Acórdão nº 35/15.9PESTB-F.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelSÉRGIO CORVACHO
Data da Resolução06 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No inquérito nº 35/15.9PESTB, que corre termos no MP junto da Comarca de Setúbal, distribuído, para o exercício das competências jurisdicionais daquela fase processual, ao Juízo de Instrução Criminal, o Exº Juiz do referido Juízo proferiu, em 2/12/16, um despacho com o seguinte teor: «Dando-se por integralmente reproduzidos os fundamentos explanados de folhas 2152 e seguintes – que se acolhem -, declara-se a especial complexidade dos presentes autos (conferir artigo 215º nº 2, 3 e 4 do Código de Processo Penal)».

O requerimento do MP, para que remete ao despacho agora transcrito, é do seguinte teor: «As escutas e vigilâncias em curso relativamente aos suspeitos que ainda não foram detidos, revelam que F. "Cigarrinho" recorre ao auxílio de uma outra pessoa, que apenas se sabe chamar-se M e utiliza os telefones com os números 925---- e 969----.

Por outro lado o suspeito AM voltou a adquirir estupefaciente ao suspeito F. "Cigarrinho" utilizando agora o telefone com o número 962---.

A presente investigação iniciou-se em 2015 com a notícia de que P, AJ e JS vendiam estupefaciente na cidade de Setúbal. A partir destes três suspeitos foram identificadas várias outras pessoas que vendem estupefacientes, mas que o fazem em grandes quantidades e que se distribuem por vários graus de uma cadeia que neste momento se consegue estruturar.

Assim, surgiram F e SC que foram identificados como as pessoas que introduzem estupefaciente em Portugal e que adquirem em Espanha. Uma vez adquirido o estupefaciente entregam-no a várias outras pessoas, designadamente, P, AF, JP, CR e LF. Estas pessoas constituem um segundo nível nesta cadeia que distribuem o estupefaciente por consumidores mas que ainda o entregam a outras pessoas que por sua vez o fazem chegar aos consumidores.

Temos assim o terceiro nível da mesma cadeia no qual foram identificados AC, BM, AG, BR, FS e uma última pessoa que ainda não foi identificada.

As relações entre todos os suspeitos identificados não são estáveis nem fixas, sendo que algumas delas “desaparecem" durante alguns períodos para voltarem a "aparecer" nesta cadeia, com novos contactos. Além disso, alguns dos suspeitos, para além de adquirirem e distribuírem estupefaciente, procedem a outros actos como sejam o transporte do referido produto ou a execução da tarefa de "batedor" para quem o faz, tomando difícil o apuramento e caracterização dos factos que praticam e que integram a prática do crime (está nesta situação BM que não só transporta o estupefaciente transaccionado por F como também adquire estupefaciente que ele próprio transacciona).

Todos os suspeitos alteram os números de contacto regularmente o que dificulta a investigação, tal como o demonstram os sucessivos pedidos de autorização de escutas telefónicas para novos números.

Para além de tudo isto, a actividade dos suspeitos não se circunscreve a uma área territorial limitada, sendo que uma investigação que se iniciou na cidade de Setúbal, já conduziu a duas detenções no Algarve e permite localizar o armazenamento e distribuição de estupefaciente não só nessa zona como em Setúbal, Sines e em Évora.

De facto tudo indica que BR adquire estupefaciente a F que posteriormente entrega a pelo menos duas pessoas em Setúbal, tendo já sido identificado FS.

Por último, apurou-se que a actividade de BR é controlada por FS que se encontra detido no Estabelecimento Prisional de Lisboa.

Foram até agora detidos SF e JF, na posse de mais de 55kg de haxixe e CR na posse de mais de 150g de cocaína.

Não foi ainda possível proceder à detenção de vários suspeitos que transaccionam estupefaciente em grandes quantidades, estando em causa fardos de haxixe (sendo que cada um tem 30kg) e cocaína transportada em quantidades que chegam a ser de l kg, em virtude não só da organização por eles adoptada (que implica a existência de batedores, o armazenamento em vários locais que em regra não são as suas residências e que se situam em locais ermos onde é impossível realizar vigilâncias sem que sejam detectadas, a troca frequente de números de contacto e a dispersão geográfica da prática dos factos) como também da utilização por parte dos mesmos de veículos de alta cilindrada que impossibilita qualquer tipo de perseguição policial com sucesso (sendo que uma única perseguição mal sucedida compromete toda a investigação).

Admitindo-se embora que alguns dos suspeitos que compõem o terceiro grau da cadeia em cima descrita não assumam a mesma importância que os demais, o facto é que LF, F, AF, BM, BR e FS transaccionam avultadas quantidades de estupefaciente e movimentam elevadas somas de dinheiro em virtude dessas transacções. No que respeita a FS realça-se que o mesmo encontra-se em detenção e que comanda a actividade de BR, assumindo particular relevo na investigação.

Já se conseguiu compreender a estrutura das relações entre todos (ainda que seja uma realidade volátil) e são aqui conhecidos os contactos utilizados por cada um dos suspeitos, ainda que com a dificuldade óbvia da sua alteração frequente.

A interrupção da investigação neste momento, relativamente aos mencionados suspeitos, impossibilita que os mesmos venham a ser responsabilizados e que se faça cessar a sua conduta nos tempos mais próximos: a dedução de acusação no processo só é possível quanto aos suspeitos já interrogados e a poucos mais, sendo que a partir desse momento o processo torna-se público e não é possível a realização de qualquer investigação quanto aos suspeitos que não forem abrangidos pela mesma. A consequência óbvia será a reorganização da actividade pelos suspeitos em moldes que não permitirá uma nova investigação.

Assim, verifica-se a existência de um elevado número de suspeitos, a dispersão da actividade criminosa por diferentes áreas geográficas, a transacção de elevadas quantidades de estupefaciente e a movimentação de avultadas somas de dinheiro bem como a troca frequente de números de telefone, factores que transformam a investigação numa realidade complexa.

Assim, e de forma a permitir o sucesso da investigação relativamente a todos os arguidos, remeta os autos ao Mmº Juiz de Instrução Criminal a quem requeiro que declare a especial complexidade nos termos do disposto no Art. 215º nºs, 2, 3 e 4 do Código de Processo Penal».

Do enunciado despacho vieram os arguidos CR, SF e JF vieram interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões: 1. Por via da decisão de 30.11.2016 e agora recorrida, foram os autos declarados de excecional complexidade – nº 3 do art.º 215º do CPP.

  1. Contudo, não se cumpriu integralmente o disposto no nº 4 do mesmo artigo, isto é, que os arguidos tenham sido ouvidos.

  2. Não estavam assim preenchidas todas as condições cumulativas previstas no n.º 4 do artigo 215º do CPP para que os autos fossem declarados como de excecional complexidade; 4. Estão em causa os direitos fundamentais previstos nos artigos 27, 28º e 32º e os princípios previstos no artigo 18º, todos da CRP; 5. Do teor do despacho recorrido, não se vislumbra a existência de qualquer fundamentação bastante – que aliás remete integralmente e sem ponderação própria para o requerimento do MP; 6. De forma nenhuma se pode considerar a complexidade descrita pelo MP como excecional; 7. Outro entendimento, permitiria que se transformasse aquilo que é exceção, numa regra, com o consequente prolongamento injustificável dos prazos.

  3. A excecional complexidade pode verificar-se em processos “monstruosos” mas não certamente no caso concreto, com flagrantes delitos e uma investigação já desde 2015; Violou-se: - Os artigos 18º, 27º, 28º e 32º da CRP; - Os artigos 97º e 215º nº3 e nº4, ambos do CPP; Nestes termos e demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso com todas as consequências legais.

    O recurso interposto foi admitido com subida imediata e em separado.

    O MP respondeu à motivação dos recorrentes, tendo, por seu turno, formulado as seguintes conclusões: A) O presente recurso refere-se ao despacho de fls. 2158 que declarou a especial complexidade do inquérito, nos termos do disposto no Artº 215º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, sem que tenham sido previamente ouvidos os arguidos; B) A preterição dessa audição constitui uma irregularidade que, nos termos do Artº 123 do Código de Processo penal, deveria ter sido invocada pelos arguidos nos três dias seguintes à notificação do despacho, o que ocorreu por carta registada remetida em 5 de Dezembro de 2016; C) Na verdade, a situação em causa não está prevista nos Artºs 119º ou 120º do mencionado Código, pelo que, em obediência ao disposto no Artº 118º constitui uma irregularidade; D) Os recorrentes nunca antes invocaram tal irregularidade no inquérito, tendo-o feito apenas neste recurso, em 11 de Janeiro de 2017 e depois de indeferido o Habeas Corpus interposto pelas recorrentes junto do Supremo Tribunal de Justiça, por alegado excesso do prazo máximo admissível para a prisão preventiva; E) Não existe identidade entre a situação em causa neste recurso e a que deu origem ao Acórdão 555/2008 do Tribunal Constitucional porque nunca se disse nestes autos que a audição do arguido, prevista no Artº 215º, nº 4 do Código de Processo Penal é facultativa, podendo ser dispensada pelo Juiz de Instrução Criminal; F) À data da declaração de especial complexidade, existiam quatro arguidos constituídos, prevendo-se a constituição de muitos outros, oito dos quais já o foram, a actuação dos arguidos e suspeitos dividia-se...

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