Acórdão nº 1377/13.3TALLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução06 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

I - Comete o crime de abuso de confiança contra a segurança social o arguido que, na qualidade de administrador duma sociedade e tendo procedido às deduções devidas nos salários dos trabalhadores, decide-se pela não afectação dessas prestações à Segurança Social, fazendo-as da sociedade.

II - O suicídio do pai do arguido, por enforcamento nos estaleiros da sociedade arguida de que eram ambos gerentes, em que ambos trabalhavam lado a lado e que se encontrava em situação económica difícil, constitui uma vivência fortemente perturbadora, geradora de um enfraquecimento pessoal. Este estado de afectação emocional, em que o arguido actuou, reduziu a sua capacidade de motivação pela norma, sendo passível de uma valoração (jurídica).

III - Não constituindo justificação para a ausência dos pagamentos em causa, tanto mais que não foi impeditivo da prática de outros actos de gestão da sociedade pelo arguido – ou seja, não o paralisou completamente –, o estado de forte perturbação emocional diminuiu-lhe a capacidade de motivação, o que, não o afastando, atenua o juízo de censurabilidade; não exclui o dolo, não afasta a punição, mas releva na (diminuição da) culpa.

Sumariado pela relatora Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo n.º 1377/13.3TALLE, da Comarca de Faro (Loulé), foi proferida sentença em que se decidiu condenar a arguida “B … - Sociedade de Construções do Algarve, S.A.” pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada, dos arts. 107.º, n.º 1, 105.º, n.ºs 1 e 4 e 7.º do RGIT e art. 30.º, n.º 2 do CP, na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 05,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros).

Foi o arguido NB também condenado como autor de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, dos arts. 107.º, n.º 1, 105.º, n.º 1 do RGIT e art. 30.º, n.º 2 do CP, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à razão diária de € 04,00 (quatro euros), o que perfaz o montante de € 160,00 (cento e sessenta euros).

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido NB, concluindo: “

  1. O Arguido vem recorrer da decisão da Meritíssima Juíza a quo de condenar o Arguido pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continua, p. e p. pelos artigos 107.º n.º 1, 105.º n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias e artigo 30.º n.º 2 do Código Penal (período de Abril a Julho de 2012 – apenso nº 197/14.2T9LLE) na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à razão diária de € 04,00 (quatro euros).

  2. Não pode o Recorrente concordar com tal entendimento, antes defendendo que foi feita prova cabal de que a conduta do Recorrente não estava ferida de dolo, elemento essencial do tipo de crime que lhe era imputado.

  3. Foram incorrectamente julgados os pontos de facto que correspondentes aos factos não provados, o Recorrente vem requerer a reapreciação da prova gravada, que impõe necessariamente decisão diversa da ora proferida pelo tribunal.

  4. A Meritíssima Juíza proferiu a sentença dos autos, dando como provados os factos 1 a 35 da douta sentença, que não se transcreverão por economia processual, remetendo para a douta decisão.

  5. Particularmente importantes os factos provados nº 16, 17, 18, 19, 21 e 22, de onde decorre como provado o dolo essencial ao preenchimento do tipo legal de abuso de confiança contra a Segurança Social.

  6. Foram dados como não provados os factos 36 a 40 da douta sentença, que não se transcreverão por economia processual, remetendo para a douta decisão, dos quais é particularmente importante o facto não provado n.º 40, de onde se infere que o arguido apenas não pagou as cotizações por perturbação e na pendência do PER contra o arguido empresa, conduta que denota negligência e nunca dolo.

  7. A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo decidiu condenar o Arguido NB pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continua, p. e p. pelos artigos 107.º n.º 1, 105.º n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias e artigo 30.º n.º 2 do Código Penal (período de Abril a Julho de 2012 – apenso nº 197/14.2T9LLE) na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à razão diária de € 04,00 (quatro euros), o que perfaz o montante de € 160,00 (cento e sessenta euros) e condenar os Arguidos nas custas e encargos do processo, fixando a cada a taxa de justiça em 2 UC.

  8. O Recorrente não concorda com tal entendimento, antes defendendo que foi feita prova cabal de que a conduta do Recorrente não estava ferida de dolo, elemento essencial do tipo de crime que lhe era imputado, entendendo que foram incorrectamente julgados os pontos de facto que correspondentes aos factos não provados, vem requerer a reapreciação da prova gravada, que impõe necessariamente decisão diversa da ora proferida pelo tribunal a quo.

  9. Entendeu-se que não se provou “Que foi devido à perturbação referida em 28. e à pendência do PER referido em 24. que o arguido não pagou as cotizações cujos valores são referidos em 14”, mas o Recorrente entende que tal facto foi provado pelas declarações do arguido e das testemunhas, passando a indicar as partes relevantes dos respectivos depoimentos.

  10. Foi assim o caso das declarações do Arguido, ora Recorrente, NB: “A - E andámos neste recurso qualquer coisa como… Foi 2014… Foi até há seis meses atrás, que o PER não foi homologado e, nesse período eu não tive instrumentos para fazer o que quer que seja, sem o PER homologado eu não tinha condições, numa empresa sem actividade… Entretanto, agora que houve esta decisão, voltámos e entrámos com um PER. E relativamente à questão da Segurança Social, eu gostava de dizer só o seguinte. Eu não tinha… Efectivamente condições, mas em… Julho de 2013, estávamos ainda com a questão do recurso pendente. Eu arranjei alguns recursos financeiros, e eu fiz um pagamento à segurança social de tudo o que estava em dívida no período do pós-PER e queria pagar o que estava antes do PER. Estávamos à espera da operação do PER e não queria fazer pagamentos que estavam incluídos no PER. Fiz um pagamento na altura de quase onze mil euros referentes às cotizações do pessoal e da empresa, paguei o que estava em dívida, não me interessa se era pessoal ou empresa, era o que devia à segurança social. Não paguei estas coisas de que estamos aqui a falar porque não tive essa possibilidade em função do PER. Mas que fiz esse pagamento e acredito que tive sempre boa-fé com isto.

    Mas foi uma situação muito complicada, a empresa estava… É já uma questão familiar e emocional muito complicada.

    J – Neste momento então pensa que poderá avançar com o plano de recuperação da empresa? A - Estamos ainda em negociações. Que a empresa é viável, sim. (inaudível)” k) Também das declarações da testemunha LG: “MEM – O Sr. B faleceu no dia 12 de Abril, importa-se de confirmar ao tribunal como foi… O que aconteceu para ele ter falecido? T – A empresa estava em sérias dificuldades financeiras, havia dívidas aos fornecedores, aos colaboradores… MEM- (inaudível) Como é que faleceu o Sr. JB? T – Como é que faleceu? O Sr. JB suicidou-se.

    MEM – Mas como? T – No estaleiro da empresa, enforcou-se. Enforcou-se no estaleiro da empresa.

    ? – Quando? T – Num dia de semana.

    MEM- Num dia de semana.

    T- sim.

    MEM – Na sequência desse acontecimento, em que estado ficou a empresa, e o filho, que é aqui arguido no processo, NB? T – Penso que não terá ficado muito bem, uma vez que nós colaboradores também não estávamos, ficou tudo de cabeça perdida e sem saber o que fazer. Exactamente.

    MEM – Sabe se a empresa nessa altura estava a funcionar (inaudível) T – Se estava a funcionar? Estava a funcionar, tínhamos lá os colaboradores todos… MEM – Isso foi antes do falecimento… Na sequência disso? T – Não sei.

    MEM – Não sabe? T – Não sei.

    MEM – Mas sabe o que aconteceu com o Sr. Doutor NB que ficou, de facto muitíssimo abalado… T – Abalado, sim. Ele e toda a família, sim.

    MEM – Ele e toda a família.” l) No mesmo sentido, as declarações da testemunha CP: “Mem – No dia 12 de Abril de 2012, o Sr. B faleceu. Quer contar muito resumidamente ao tribunal o como é que ele faleceu? T – O Sr. B suicidou-se. Com uma corda.

    MEM – Enforcou-se, foi isso? T – Sim.

    MEM – E sabe onde se enforcou? T – No estaleiro da empresa.

    MEM – E que consequências esse funesto acto teve para a sociedade, essencialmente para o Dr. NB? T – Como é lógico, um pai que se mata não deixa ninguém bem. A situação da empresa já era má, porque era uma empresa que viveu tantos anos, teve tantos anos de actividade, sempre cumprindo com as suas obrigações, de repente, a empresa começou com grandes problemas financeiros por alguns negócios que não deram certo e efectivamente tanto o Sr. B, como o Sr. NB, não estavam bem, não se pode dizer que viviam bem.

    MEM – E na sequência dessa ocorrência, a senhora acompanhou… Continuou a acompanhar a vida da empresa, como é que pode descrever ao tribunal o estado de espírito do Dr. NB? Era um estado de espírito alerta, clamo, com capacidade para lidar com tudo ou era muito… T – Com muita perturbação. Eu tenho uma situação que se passou, não sei se posso… MEM – Faça favor.

    T – Umas duas ou três semanas antes, foi nós pusemos os papéis e foi pouco tempo depois, em que tive uma conversa com a esposa, mãe do Sr. NB, a esposa do Sr. JB. Porque notávamos que o Sr. B não estava… Ia acontecer qualquer coisa. E relatei-lhe para ela ter cuidado que sentia que alguma coisa de mal ia acontecer. E ela disse-me, estou mais preocupada com o meu filho, porque ele também não está nada bem.” m) E por fim a testemunha HM: “MEM – Oh Sr. HM, queria por favor que contasse ao tribunal, ainda que de uma forma sumária, se teve conhecimento de que, em determinada altura, o Sr. JB faleceu? T – Tive conhecimento.

    MEM – Sabe em que data foi? T – Abril de 2012.

    MEM – Pode confirmar ao tribunal como é que o senhor B faleceu? T – Suicidou-se.

    MEM – O senhor pode contar ao tribunal que efeito é que esse...

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