé, apanágio do direito civil, e que se tratam aliás apenas de escape que o sistema contém para evitar este tipo de situações.

  23. O instituto do abuso de direito representa uma conquista do direito Natural e Moral, surgindo como válvula de segurança para as iniquidades a que as normas jurídicas, formuladas abstractamente, podem conduzir na sua aplicação a determinados casos concretos (neste sentido vide VAZ SERRA, in Boletim do Ministério da Justiça n.º 85º, página 326 e seguintes).

  24. Dispõe o artigo 334.º do Código Civil que: “É ilegítimo o exercido de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bom costumes ou pelo fim económico-social desse direito”.

  25. Deveria ter sido ponderado o instituto do abuso de direito, porquanto este é de conhecimento oficioso.

  26. No caso concreto, como vimos há um erro na apreciação do contrato, pois o locador também é o financiador, tendo interesse em provocar atrasos e tem conhecimento que o facto de reter o pagamento faz com que o “construtor” não consiga terminar a obra.

  27. Estamos assim perante uma situação em que é o credor que incorre em mora, sem motivo justificado, quer dizer no caso concreto até tem um motivo justificado pois o locador também é financiador e tem interesse cm reter o pagamento, não praticando os actos necessários ao cumprimento da obrigação, conforme estabelece o artigo 816.º e seguintes do Código Civil.

  28. Tendo o douto tribunal “a quo” julgado mal os artigos 13.º, 14.º e 15.º dos factos provados.

  29. O douto tribunal “a quo” considera que a Autora se obrigava a pagar pela sociedade Cetluso valores à Ré, só poderia existir tal situação em caso de sub-rogação, conforme dispõe o artigo 589.º e seguintes do Código Civil.

  30. O que não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT