Acórdão nº 331/09.4TASSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução06 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. 331/09.4TASSB.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal da Comarca de Santarém (JIC) correu termos o Proc. n.º 331/09.4TASSB, no qual, na sequência da instrução requerida pelo arguido (BB, melhor identificado nos autos), foi decidido (decisão de fol.ªs 1659 a 1677, de 20.03.2014) não pronunciar o arguido “pela prática dos crimes de burla agravada que lhe vem imputado na acusação pública e difamação que lhe vem imputado na acusação particular”.

--- 2. Inconformadas com tal decisão, recorreram a assistente CC e DD, Ld.ª, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1 - A assistente CC e a lesada DD vêm interpor recurso da decisão instrutória de não pronúncia do arguido BB pela prática dos crimes de burla qualificada e de difamação, p. e p. pelos artigos 217 n.º 1 e 218 n.ºs 1 e 2 al.ªs a) e d) do Código Penal, e 180 n.º 1 do Código Penal, respetivamente.

2 - O Mm.º Juiz de Instrução entendeu que “se suscitam fundadas dúvidas sobre se o arguido agiu de má fé desde o início da sua intervenção neste contrato”, entendendo, em consequência, que “não existem motivos para crer que a dúvida que aqui se coloca não subsista e se mantenha numa potencial fase de julgamento”.

3 - A decisão de não pronúncia assentou, essencialmente, no depoimento do arguido, no qual o Mm.º Juiz de Instrução fez fé, pese embora: - por diversas vezes e em alguns aspetos essenciais surpreendesse o arguido com a falta de verdade das suas declarações, após confronto com documentos; - exista nos autos prova documental que contraria as declarações do arguido; - tenha sido produzida prova testemunhal que contraria as suas declarações/justificações para não pagar os 365.000 euros do trespasse dos estabelecimentos prometido, nem o voltasse a entregar à DD, promitente trespassária.

4 - E, assim, salvo o devido respeito por melhor opinião, face à prova produzida até esta fase, não pode concordar-se com a fundamentação e mérito da decisão instrutória.

--- Do erro na apreciação da prova 5 - Os factos indiciados na instrução são os das al.ªs a), b), d), h), i), j), k), o), r), s) e t) da pág. 7 e 8 da decisão instrutória.

6 - O Mm.º Juiz considerou que “não existem indícios suficientes dos elementos integradores da infracção, nomeadamente, da intenção de obter enriquecimento ilegítimo e de existir engano que tenha determinado a assistente a firmar o contrato e entregar os estabelecimentos ao arguido” (cfr. pág. 15 da decisão sob recurso).

7 - Não obstante, afirma que o arguido praticou dois enganos: “o primeiro relativo à identidade do contraente” e o segundo, “o logro… relativo à alegada intenção do arguido cumprir o acordado… pagando o preço” (vide pág. 9 e 10 da decisão), e admite que “este engano foi sem dúvida provocado de forma ardilosa mediante afirmações falsas e mesmo instrumentalizando o dito EE para evitar comunicações via e-mail à assistente, afirmando estar interessado no negócio e fazendo propostas concretas” (vide pág. 9 da decisão).

--- (…) O crime de difamação (p. e p. pelo artigo 180 n.º 1 do Código Penal) 46 - Na acusação partícula que deduz contra o arguido a assistente imputa-lhe a prática dos factos constantes dos pontos 1 a 12, de pág. 16 e 17 da acusação, factos esses susceptíveis de integrar a tipificação do crime de difamação, tal como previsto no artigo 180 do CP.

47 - As expressões e afirmações atentatórias foram escritas pelo arguido contra a assistente e dirigidas a terceiros: professores e funcionários (vide e-mails juntos aos autos como doc.s 46, 48, 49, 50, 52, 53, 54, 56 e 58.

48 - Também pela prática deste crime o tribunal de instrução decidiu pela não pronúncia do arguido, entendendo que “as expressões acima utilizadas apenas poderiam ser vistas como difamatórias se estivesse demonstrado que foram proferidas no âmbito de um plano articulado para afastar a assistente da gestão das suas escolas e assim tonar ilicitamente a pose das mesmas… Se as transpusermos para o âmbito de um mero e legítimo conflito civil… as expressões em causa perdem completamente a sua carga difamatória” (vide pág. 18 da decisão).

49 - Nãos e conforma a assistente, porquanto, a sua difamação constitui “mais uma peça do puzzle” - a manipulação dos funcionários e professores - condição sine qua non da possibilidade da consumação da burla e o que, em última instância, tornou ineficazes todos os meios extrajudiciais e judiciais utilizados para impedir a destruição definitiva dos estabelecimentos escolares da DD.

50 - Objetivo que o arguido logrou: a própria testemunha FF admite que não compareceu na assembleia convocada para tentar esclareceu os funcionários “porque já tinha assinado contrato de trabalho com a GG e porque nessa altura estávamos bem, a receber o vencimento atempadamente e… ninguém quis ir” (…).

51 - Ainda que assim não se entenda, mesmo que retiradas do contexto da burla, as afirmações do arguido acerca da pessoa da assistente ferem o seu bom nome, a sua seriedade e credibilidade, constituindo-se como ofensivas da honra e consideração da assistente.

52 - Com efeito, dos autos e da acusação particular constam factos inequivocamente integradores do dolo, pelo que, numa prognose razoável, existe uma forte probabilidade de q1ue o arguido venha a ser condenado pelo crime de difamação, devendo, por isso, o arguido ser pronunciado pela sua prática.

--- O direito: do crime de burla qualificada 53 - Os factos indiciados nos presentes autos são perfeitamente subsumíveis às previsões normativas dos artigos 217 e 281 do Código Penal.

54 - No caso em apreço dúvidas não restam de que se verificam todos estes elementos integradores do crime de burla qualificada.

Vejamos: A) Intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo: 55 - Ficou exaustivamente demonstrado que o arguido, aproveitando-se da vulnerabilidade da assistente, a induziu à realização de um contrato-promessa que nunca quis cumprir, pretendendo apenas apropriar-se dos estabelecimentos sem pagar o preço usando as sociedades GG e HH.

56 - E dúvidas não restam que estamos no domínio penal e não no domínio cível, porquanto, se assim não fosse, o arguido aceitava a resolução do contrato-promessa, exigindo da DD a restituição do sinal em dobro, ao abrigo do n.º 2 do art.º 442 do Código Civil ou recorria aos tribunais para exigir da DD o cumprimento do contrato, nos termos do art.º 830 do Código Civil.

E mais: a) Não impediria a gerente BB de entrar nas escolas e aceder á documentação; b) Não impediria a gerente BB de contactar com os funcionários e professores; c) Não teria recorrido à calúnia e à difamação da assistente BB nem divulgaria factos falsos para lavar a sua imagem e justificar a não celebração do trespasse; d) Não teria convencido trabalhadores, funcionários e professores a despedirem-se da DD e a celebrarem contratos de trabalho com as suas sociedades, à custa de enganos e ainda dando-lhes melhores condições de trabalho e salários à custa de não ter pago o preço do trespasse; e) Não teria começado a faturar as mensalidades dos alunos inscritos na DD em 2008/2009 em nome das sociedades que criou; f) Não teria depositado as receitas dos estabelecimentos da DD nas suas contas pessoais e das suas sociedades; g) Não teria usado como marca “GG”, conjugando-o com elementos da parte figurativa da marca DD para que se confundissem; h) E, além disso, teria pago as despesas previstas na cláusula 7.ª n.º 2 do doc. 8 da queixa crime até que se celebrasse o trespasse, uma vez que se apoderou e todas as receitas dos sete estabelecimentos objecto do contrato-promessa, impedindo o seu pagamento pela DD, sobre quem pesam essas dívidas.

57 - Poderá dizer-se que é ténue a fronteira existente entre o dolo in contrahendo (ilícito civil) e a burla (ilícito penal). Porém, sobre esta pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça em 4.10.2007, identificando os elementos essenciais para a destrinça entre ambas, esclarecendo que há “fraude penal: - quando há propósito ab initio do agente de não prestar o equivalente económico; - quando se verifica dano social e não puramente individual, com violação do mínimo ético e um perigo social, mediato ou indireto; - quando se verifica uma violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, exige como única sanção adequada a pena; - quando há fraude capaz de iludir o diligente pai de família, evidente perversidade e impostura, má fé, mise-en-scène para iludir; - quando há uma impossibilidade de se reparar o dano; - quando há intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio”.

58 - Sendo que o próprio acórdão associa a conduta astuciosa à celebração de contratos: “É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou o burlão refira factos ou altere ou dissimule factos verdadeiros, e atuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar atos em prejuízo do seu património ou de terceiro.

Esses atos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, podendo limitar-se ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima concreta, ou tratar-se de processos rebuscados ou enganosos, envolvendo contratos verdadeiros ou falsos…”.

59 - E no caso dos autos é evidente que se trata de um ilícito criminal, por verificados...

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