Acórdão nº 9/13.4GAADV.E1.E1.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução24 de Outubro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1.

No processo de instrução nº 9/13.4GAADV.E1.E1 do Tribunal de Comarca de Beja, em decisão instrutória, foi decidido pronunciar a arguida "Associação de Caçadores e Pescadores C." pelos factos constantes do requerimento de abertura de instrução, subsumíveis à prática de três crimes de danos contra a natureza dos artigos 278.°, n.º 1, al. a), n.º 3, al. b) e n.º 5, e 11.°, n.º 2, al. b) do CP, não tendo sido pronunciados, a titulo individual e pela prática do mesmo crime, o representante legal da pessoa colectiva Associação de Caçadores e Pescadores C.", JJ, e o representante legal da pessoa colectiva "F., Caça Turística, Lda.".

Findo o inquérito, o Ministério Público proferira despacho de arquivamento, e, inconformada com esta posição, requerera a assistente Liga para a Protecção da Natureza a abertura de instrução.

Da decisão que veio a ser proferida a final, e na parte relativa à não pronúncia, interpôs recurso a assistente, concluindo: “A. O Despacho ora recorrido apenas pronunciou a Arguida "Associação de Caçadores e Pescadores C." pelos factos constantes do requerimento de abertura de instrução, subsumíveis à prática de três crimes de danos contra a natureza, previstos e punidos pelos artigos 278.°, n.º 1, aI. a), n.º 3, aI. b) e n.º 5, e 11.°, n.º 2, aI. b) do CP; porém, deverá esta decisão instrutória ser reformulada por outra que pronuncie, igualmente os representantes legais da referida Associação e da sociedade F.

  1. Não o tendo feito, o Tribunal a quo descurou o teor do Requerimento de Abertura de Instrução, no qual se requereu a pronúncia, não só das pessoas colectivase entidades equiparadas (isto é, a Associação C. e a F), como também dos respectivos representantes legais à data da prática dos factos sendo, por essa razão, nulo, nos termos do disposto na alinea c) do n.º 1 do artigo 379.° do CPP, em conjugação com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC (por remissão do artigo 4.º do CPC).

  2. A constituição como arguidos dos representantes legais das entidades colectivas arguidas foi concretizada, à semelhança das suas representadas, ope legis, isto é, por ter sido requerida contra os mesmos a abertura de instrução, a qual, configura, ademais, a forma de uma verdadeira acusação. (cfr. Alíneas a) a c) do artigo 283.° do CPP).

  3. Logo, o Tribunal a quo deveria, contrariamente ao que fez, ter-se pronunciado sobre a viabilidade da "acusação" da ora Recorrente relativamente a cada um dos representantes legais das entidades colectivas/entidades equiparadas arguidas, uma vez que a Recorrente, no seu requerimento de abertura de instrução, pediu a pronúncia dos mesmos, em moldes índependentes às entidades colectivas às quais pertenciam/pertencem e que representavam/representam.

  4. Porém, na decisão instrutória ora recorrida, o Tribunal a quo limitou-se a pronunciar a arguida "Associação de Caçadores e Pescadores C." e a não pronunciar a arguida "Sociedade F., Caça Turística Lda."por esta estar extinta sem, contudo, nada dizer relativamente aos restantes arguidos.

  5. Sendo inadmissível a omissão de pronúncia do Despacho proferido pelo douto Tribunal a quo em relação aos restantes arguidos, contra os quais foi também requerida a abertura de instrução e sob os quais igualmente recai (ou, pelo menos, poderá recair) responsabilidade criminal, independentemente da responsabilidade das pessoas coletivas/entidades equiparadas aqui arguidas.

  6. No que respeita à responsabilização dos representantes legais das pessoas colectivas, dispõe o n.o 7 do artigo 11.0 do Código Penal que" ( ... ) a responsabilidade das pessoas co/etivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respetivos agentes nem depende da responsabilização destes ( ... )".

  7. E sabido que, os órgãos de um ente coletivo são pessoas jurídicas de facto e de Direito, l.e, sujeitos autónomos, com personalidade jurídica distinta entre si, e por isso mesmo, responsáveis pelos seus atos e ou omissões, pois caso assim se não entendesse, fácil seria hoje em dia trabalhar em qualquer empresa, sem qualquer tipo de responsabilidade emergente da sua prestação de trabalho, pois a culpa ou negligência seria sempre da entidade patronal, I. A qualidade de agente subordinado não afasta a sua responsabilidade enquanto pessoa individual, nem lhe atribui imunidade uma vez que são os agentes quem materializam, concretizam, realizam ou omitem os atos imputáveis às pessoas coletívas, pelo que será, igualmente, a estes a quem deverão ser assacadas responsabilidades pela prática de atos ilícitos imputados à pessoa coectiva e/ou entidade equiparada que integram, desde que sejam os responsáveis diretos pela prática de tais actos.

  8. Por sua vez, a responsabilidade individual do agente ou dos agentes não se transfere para a pessoa coletiva/entidade equiparada, nem a responsabilidade afasta a responsabilidade daquele ou daqueles pela sua atuação individual.

  9. Pelo que, a responsabilidade da pessoa coletiva/entidade equiparada, qua tale, embora possa ser independente, cumula-se com a responsabilidade individual dos agentes que levaram a cabo a prática concreta de cada facto ilícito.

    L. Fundamental para a imputabilidade criminal dos agentes é, tão só, que a sua conduta se mostre apta a preencher os pressupostos da tipicidade, ilicitude e culpabilidade.

  10. Pelo que, tendo em conta que a Recorrente requereu a pronúncia dos agentes das entidades coletivas, no mínimo deveria o Tribunal a quo ter realizado um juízo de valor sobre a viabilidade da mesma em relação às pessoas singulares que também figuram como arguidos.

  11. Atento os factos indiciados, resulta claro que, cumulativamente à arguida Associação de Caçadores e Pescadores C, deveria o Presidente da mesma, JJ, - o qual estava obrigado, por força do cargo que desempenhava, a evitar a prática de factos ilícitos pelos seus colaboradores/funcionários,- ser igualmente pronunciado, uma vez que violou os seus deveres de controlo e vigilância monitorização das zonas de caça, bem sabendo que aqueles deveres lhe eram impostos por lei e pelos planos de gestão e exploração, tendo actuado (ou não atuado!) em total transgressão com o dever de cuidado que lhe era exigido.

  12. Acontece que, o Tribunal a quo não só não pronunciou o arguido em questão (relembre-se, contra o qual a ora Recorrente requereu a abertura de instrução), como omitiu por completo qualquer manifestação quanto à viabilidade da sua pronúncia e prossecução para julgamento.

  13. Semelhante omissão de pronúncia sucedeu relativamente aos Gerentes da sociedade arguida F, Caça Turística, Lda., também constituídos arguidos nos presentes autos.

  14. Certo é que deveria o Tribunal a quo ter-se manifestado sobre a viabilidade da pronúncia do arguido JF, Gerente da arguida F, Caça Turística, Lda., e não o fez.

  15. Mais, sobre o Tribunal recaía, também, a obrigação de se pronunciar sobre os Senhores G. e JS, pois, tendo em conta os factos e a prova documental constante dos autos, os mesmos eram igualmente os gerentes da sociedade arguida à data da prática dos factos (se atendermos ao facto que a necrópsia junto aos autos faz referência que a águia foi morta até 60 dias antes da data em que foi encontrada), pelo que deveriam aqueles ter sido, igualmente, ouvidos como arguidos e não como testemunhas, uma vez que a Recorrente - no seu requerimento de abertura de instrução - pediu a pronúncia de todosaqueles que representassem legalmente a sociedade arguida à data da prática dos factos.

  16. A propósito do disposto em "R.", é relevante salientar que corre neste douto Tribunal da Relação de Évora um recurso interposto pela ora Recorrente, que tem por objeto o despacho proferido a fls. 670 dos autos com a referência 27863200 que rejeitou a constituição dos Srs. Drs. G. e JS como arguidos e que deverá subir com o presente recurso.

  17. Pela importância que o recurso referido em "S." reveste para a decisão ora recorrida, e por se tratar de uma questão de conhecimento prejudicial, deverá o mesmo ser conhecido previamente à mesma, sob pena serem gravemente prejudicados os interesses públicos que, com este processo, se visam proteger.

  18. Por tudo o exposto, verifica-se que, com a sua Decisão Instrutória, o Tribunal a quo agiu em desconformidade com a obrigação resultante das disposições conjugadas do n.º2 do artigo 308.°, com o n.º 3 do artigo 283.° e o n.º 2 do artigo 287.° do CPP.

    V. Sendo, por essa razão, nulo, uma vez que não contém as menções do n." 3 do artigo 283.° do CPP.

  19. No entendimento da generalidade da Doutrina, tal nulidade, tratando-se de um despacho de não pronúncia, pode ser arguida e conhecida no recurso interposto do despacho de não pronúncia, pelo que havendo uma total omissão de pronúncia, idênticas conclusões deverão ser retiradas.

    X. A Decisão recorrida não identifica nenhum das pessoas singulares, que eram representantes legais das pessoais colectivas/entidades equiparadas arguidas nos presentes autos, à data da prática dos factos, enquanto arguidos, e prossegue os autos para julgamento, sem narrar os factos que fundamentariam a aplicação de uma eventual pena aos referidos agentes.

  20. O Despacho proferido e de que recorre é igualmente nulo por omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 379.° do CPP em conjugação com o n.º 2 do artigo 608.° do CPC (art. 4.° CPP).

  21. Assim, mostra-se evidente que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devia, sem chegar, sequer, a considerar essas mesmas questões no Despacho proferido, nem discutir, as razões de facto ou de direito que levassem a decidir pela não pronúncia e/ou pronúncia e submissão a julgamento das pessoas singulares igualmente arguidas nos presentes autos.

    AA. Tal omissão de pronúncia reportou-se a questões que o Tribunal estava obrigado a decidir, colocadas pela ora Recorrente no seu requerimento de abertura de instrução, e que, por essa mesma razão, prendem-se com o próprio objeto do processo, o thema...

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