Acórdão nº 77/14.1GESTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Junho de 2017

Data06 Junho 2017

I Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do J2 da Secção de Competência Genérica da Instância Local de Santiago do Cacém, da Comarca de Setúbal, o arguido JP foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de importunação sexual de menor, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 3 al.ª a), do Código Penal, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e sujeita: - A regime de prova, a delinear pela DGRSP; - À condição de o arguido, durante o período de suspensão, depositar à ordem do processo o valor de 500,00€, valor que deverá ser entregue, posteriormente, à menor F.

2) A decisão recorrida baseou a sua convicção quase em exclusivo no depoimento para memória futura prestado pela menor F., entendendo ter o mesmo sido corroborado (na parte presenciada) pelo depoimento das testemunhas AB, BS, LP, e I., na experiência comum e nos meios de prova constantes do Autos. Porém, tais meios probatórios enfermam de contradições, que colocam em crise a sua credibilidade, e como tal a matéria de facto provada.

3) Quanto a quem no dia em causa andou de mota com arguido e estava presente nesse momento, as versões são discrepante: A ofendida refere nas suas declarações para memória futura (10:15:12 a 10:37:32 do dia 22/6/2015, conforme a respetiva ata), ao minuto 7:45 a 08:44 que andou com LP, a IF e mais uns amigos e que a BS também lá estava mas não andou; Por seu turno, testemunha BS (depoimento prestado entre as 10h11m49s e as 10h21m36s, conforme a ata de audiência de julgamento) refere, ao minuto 02:15 do seu depoimento que só lá estava ela, uns rapazes, a F, a LP e a I, enquanto a testemunha LP (depoimento prestado entre as 10h22m21s e as 10h31m59s), entre o minuto 02:22 e 02:34 do seu depoimento disse que só lá estava ela, a F, a BS e a LP e mais ninguém Já a testemunha LF (Depoimento prestado entre as 10h31m38s e as 10h47m37s, segundo a ata da audiência de julgamento, referiu que além da BS, da LP, da I e da F, também estavam no local e andaram também outros rapazes (05: 10 a 06:19). Diga-se, a este respeito.

4) Também há versões diferentes quanto ao número de vezes que a F. andou na mota com o arguido. Esta referiu no seu depoimento que andou uma vez e que foi ela própria que pediu para andar uma segunda vez, onde efetuou um percurso mais longo. Ora, a testemunha BS referiu, entre minutos 03:04 e 03:20 que aquela tinha andado 2 vezes e que ela é que pediu para andar de novo. No entanto, a I, referiu, a instâncias (07:56 a 08:19), que a F só andou uma vez e que esteve lá sempre e a LP, afirmou também as duas voltas de moto por parte da F.

5) E existem discrepâncias entre o depoimento da menor ofendida e o das outras testemunhas, suas amigas, B, LP e I, quanto ao momento em que a F regressou da segunda volta de mota com o arguido: A BS (02:20 a 04:46) disse que a ofendida contou que o arguido tinha tentado abraçá-la e beijá-la, ao passo que a testemunha LP (ao minuto 04:40 do seu depoimento), referiu que a F não lhes contou o que tinha acontecido, que só chorava e que aliás, ainda hoje não sabe o que aconteceu. Versão diferente tem a I (08:04 a 09:28) referiu que o arguido a tinha agarrado e tentado beijar. Deste modo, (Vide as passagens referidas no ponto anterior), sendo que todas as testemunhas atrás referidas mencionaram ter estado sempre em frente no mesmo local e juntas, a testemunha BS disse que a F tinha contado o que lhe tinha acontecido e que chorou, a testemunha LP disse que a F chorava, mas que não lhes contou o que tinha acontecido, e que ainda hoje não sabe e a I mencionou que a F lhe havia contado o que lhe aconteceu, mas que não chorava, que só chorou quando ia a chegar perto da mãe.

6) Além das variações das testemunhas em aspetos que não podiam ignorar, mesmo atentando na idade das mesmas, o tribunal não valorizou devidamente as várias contradições e versões da ofendida F., de cada vez que depôs sobre os factos. Assim, entre o minuto 12:07 e o minuto 14:57, a menor refere, entre outros aspetos a que infra nos referiremos, quanto ao âmago dos factos, que o arguido parou, desse para se virar para ele (sublinhamos: sem contudo sair da mota) e que o arguido a tentou agarrar e beijar. Já em sede de perícia psicológica, a F. referiu à psicóloga que ficou com medo quando o arguido a “começou a agarrar e dizer para lhe eu dar um beijo, e dizia “vá lá”(….) e mais adiante na mesma perícia que havia começado a gritar e que não queria beijá-lo.

7) Além do mais, a ofendida refere que o arguido, após a levar de regresso ao Arealão, foi ao café, onde fez conversa de que a menor já travava bem, o que não mais foi mencionada pela menor ofendida nem tão pouco pelas testemunhas. Nenhuma das crianças que depuseram mencionaram que, após regressar, o arguido ainda tinha estado no café e que a menor ali estivesse ainda. Aliás, a menor refere que os amigos é que a chamaram para o recinto, enquanto as testemunhas referem que ela chamou a LF, a LP e a BS para o referido sítio.

8) Além do mais, há incongruências no discurso da menor F, que lhe retiram igualmente credibilidade e que não foram tidas em conta pelo juiz quo. É o caso da alusão ao álcool. No relatório pericial a menor F refere, a fls 123 dos Autos, que “acho que lhe cheirava a álcool, acho que tinha bebido...”, ao passo que na participação menciona que que o arguido, antes de ir andar com os miúdos estava com um copo na mão. Já em declarações para memória futura diz que acha que o arguido bebeu porque ele habitualmente bebe e porque a amiga (a I) lhe disse que ele tinha bebido (06:17 a 07:45) É muito diferente suspeitar que o arguido bebeu porque tinha um copo na mão, porque lhe cheirou a álcool ou porque uma amiga lhe disse! 9) Além do mais, há aspetos do depoimento da menor que são despropositados e impróprios da sua idade e que denotam um discurso retorcido e incoerente e que não foram corretamente valorados na decisão ora posta em crise. Desde logo, a menor refere, a propósito do álcool, que acha que o arguido bebeu porque a amiga lhe disse e ainda porque há anos o mesmo havia tido um acidento, (Vide excerto 06:017 a 07:45), alegadamente alcoolizado.

10) Não foi igualmente valorizada a parte do depoimento da menor (10:55 a 11:43), onde refere que quando pediu para dar a segunda volta começou a dizer ao arguido que tinha 12 anos e que sabia que o mesmo namorava em Alvalade com meninas de 12 anos. Adiante e a instâncias, lá referiu que quem lhe tinha dito tal coisa tinha sido a “padeira de Alvalade.” Ora, a “padeira de Alvalade”, a testemunha CG (às 09h46m34s e as 09h53m19s, segundo a ata de audiência de julgamento, 05:03 e 05:37) depôs no sentido de que nunca havia tido semelhante conversa com a menor: Quer isto dizer que ficou provado que a menor mentiu!! 11) Além do mais, não é verosímil que uma menor de 12 anos seguindo à frente numa mota pequena, que se o arguido quisesse agarrá-la que não o fizesse logo, antes de lhe dizer “vá”. Nestas condições, segundo o depoimento da menor, o arguido tê-la-ia seguramente agarrado antes que esta tivesse saído da mota, ou teria ido atrás dela. E mais ainda não é coerente e inverosímil e estranho que a menor, após os factos que relata, não tenha preferido ido a pé de regresso ao café, antes tenha pedido ao arguido para a levar de volta!! 12) Em face de toda a prova produzida, temos, pois, vários depoimentos indiretos que apenas referem que a menor vinha nervosa, várias contradições e várias versões e inverosimilhanças no depoimento da ofendida e a prova clara e inequívoca de que sobre a padeira e de uma conversa com ela, a menor mentiu. O tribunal a quo alicerçou -se exclusivamente na versão da menor, que reputou de verdadeira, sustentada pelo nervosismo da menor e pelo seu choro, testemunhado pelas amigas. Ora, o facto dela chorar e estar nervosa não implica necessariamente que os factos tenham ocorrido como diz, pois uma menina de 12 que minta sobre um assunto destes, seguramente que apresenta nervosismo, por manter a sua versão! 13) Além do mais, em nenhum ponto da prova produzida se consegue retirar qual facto donde se possa aferir do elemento volitivo do arguido, necessário para determinar a existência de dolo. Não se fica a saber se o arguido teve ou não intuito de constranger a menor a um contacto de cariz sexual, e assim satisfazer os seus instintos libidinosos (ponto 9 dos factos provados) ou se agiu livre , voluntária e conscientemente, com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos e com vontade de dominar a liberdade de determinação sexual da menor (ponto 10 da matéria de facto provada). Tão pouco se sabe se o arguido, na versão da ofendida, a tivesse agarrado, se a efetivamente a teria beijado ou mesmo praticado ou tentado praticar algum ato com conotação sexual. Assim, de acordo com os factos descritos, não se fica a saber como o arguido queria agarrar, para fazer o quê e se, por mera hipótese académica, o tivesse feito, lhe fosse para dar um beijo, onde seria, como seria e se teria efetivo cariz sexual! - recorde-se que ofendida nas suas declarações para memória futura apenas disse que o arguido proferiu “vá”. Nunca falou na palavra “Beijo” ou tão pouco que este...

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