Acórdão nº 442/14. 4 TATVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR BOTELHO |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1. 1. – Decisão Recorrida No processo comum singular com o n.º 442/14.4 TATVR da Secção de Competência Genérica da Instância Local de Tavira – J1 do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o arguido CM, melhor identificado nos autos, mediante despacho de pronúncia foi submetido a julgamento pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1, do C. Penal.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, a final e para além do mais, decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto, julgo provada a pronúncia e, em consequência, condeno o arguido CM pela prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal na pena de 60 dias de multa à razão diária de 6 euros.
(…)» * 1. 2. – Recurso 1.2.1. - Inconformado com essa decisão, dela recorreu o Ministério Público, pugnando pela absolvição do arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: «1 - O Tribunal condenou o arguido CM, pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €6,OO; 2 - Para tanto, o Tribunal considerou como provados os seguintes factos: "1. No dia 29 de Junho de 2014, quando o menor B, de 6 anos. foi passar o dia com o pai, em regime de visita no âmbito de cumprimento do estipulado no processo de regulação de responsabilidades parentais, encontrava-se em casa deste o arguido, por também lá residir 2. Nesse dia, a hora não concretamente apurada, quando estavam sentados à mesa para almoçarem, o arguido, depois de ter advertido, sem sucesso, o B (e o amigo R), para pararem de brincar com os pés, deu uma bofetada na face do menor B.
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CM sabia que a sua conduta representava um facto constituinte de um tipo de crime punível por lei e, não obstante, agiu de fôrma a praticá-lo, ofendendo, assim, o corpo do seu neto.
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Agiu livre, deliberada e conscientemente.
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O arguido foi anteriormente condenado pela prática em 22-06-2013 de um crime de injúria p. p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.
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O arguido é reformado e aufere uma pensão de reforma de 540 euros mensais.
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O arguido vive em casa própria e tem uma outra casa que está arrendada auferindo um rendimento mensal de 250 euros.
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O arguido tem despesas fixas mensais com electricidade, gás, água e telefone de 200 euros.
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O arguido tem o 11º ano de escolaridade incompleto. " 3. A matéria de facto, no entender do Ministério Público foi incorrectamente julgada, em face da prova produzida, pelo que se impugna a mesma; 4. Na verdade, a prova produzida determinaria que tivessem sido considerados como não provados os factos vertidos em 3 e 4 da matéria de facto considerada como provada e, ao invés, ter sido considerado como provado que "O arguido agiu com o intuito de corrigir e educar o menor, seu neto, que, no momento dos factos, se encontrava a si confiado.", ou, em alternativa, considerar como provado que "O arguido agiu julgando que o seu comportamento era lícito por se destinar exclusivamente a corrigir e educar o menor, seu neto, que, no momento dos factos, se encontrava a si confiado."; 5. Em qualquer dos casos, a solução passa pela absolvição do arguido da prática do crime pelo qual vinha acusado, o que se propugna com o presente recurso; 6. A matéria de facto que julgamos incorrectamente julgada cinge-se aos concretos pontos supra referidos (3 e 4 da matéria de facto provada), sendo as concretas provas em que se funda a decisão diversa da que ora colocamos em crise, as declarações do arguido CM, gravadas no sistema integrado de gravação digital, desde as 10:04:02 a 10:05:46; as declarações da assistente SM, gravadas no sistema integrado de gravação digital, desde 10:12:10 a 10:51:21; o depoimento de B, gravado no sistema integrado de gravação digital, desde as 11:11:.57 a 11:34:46; o depoimento de D, gravado no sistema integrado de gravação digital, desde as 11:38:18 a .12:02:51; o depoimento de RS, gravado no sistema integrado de gravação digital, desde as 12:02:53 a 12:11:53; do depoimento de PS, gravado no sistema integrado de gravação digital, desde as 12:11:56 a 12:18:56; e o depoimento de FE, gravado no sistema integrado de gravação digital, desde as 12:18:58 a 12:34:48; 7. No que concerne especificamente às declarações prestadas pelo arguido cumpre aqui proceder à transcrição das passagens que julgamos relevantes nesta sede: Arguido: […] eles andavam para lá aos saltos e eu repreendia-los para não andarem naquela fantochada.
De modo que, às tantas, eu disse-lhe a ele "Oh B olha o avô não se admite que andes a fazer isso, portanto senta-te ali e deixa-te estar sossegado ".
Mal eu dei costas, á estava o meu neto lá com o outro miúdo aos saltos e naquela brincadeira.
[. . .] Mma Juiza: O sr. chamou a atenção do seu neto, mas chamou a atenção, como? Arguido: o que é que eu lhe disse? Disse para estar sossegadinho e ficar sossegado a ver a televisão.
Mma. Juiza: Portanto, não lhe tocou? Arguido: Eu dei-lhe um carolo. [..] Depois disso […] se eu tivesse algum problema de consciência, algum remorso, eu teria pedido desculpa ao meu neto [..] ele continuava naquela palhaçada, ele e o amigo dele, e, de modo que, pronto, dei-lhe um carolo.
[…] Fim de transcrição 8. Ora, como vimos, o Tribunal a quo referiu, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, que o arguido negou os factos, mas, na verdade, como se retira da audição da prova produzida, o arguido referiu ter desferido um carolo ao neto, mas porque o tinha chamado à atenção várias vezes sem sucesso. O arguido não negou a prática dos factos, antes tendo dito que agiu com um sentido correctivo, ao ter dado o referido carolo ao neto, após inúmeras repreensões verbais que o menor não acolheu; 9. Quanto à demais prova, não iremos transcrever a mesma, porquanto entendemos que o resumo dessas encetado pelo Tribunal a quo resulta efectivamente do que foi referido pela assistente e pelas testemunhas, assim sumariado pelo Tribunal a quo: “. nas declarações prestadas pela assistente SM, mãe do menor B, que referiu, no que aqui interessa, que quando foi buscar o B apercebeu-se (no trajecto para casa) que o B estava com um comportamento estranho/diferente e que tinha uma marca na cara ao pé da boca, tendo acabado por dizer já em casa que o avô lhe tinha batido. Referiu ainda que levou o filho ao Centro de Saúde no dia seguinte e que este já não apresentava qualquer marca porque lhe tinha colocado Bepanthene .
. no depoimento prestado pelo menor B que referiu ter estado a brincar com o amigo R em casa do pai, sentados na cama a conversar (negando terem estado aos pulos na cama ou que o arguido os tivesse repreendido) e que quando estavam sentados a mesa à espera do almoço, de repente, o avô deu-lhe uma grande chapada na cara do lado direito sem ter feito nada (não partiram nada nem fizeram mal a ninguém).
Referiu ainda que quando o pai chegou à sala ainda se zangou com ele, dizendo: "Mau, Mau" e que não devia ter feito aquilo, Posteriormente, a instâncias do ilustre defensor do arguido, acabou por referir que o avô só se zangou com ele daquela vez, quando ele se portou mal. É ainda de salienta que o menor não fez qualquer referência a marcas na cara, apenas tendo referido que quando o avo lhe bateu lhe doeu muito e que à noite em casa teve dores de cabeça.
. no depoimento prestado pela testemunha D, filho da assistente e irmão do menor B, que referiu ter ido buscar o irmão com a mãe, por volta das 19 horas, no dia mencionado na pronuncia, o B estava muito calado nesse dia (ao contrário do que é habitual), reparou que o irmão tinha uma marca vermelha por baixo do nariz do lado esquerdo, perguntou-lhe a causa da marca tendo o B respondido que não sabia, que não se lembrava, acrescentando que só mais tarde, já em casa, é que o B disse à mãe que o avô lhe linha batido; relativamente à referida marca na cara mencionou que desapareceu gradualmente (no dia seguinte ainda tinha um bocadinho); mais referiu que a partir desse dia o B passou a não querer estar com o avô, tem medo de estar com o avô.
. no depoimento prestado pelo menor R que declarou conhecer o B e que costumava brincar com ele quando ele ia a casa do Sr. C, referiu terem estado aos pulos na cama/sofá enquanto estiveram a ver os bonecos, tendo sido advertidos mais de uma vez pelo Sr. C para não fazerem isso; depois quando estavam à mesa à espera do almoço, começaram a brincar com os pés, o Sr. C disse-lhes para pararem, acabaram por partir" uma coisinha de encaixar" e o avô deu um estalo devagar ou um carolo na cara do B; explicou depois porque é que disse que a chapada foi devagar; foi uma chapadinha (não ouviu nenhum estrondo, nem o barulho característico do estalo). Mais referiu que depois do almoço ainda foram jogar à bola (ele e o B) e que não reparou se o B tinha alguma coisa na cara; referiu, no entanto, que o B estava desanimado, já não tinha aquela energia.
. no depoimento prestado pela testemunha PS, pai do menor R, que declarou conhecer o arguido há cerca de 10 anos por ser seu senhorio e que conhece o B desde de pequeno. referiu desconhecer o que se passou, limitando-se a dizer que nunca viu o arguido tratar mal o neto.
. no depoimento prestado pela testemunha FE, filho do arguido e pai do menor B, que declarou não ter presenciado o que se passou porque estava no andar de cima (tinha ido à casa de banho), que apenas ouviu uma gritaria e quando chegou à sala só viu o filho a chorar com mão na cara, confortou o filho e o assunto ficou sanado. Referiu ainda que o filho tem uma grande retracção relativamente ao avô paterno por causa do sucedido. "; 10. Em face da prova produzida, resulta que o arguido agiu no âmbito do poder correctivo que sobre o menor detém; 11. Ao contrário do Tribunal a quo, entendemos que o arguido tem sobre o neto o poder-dever...
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