Acórdão nº 1353/12.3TBLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução08 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO AA, S.A. e BB, S.A., instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC, Lda., DD e marido, EE, FF e mulher, GG, HH, II e marido, JJ, LL e mulher, MM, NN e mulher, OO e PP e mulher, QQ, todos com os sinais dos autos, pedindo que: a) se declare que as parcelas reivindicadas, identificadas nas plantas anexas aos documentos D040, D093, D094 e D132, são espaços verdes privados de utilização coletiva e, como tal, partes comuns do loteamento, não tendo os réus direito à posse privada das mesmas áreas; b) se declarem nulos por terem sido lavrados com base em títulos falsos, os registos de averbamento e construção a seguir indicados, todos da freguesia de Quarteira: - Av. 02, AP 01/14082006 do prédio descrito sob o nº …; - Av. 02, AP 02/14082006 do prédio descrito sob o nº …; - Av. 03, AP 04/17092004 do prédio descrito sob o nº …; - Av. 02, AP 03/17092004 do prédio descrito sob o nº …; - Av. 02, AP 02/17092004 do prédio descrito sob o nº …; - Av. 03, AP 01/17092004 do prédio descrito sob o nº …; - Av. 02, AP 03/14082006 do prédio descrito sob o nº …; - Av. 02, AP 04/14082006 do prédio descrito sob o nº ….

  1. os réus sejam condenados a entregar as referidas parcelas, livres e devolutas, de forma a poderem ser usadas em proveito comum de todos os proprietários.

    Alegaram, em síntese, que a autora AA é uma associação civil que tem por objeto defender os interesses comuns dos seus associados, enquanto proprietários de moradias situadas no “Aldeamento …”, cabendo-lhe, além do mais, administrar espaços de fruição comum, tendo presentemente 92 associados de um total de cerca de 119 proprietários de lotes do loteamento “V…”, sendo ela própria proprietária de vários lotes, todos destinados a jardim, situados naquele loteamento.

    Alegaram, por outro lado, que a autora “BB, S.A.” é a empresa promotora e titular do alvará de loteamento dos lotes que compõem o loteamento “V…”, tendo negociado com a autora AA, em 5 de Agosto de 2009, a cedência para esta autora da sua posição contratual nos diversos contratos celebrados com os adquirentes dos lotes, e acordado com a mesma a subcontratação dos serviços de manutenção a que se obrigara perante aqueles adquirentes dos lotes, sucedendo que quando foi proprietária e promotora do loteamento e vendeu os vários lotes de que os réus são atuais proprietários, mediante a celebração de contratos de comodato, permitiu a utilização de parte da área remanescente do loteamento para ajardinamento, obrigando-se os adquirentes a transmitirem a sua posição contratual aos futuros adquirentes dos lotes e, bem assim, a manterem o destino das áreas objeto de comodato.

    Alegaram, por último, que o alvará de loteamento prevê aquelas áreas como “espaço verde privado de utilização coletiva” e, por via disso, deverão os réus cessar a utilização em proveito exclusivo das referidas parcelas, por não fazerem parte dos lotes e não lhes pertencerem em exclusivo.

    Os réus contestaram, alegando que sendo os proprietários dos prédios indicados na petição inicial, por os terem adquirido por compra e registado tais aquisições na Conservatória do Registo Predial onde os mencionados prédios se encontram descritos, desconheciam que as áreas integradas nos lotes e situadas a sul das piscinas não pertenciam aos lotes, porquanto adquiriram os lotes na situação em que atualmente se encontram e apenas no âmbito dos presentes autos tomaram conhecimento dos contratos de comodato Mais alegaram que desde a aquisição dos prédios, sempre trataram e mantiveram as referidas parcelas, sem qualquer intervenção das autoras, de quem nunca foram associados ou clientes pelos serviços prestados pela autora “BB”, e que as piscinas foram construídas segundo os projetos de arquitetura da responsabilidade daquela autora, não se encontram implantados sobre as parcelas reivindicadas, mas sim dentro do perímetro dos prédios.

    Por fim deduziram reconvenção, pedindo que lhes seja reconhecido o direito de propriedade sobre as parcelas em discussão nos autos, por o terem adquirido por acessão industrial imobiliária, alegando que em face do seu desconhecimento de que utilizavam áreas não pertencentes aos lotes, procederam ali de boa-fé à construção de canteiros, plantaram flores e construíram jardins e os Réus NN e mulher, OO, construíram ainda um deck de madeira, plantações e obra que têm valor superior às respetivas parcelas onde se encontram implantadas.

    Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.

    Posteriormente as autoras e os Réus PP e mulher, QQ, FF e mulher, GG, NN e BB - Lda., celebraram contratos de transação, os quais foram homologados por decisão de fls. 604 e 605.

    Por requerimento de 27.01.2016, vieram os réus MM, GG, DD, JJ, EE, II e LL arguir a ilegitimidade das autoras e a preterição e a preterição de litisconsórcio necessário, por considerarem que, reivindicando-se nos presentes autos áreas comuns do loteamento, todos os proprietários do loteamento deveriam ser chamados aos autos[1].

    Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Em face do exposto julgo a ação parcialmente procedente, e, por via disso:

  2. Declaro que as parcelas referidas em 11.º e 12.º constituem espaços verdes privados de utilização coletiva e, por via disso, constituem partes comuns do loteamento “V…”; b) Absolvo os Réus do demais peticionado; c) Absolvo as Autoras do pedido reconvencional contra si deduzido.

    Autoras e Réus responderão pelas custas do processo na proporção de metade para cada parte (artigo 527.º, n.ºs 1e 2 do Código de Processo Civil).

    » Inconformadas, as autoras apelaram do assim decidido, tendo rematado a respetiva alegação com as seguintes conclusões (transcrição): «53. Em suma, as Apelantes pretendem que V. Exas. reformem a douta decisão recorrida, por estas razões: a. As parcelas reivindicadas são partes comuns do loteamento e as Apelantes, na sua qualidade de comproprietárias, podem pedir a condenação dos Apelados na sua entrega.

  3. O facto em que a douta decisão se baseia, o qual não foi alegado nem provados nos autos, é falso: a BB não era, em maio de 2001, 15 anos depois de ter obtido o alvará de loteamento, a única proprietária de lotes no V….

  4. A douta sentença contém uma decisão surpresa, sobre a qual nenhuma das partes teve oportunidade de se pronunciar, proferida em violação do princípio do contraditório. [Art. 3º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil] d. Os loteamentos urbanos não têm um “título constitutivo” nos termos dos Arts. 1417º a 1419º do Cód. Civil, os quais não fazem parte da remissão do Art. 43º, n.º 4, do RJUE.

  5. Assim sendo, o alvará de loteamento não é um título constitutivo, com o alcance do Art. 1418º do Cód. Civil, mas, em todo o caso, é evidente que o mesmo apenas pode ser alterado nos termos do Art. 27º do RJUE, com a emissão de um aditamento ao alvará pela Câmara Municipal, e nunca por mero acordo particular entre os proprietários dos lotes.

  6. Ainda que fosse possível alterar o alvará por simples acordo particular, os contratos de comodato dos autos nunca consubstanciariam um tal acordo, não só por serem anteriores ao alvará (cuja versão aplicável data de 2008), mas também porque está claramente fora dos seus âmbitos substantivo e subjetivo.

  7. Uma vez que as parcelas reivindicadas são partes comuns do loteamento, e os Apelados não têm direito ao seu uso exclusivo, devem, portanto, ser condenados na sua entrega, livres e devolutas, para que sejam usadas por todos os proprietários no loteamento. [Art. 1420º, n.º 1, do Cód. Civil] h. As normas jurídicas violadas na douta sentença recorrida foram, entre outras, os Arts. 27º e 43º, n.º 4, do RJUE; o art. 406º, n.º 2, do Cód. Civil; e o alvará de loteamento n.º …/… da Câmara Municipal de Loulé, em especial o seu aditamento de 29/9/08.

    1. Pelo exposto, requerem a V. Exas. a reforma da douta decisão, deferindo o pedido apresentado de condenação dos Apelados a entregar as parcelas reivindicadas, livres e devolutas, de forma a poderem ser usadas em proveito comum de todos os proprietários.

    2. Requerem a admissão dos dois documentos juntos, para prova da conclusão b) supra uma vez que a sua juntada se tornou necessária apenas por causa do julgamento, ao fundamentar a decisão num facto não discutido até agora nos autos, e que não é verdadeiro. [Art. 651º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil]».

    Os réus contra-alegaram, defendendo a manutenção do julgado.

    Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das recorrentes, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), a questão essencial a decidir consubstancia-se em saber se os réus deviam ser condenados a entregar as parcelas reivindicadas livres e devolutas, de forma a poderem ser usadas em proveito comum por todos os proprietários dos lotes integrados no aldeamento em questão.

    III - FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1.º Os Réus DD e marido, EE inscreveram a seu favor a aquisição da propriedade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número …/19900713, denominado “Lote 114” pela apresentação 16, de 19 de Fevereiro de 2007.

    1. A Ré HH inscreveu a seu favor a aquisição da propriedade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número …/19990713, denominado “Lote 116”, pela apresentação 26, de 9 de...

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