Acórdão nº 1448/14.9PAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Junho de 2017

Data27 Junho 2017

Proc. 1448/14.9PAPTM.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal da Comarca de Faro (Portimão, Instância Local, Secção Criminal, J1) correu termos o Proc. Comum Singular n.º 1448/14.9PAPTM, no qual foram julgados os arguidos BB e CC, nos autos melhor identificados, pela prática dos seguintes crimes: - BB, um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153 n.º 1 e 155 n.º 1 al.ª a) do Código Penal; - CC, um crime de injúria com calúnia, previsto e punido pelos artigos 181 n.º 1 e 183 n.º 1 al.ª b) do Código Penal.

O assistente DD deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, nos termos que constam de fol.ªs 77 a 81 e 134 a 143.

A final veio a decidir-se: 1) Condenar o arguido BB, pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153 n.º 1 e 155 n.º 1 al.ª a) do Código Penal, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante total de € 1.100,00 (mil e cem euros), a que correspondem 146 dias de prisão subsidiária; 2) Condenar a arguida CC, pela prática de um crime de injúria com calúnia, previsto e punido pelos artigos 181 n.º 1 e 183 n.º 1 al.ª b) do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o total de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), a que correspondem 86 dias de prisão subsidiária; 3) Julgar parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos e, em consequência, condenar os demandados: - BB, a pagar ao demandante a quantia de 950,00 euros, a titulo de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data do trânsito da sentença condenatória até integral pagamento; - CC, a pagar ao demandante a quantia de 800,00 euros, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data do trânsito da sentença condenatória até integral pagamento.

--- 2. Recorreram os arguidos BB e CC, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 2.1. O arguido BB: 1 - O ora recorrente vem interpor recurso da douta sentença que o condenou, pela prática, como autor material, de um crime de ameaça agravada, na forma consumada, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 153 e al.ª a) do n.º 1 do art.º 155, ambos do CP, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco), e no pagamento da quantia de € 950 (novecentos e cinquenta euros) ao assistente, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal.

2 - Salvo melhor opinião, o tribunal a quo deu como provados factos que não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente: (…) 27 - Dispõe o artigo 153 n.º 1 do Código Penal: “ Quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.

28 - Por seu turno, o artigo 155 n.º 1 al.ª a) prevê a punibilidade da conduta com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias, quando os factos previstos no artigo 153 forem realizados “por meio de ameaça com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a três anos(…)”.

29 - O tipo de objectivo do ilícito em causa comporta três características essenciais: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente.

30 - “Exige-se apenas que a ameaça seja susceptível de afetar, de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado” (Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Cód. Penal, Tomo I, pág. 348). Ou seja, o crime consuma-se quando a ameaça seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação, não sendo necessário que se produza o resultado, nem que o agente tenha essa intencionalidade. O que importa é que a conduta do agente reúna certas características, de tal modo que, de acordo com as regras da experiência comum, possa ser tomada a sério pelo destinatário, independentemente deste ficar com medo ou inquietação ou prejudicado na sua liberdade de determinação.

31 - O “ponto de partida para o juízo sobre a dependência ou não do mal” implica, como explica o Professor Taipa de Carvalho, optar por um critério objetivo-individual, no sentido de se ponderar, por um lado, o critério objetivo do “homem médio”, por outro, atender às características individuais da pessoa ameaçada.

32 - Conforme se referiu, o tipo de objetivo do ilícito em causa comporta várias características essenciais, entre elas, que o mal anunciado seja futuro.

33 - Seguindo a lição de Américo Taipa de Carvalho, o mal ameaçado tem de ser futuro; o que significa que o mal, objeto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal. Assim, por exemplo, haverá ameaça quando alguém afirma: “hei-de matar-te”; já se tratará de violência, quando alguém afirma: “vou-te matar (já)” – cfr. autor e ob. cit., p. 343.

34 - Reportando agora aos factos objeto de recurso, da análise que se fez dos elementos objetivos e subjetivo do tipo legal em apreço forçoso é concluir que os mesmos não preenchem os requisitos do crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153 n.º 1 do Código Penal.

35 - Desses factos não resulta qualquer ameaça de um mal futuro, mas antes um mal iminente.

36 - Na verdade, as expressões “eu mato-te”, “eu acabo contigo”, “rebento-te todo, dou cabo de ti”, não encerram em si mesmas qualquer ameaça para o futuro, mas antes males iminentes, anunciados pelo arguido no presente.

37 - As expressões proferidas pelo arguido constituem um mal atual, que começaram e acabaram ali, ou seja, foram proferidas no presente, não constituindo qualquer anúncio de que as iria concretizar no futuro, ou seja, as expressões utilizadas pelo arguido foram no presente e não o anúncio da sua produção num futuro incerto, perturbador da tranquilidade, segurança e liberdade psíquica da vítima.

38 - Deste modo, como o arguido não executou de imediato o que disse, o mal anunciado não pode de forma alguma projetar-se na liberdade de decisão e de ação da vítima.

39 - Daí que o mal ameaçado fosse de execução imediata e não futura, como se exige no art.º 153 n.º 1 do Código Penal.

40 - Ora, a ameaça adequada a gerar inquietude e desassossego, de acordo com a experiência comum, e como tal se ser tomada a sério pelo ameaçado, é a que anuncia um mal futuro e não quando esse mal se configura como imediato. Isto porque, sendo o crime de ameaça um crime contra a liberdade pessoal (liberdade de decisão e de acção)… a conduta típica deve gerar insegurança, intranquilidade ou medo no visado, de modo a condicionar as suas decisões e movimentos dali em diante.

41 - E isso não acontecerá se a ameaça for de um mal a consumar no momento, porque, ou a ameaça entra no campo da tentativa do crime integrado pelo mal objeto da ameaça, sendo nesse caso a conduta punível como tentativa desse crime, se a tentativa for punível, ou não entra e, então, a ameaça logo se esgota na não consumação do mal anunciado, do que resulta não ficar o visado condicionado nas suas...

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