Acórdão nº 27/15. 8 PFSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR BOTELHO |
Data da Resolução | 10 de Outubro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1. 1. – Decisão Recorrida No processo comum singular com o n.º 27/15. 8 PFSTB da Secção Criminal da Instância Local de Setúbal – J2 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o arguido JV, melhor identificado nos autos, mediante acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento pela prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 143.º, 145.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, com referência ao art.º 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, e de um crime de propagação de doença, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 283.º, n.º 1, alínea a), 22.º e 23.º do Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, a final e para além do mais, decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto, julgo a acusação procedente e em consequência:
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Condeno o arguido JV pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1 e 145º, nºs 1, al. a) e nº 2, com referência ao artigo 132º, nº 2, al. l), todos do Código Penal, ocorrido em 24.01.2015, na pena de 8 (oito) meses de prisão; b) Condeno o arguido JV pela prática de um crime de propagação de doença, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 283º, nº 1 alínea a), 22º e 23º do Código Penal, ocorrido em 24.01.2015, na pena de 2 (dois) anos de prisão; c) Em cúmulo jurídico das aplicadas nas alíneas a) e b), condeno o arguido JV na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; (…)» * 1. 2. – Recurso 1.2.1. - Inconformado com essa decisão, dela recorreu o arguido, pugnando pela suspensão da execução da pena única de prisão que lhe foi aplicada, com a obrigação de o arguido comprovar o internamento em clínica de reabilitação, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: «I. O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punido pelos artigos 143°, n.º1 e 145°, n.ºs 1, al.a) e n.º 2, com referência ao artigo 132°, n.º 2 al. l) todos do Código Penal e, de um crime de propagação de doença, na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 283°, n.º l , al.a), 22° e 23° do Código Penal.
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O Tribunal "a quo" aplicou ao arguido uma pena de prisão de dois anos e quatro meses de prisão.
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Ora, sendo verdade que o arguido já teve várias condenações anteriores, também é verdade que há já alguns meses tentava reabilitar-se, tentando restabelecer a sua vida profissional.
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Aproveitando todos os "biscates" que consegue para prover pelo sustento da sua casa, nomeada e especialmente, aos fins-de-semana.
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O cumprimento da pena que lhe foi aplicada irá certamente impedir o cumprimento das suas obrigações, pois ficará privado de trabalhar e sem dinheiro para fazer face às suas despesas.
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Acresce, ainda, o facto de o arguido ser consumidor de produtos estupefacientes e ingerir bebidas alcoólicas em excesso, e não ter tido a capacidade de se reabilitar, sempre com o sistema imunitário bastante deficiente.
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O cumprimento da pena de prisão aplicada levará o arguido ao confronto e permanência com um meio que irá afetar-lhe negativamente, IX. A pena aplicada ao arguido deverá ser suspensa na sua execução com a obrigação de o arguido comprovar estar internamento em clinica de reabilitação.
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O cumprimento da pena de prisão aplicada levará o arguido ao confronto e permanência com um meio cujas recordações poderão afetar-lhe negativamente, pondo em risco tudo o que foi conseguido em termos de reabilitação.
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Na certeza de que o internamento, além de possibilitar a reabilitação do arguido, não deixará de operar como forma de prevenção geral e especial, a fim de evitar a prática de factos idênticos no futuro.
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Pelo exposto, o Tribunal a quo violou entre outros os Arts. 40°, n.º 2 e 43°, 58° e 71°, todos do Código Penal.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA: SER A PENA DE PRISÃO APLICADA SUSPENA NA SUA EXECUÇÃO COM OBRIGAÇÃO DE COMPROVAR O INTERNAMENTO EM CLINICA DE REABILITAÇÃO.
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA».
* 1.2.2. - O Ministério Público respondeu, sustentando que o recurso deve ser rejeitado por falta de indicação das normas legais violadas e, caso assim não se entenda, defendendo a improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
Lavrou as seguintes conclusões: «1) O recorrente não tomou posição sobre o sentido em que o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou, nem o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; também não suscitou qualquer erro na determinação da norma aplicável.
2) Tão-somente mencionou normas que, no seu entender, terão sido violadas, as quais surgem descontextualizadas do teor do recurso, pelo que parece ter havido lapso nesta parte, a saber: - Os arts. 40.°, n." 2 ("em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa"), e 71.°, CP ("determinação da medida da pena").Porém, não reagiu contra a medida concreta da pena; - o art. 43.°, do CP, que regula a substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano, o que não é passível de discussão no caso em apreço, uma vez que foi aplicada a pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão efectiva e o recorrente não reagiu contra a medida concreta da pena; e - o art. 58.°, do CP, que diz respeito à pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, em caso de aplicação de pena de prisão aplicada em medida não superior a 2 anos, o que também não se encontra em discussão no caso em apreço, pelas mesmas razões.
3) Assim, o arguido não cumpriu as devidas formalidades legais para o recurso em matéria de Direito, porquanto violou o disposto no art. 412.°, n.º 2, als. a)-c), do CPP, pelo que o recurso por si interposto deverá ser rejeitado, nos termos do disposto no artigo 420.°, n.º 1, al. c), do CPP.
Caso assim não se entenda, e sem prescindir, entende o Ministério Público que não assiste razão ao recorrente, devendo o recurso ser julgado improcedente e, em consequência, confirmada a Douta Sentença recorrida, pelas razões que se explanarão de seguida.
4) Quanto à suspensão da execução da pena de prisão, o autor H. H. Jescheck elucida nos seguintes termos: "a prognose social favorável do arguido consiste na esperança que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito. Com razão, não se exige já a perspectiva de uma «vida ordenada e conforme com a lei, ( ... ) já que para o fim preventivo da suspensão basta que não volte a delinquir no futuro. Esperança que não significa certeza ( ... ). O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente, mas se existem dúvidas sérias sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa (…).
A prognose exige uma valoração total de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido. Estas circunstâncias são a sua personalidade (por ex., inteligência e carácter), a sua vida anterior (por exemplo, outros delitos anteriormente cometidos da mesma ou de outra natureza), as circunstâncias do delito (por exemplo motivações e fins), o seu comportamento depois de ter cometido o crime (por exemplo reparação do dano, arrependimento), as circunstâncias da sua vida (por exemplo, profissão, casamento e família) e os efeitos que se esperam da suspensão".
5) Não entende o Ministério Público como se possa prognosticar que a mera ameaça da prisão seja suficiente para impedir que o arguido cometa novos ilícitos criminais.
6) Desde logo, nada nos autos permite acreditar que a suspensão da execução da pena de prisão seja suficiente para que o arguido se predisponha a alterar o seu comportamento, que tem vindo a ser contrário ao Direito.
7) Com efeito, a personalidade do arguido manifestada nos ilícitos criminais que praticou, de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, e de propagação de doença, na forma tentada, em concurso efectivo, conforme consta da factualidade dada como provada, em particular, o retirar, com as mãos, a ligadura que tinha colocada à volta da cabeça a tapar o seu ferimento e esfregá-la, ensanguentada, na face do lado direito do enfermeiro DG, junto da orelha e do pescoço deste, ao mesmo tempo que dizia: "toma lá que eu tenho HIV", revela elevadas perversidade e perigosidade, e totais alheamento e indiferença para com bens jurídicos pessoais alheios, designadamente, a vida do enfermeiro.
8) Quanto às "condições da sua vida", o recorrente argumentou que "há já alguns meses tentava reabilitar-se, tentando restabelecer a sua vida profissional", não lhe assistindo razão.
9) Conforme entendeu, e bem, a Mma. Juiz de Direito, que formou a sua convicção, nesta parte, no relatório social de fls, 101-107, o arguido tem revelado uma adesão inconsistente ao tratamento especializado em relação à problemática aditiva (toxicodependência e alcoolismo), demonstrando dificuldade em aderir aos programas terapêuticos que lhe têm sido propostos, o que não tem contribuído para uma estabilização comportamental, existindo uma reduzida motivação para inverter o seu modo de vida.
10) O próprio arguido reconheceu, no recurso que interpôs, que não teve a capacidade para se reabilitar.
11) Relativamente à conduta anterior ao crime, temos que já por três ocasiões anteriores, o arguido beneficiou da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão: i) no Proc. n. ° ---/08.3PBSTB, do 3. ° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, por decisão de 12.02.2010, transitada em julgado em 17.03.2010...
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