Acórdão nº 18/16.1TBSRP.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelSILVA RATO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc. N.º 18/16.1TBSRP Apelação Comarca de Beja (Serpa-IL–SCG-J1) Recorrente: A...

Recorrido: B...

I.

A...

intentou a presente Acção Declarativa, sob a forma de Processo Comum, contra B..., peticionando o seguinte: a)Considerar o Réu como único e principal culpado da ruptura da vida em comum; b)Condenar o Réu na indemnização por danos morais na quantia de €15.000,00; c)Condenar o Réu na indemnização por danos patrimoniais na quantia de €1.280,34; d)Condenar o Réu no pagamento dos tratamentos de psicoterapia necessários até ao restabelecimento psicológico da A..

Alegou para o efeito, em síntese, um conjunto de factos que suportam a sua invocação da violação pelo Réu dos seus deveres conjugais e de que decorre a sua pretensão de ser ressarcida pelos danos morais e patrimoniais provocados pela descrita conduta do ora Réu.

Efectuado julgamento foi proferida Sentença, em que se decidiu o seguinte: “Nos termos e com os fundamentos expostos: Julgo improcedente a invocada excepção de incompetência absoluta do Tribunal; Julgo improcedente a acção, absolvendo o Réu dos pedidos contra si formulados pela Autora.

…” Inconformado com tal decisão, veio a Autora interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões: 1) A ora Recorrente intentou uma ação de responsabilidade por factos ilícitos, que conduziram à rutura da vida em comum. Esta ação tem como fundamento a violação dos deveres conjugais e só pode ser pedido, em ação autónoma, nos termos gerais do direito, com base nos artigos 1792º, n.º1 e art.º 496º n.º1, do Código Civil.

2) A Autora reclama do Réu uma indemnização por danos morais no valor de quinze mil euros, porquanto, em síntese, os comportamentos desrespeitosos da sua integridade física e moral assumidos pelo Réu e a violação pelo mesmo dos deveres conjugais, foram a causa única e exclusiva da separação, bem com uma indemnização por danos patrimoniais, por violação do dever de assistência, designadamente, o valor despendido com os tratamentos médicos.

3) A Sentença recorrida considerou que: "A questão jurídica a resolver consiste em saber se, à luz da lei e da Jurisprudência, é possível declarar, face aos factos assentes, a culpa do Réu pela dissolução do casamento na presente acção e condená-lo no pagamento de danos patrimoniais e não patrimoniais causados à Autora." 4) Mais decidiu o Tribunal a quo que, encontrando-se as partes casadas ocorre manifesta improcedência dos pedidos formulados, porquanto, considerou que o "pedido de ressarcimento nos Tribunais comuns exige a prévia prolação de sentença de divórcio assente em tal fundamento litigioso".

5) O Tribunal a quo absolveu o Réu dos pedidos, considerando que "a tese propugnada pela Autora não tem possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor e à interpretação que dela façam a jurisprudência e a doutrina".

6) A decisão recorrida baseou-se no seguinte: "No entanto, atento o espírito da lei que alterou esta norma e a sua própria inserção sistemática, na "subsecção IV - Efeitos do Divorcio", acompanhamos a Jurisprudência que entende que o direito à reparação que persiste e que continua a ser consagrado em tal preceito, é "exclusivamente respeitante aos danos não patrimoniais causados e que são causa do divórcio" e que tiveram \1(. . .) como fundamento os concretos factos que basearam o decretamento do Divórcio Litigioso e que se encontram expressos na sentença que o decretou".

7) A recorrente não pode conformar-se com a presente decisão e vêm dela interpor recurso, porquanto, a mesma está ferida de vários vícios e violações de lei.

8) Com o devido respeito, tese acolhida pelo Tribunal a quo, é uma tese que surgiu na sequência da alteração do regime de divórcio, após a sua entrada em vigor, quando as partes na dúvida continuavam a deduzir o pedido de indemnização cível na ação de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge; 9) O mais recente acórdão do STJ, de de 12/05/2016, pro c. ° 2325/12.3TVLSB.L1.S1, 2.

a secção, Relator Conselheiro Tomé Gomes, traça um esboço da evolução do direito matrimonial, bem como, as perspetivas doutrinais e jurisprudências que foram surgindo e o caminho que trilharam; 10) Há muito que a doutrina e jurisprudência sustentam a possibilidade de indemnização do cônjuge lesado, em ação autónoma à ação de divórcio, mesmo na constância do casamento, nos termos gerais da responsabilidade civil, sejam estes patrimoniais, morais, decorrentes da violação das obrigações conjugais ou da dissolução do matrimónio; 11) O atual 1792.º está, ao contrário do anterior, dividido em dois números. A do cônjuge cujas faculdades mentais se alteram e que sofre danos não patrimoniais com o divórcio (n.º 2) e a do cônjuge que, em qualquer caso, sofra danos provocados pelo outro cônjuge, sejam estes patrimoniais, morais, decorrentes da violação das obrigações conjugais, da dissolução do matrimónio ou outros (n.º1).

12) Ao decidir como fez, a sentença recorrida, amputou qualquer direito da Autora no sentido de vir a ser ressarcida pelo que considerou ser violador dos seus direitos; 13) A autora pretende ser indemnizada pelos danos causados com a rutura da vida em comum (referente a um período temporal e independentemente de levar ou não à dissolução do casamento), perpetuado pelo Réu, em consequência da violação dos deveres conjugais, desde logo, pela violação do dever de fidelidade, pela violação do dever de respeito, pela violação do coabitação e assistência, nomeadamente, ao expulsar a Autora do lar conjugal, ao mudar as fechaduras da residência de família e ao manter uma relação extraconjugal à vista de todos.

14) A sentença recorrida entendeu, igualmente, absolver o Réu dos pedidos, porquanto, considerou que a tese da Autora não tem possibilidades de ser acolhida face à lei em vigor e à interpretação que dela façam a jurisprudência e a doutrina.

15) Face a todo o exposto dúvidas não existem de que a tese da Autora tem muito acolhimento na doutrina e jurisprudência e, em consequência, a ação deveria ter prosseguido para audiência de julgamento.

16) Ainda assim, o Tribunal a quo, ao ter decidido como fez, nunca poderia ter absolvido o Réu dos pedidos, porquanto, decidiu que os pedidos formulados pela Autora não podiam proceder em virtude de as partes encontrarem-se casadas; 17) Ao decidir que os pedidos formulados pela Autora são improcedentes face ao facto de estarem casados, deveria ter- o que, sem conceder, se admite por mera cautela de patrocínio- absolvido o Réu da Instância.

18) A decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente o disposto no artigo 1792 do CC; 19) A decisão recorrida interpretou e aplicou erradamente as normas substantivas e processuais aplicáveis e que levaram à absolvição do Réu do pedido; 20) A decisão recorrida é nula em virtude da deficiente motivação de facto e de direito, nos termos do artigo 615.° n. °1, alínea b) do CPC; 21) A decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.°, n..º2 da CRP, bem como, por violação do direito a um processo equitativo, nos termos do artigo 20.°, n.º 1 e 4, da Constituição da República.

22) A interpretação da mesma lei de forma diferente por diversos tribunais viola também os princípios da certeza e segurança jurídicas e previsibilidade, que são apanágio do princípio do Estado de direito previsto no artigo 2.° da CRP e no artigo 13.° da CRP.

23) A douta sentença recorrida padece de erro na interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, devendo a mesma ser revogada, seguindo-se os ulteriores termos do processo.

Nestes termos e nos demais de direito que V. exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, ser revogada a sentença proferida e, em consequência, ser proferido despacho destinado a identificar objeto do litígio e enunciar os temas da provai ou, embora sem conceder, caso V. exas. assim não entendam, substituída por outra que absolva o Réu da Instância.

Cumpre decidir.

II.

Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual : a)A Autora e o Réu são casados entre si.

b)A 16 de Março de 2016, a Autora instaurou contra o Réu uma acção de divórcio, com fundamento na ruptura definitiva do casamento, nos termos do disposto no artigo 1781.°, alínea d), do Código Civil, a qual corre ainda os seus trâmites.

***III.

Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do N.C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

As questões a decidir resumem-se, pois, a saber: a) Se a Sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615º, n.º1, alínea b), do NCPC; b) Se a sentença padece de erro de interpretação da Lei, e por isso deve ser revogada, determinando-se o prosseguimento do processo; c) Ou, se assim não se entender, deve ser o Réu absolvido da instância.

No que respeita à primeira questão, como ensina Alberto dos Reis Alberto dos Reis, "o que a lei considera nulidade é a falta de fundamentação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade" (CPC Anotado, vol. V, pág. 140, em comentário ao art.º 668º), concepção que a doutrina e jurisprudência vêm mantendo (ver por todos Lebre de Freitas, CPC Anotado, 2008, vol. 2º, pág. 669).

Ora a Sentença recorrida está perfeitamente fundamentada, explicitando a sua posição sobre a interpretação do n.º1 do art.º 1792º do Cód. Civ. e, concluindo, em face dessa interpretação, que a lei não admite o...

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