Acórdão nº 2295/15.6T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO SOUSA E FARO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I- RELATÓRIO 1. JN e MN, RR. nos autos à margem identificados, em que são AA. LC e MC interpuseram recurso do despacho saneador-sentença que, julgando improcedente a excepção dilatória de caso julgado por si invocada, os condenou a pagar aos AA. a quantia de €129.687,46, a título de sinal em dobro em razão do incumprimento culposo do contrato promessa entre ambos outorgado.

  1. No recurso interposto formularam os RR. as seguintes conclusões : 1. Os Recorrentes desde já requerem, ao abrigo do disposto no artº 651º/2 do CPC, a junção aos autos de parecer da Professora Doutora Maria José Capelo, Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Univerdade de Coimbra, Doutora em Direito (Ciências Jurídico-Processuais), com vastíssimas publicações na matéria processual civil, conforme se poderá consultar em http://www.ij.fd.uc.pt/membros/mjcapelo.html.Tendo em conta a complexidade da matéria e o prazo de apresentação das presentes alegações de recurso, os Recorrentes requerem que o parecer seja junto até ao inicio do prazo para a elaboração do projecto de Acordão.

  2. A aliás douta sentença recorrida ainda no que se refere à indicação dos pedidos dos AA., entra, alegadamente, na descrição da matéria de facto, sem a indicar de forma completa e cabal. Além disso, volta mais tarde, a indicar mais matéria de facto, sem voltar a fazer referencia se se tratava efectivamente da indicação da matéria de facto. Um pouco mais à frente ( v. página 10) refere efectivamente os factos que considera provados elencando os mesmos. Parece resultar de manifesto lapso da utilização dos meios informático, no entanto esse facto não invalida a existência da manifesta ambiguidade da decisão em apreço.

  3. Do exposto resulta que a aliás douta sentença recorrida é nula por ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível”, violando assim de forma clara e frontal o artº 615º/1 c) do CPC.

  4. A presente acção viola de forma clara e flagrante os efeitos e alcance da autoridade do caso julgado da decisão transitada em julgado, proferida no âmbito da acção que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal sob o número 37/06.6TBSSB.E1, princípio basilar da segurança e certezas jurídicas, que se não for atendido no caso em apreço abrirá um precedente grave naquele elementar princípio do ordenamento processual civil português.

  5. Com efeito, a este respeito, foi decidido por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06.09.2011, o seguinte: “ O caso julgado constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância; 2 -A sua verificação depende do preenchimento da tríplice identidade a que o artigo 498º do Código de Processo Civil faz referência.

    3 - Na identidade de sujeitos, importa apenas atender à qualidade jurídica das partes, não sendo exigível uma correspondência física nas duas acções.

    4 - A identidade dos pedidos é perspectivada em função da posição das partes quanto à relação material: existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, nem sequer do ponto de vista quantitativo.

    5 - Existe identidade de causa de pedir quando as pretensões formuladas em ambas as acções emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas.

    6 - Da excepção de caso julgado se distingue a autoridade de caso julgado, pressupondo esta a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obstando-se, deste modo, que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo neste caso a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 498º do Código de Processo Civil.

    7 - O efeito preclusivo do caso julgado determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva.

    8 - O recurso extraordinário de revisão constitui o meio processual adequado à modificação de decisão transitada em julgado, desde que tenha por fundamento alguma das circunstâncias taxativamente elencadas no artigo 771º do Código de Processo Civil, não podendo a parte vencida em anterior processo cuja decisão haja transitada em julgado vir obter, através de acção para o efeito proposta, com fundamento nalguma dessas circunstâncias, um efeito útil que se traduza em decisão diversa da anterior” (v. proc 816/09.2TBGA, www.dgsi.pt).

  6. Resulta do mesmo Acórdão o seguinte: “A decisão transita em julgado quando não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação e a excepção de caso julgado destina-se a “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.Segundo Rodrigues Bastos, citado no mesmo acórdão, “... enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a excepção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.

  7. Continua o mesmo Acórdão: “O alcance e autoridade do caso julgado não se pode, pois, limitar aos estreitos contornos definidos nos artºs 497º e seguintes para a excepção do caso julgado, antes se estendendo a situações em que, apesar da ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento daquela figura jurídica está notoriamente presente”.O Acórdão desta Relação de 28.09.2010 distingue deste modo a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado: “A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.498 do Código de Processo Civil”.Fala-se do efeito preclusivo do caso julgado para caracterizar esta inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida (…)”.

    Este efeito preclusivo dos meios de defesa que podiam/deviam ser deduzidos na contestação tem sido integrado pela doutrina no âmbito do caso julgado, o qual abarca não só o que foi objecto de discussão no processo, mas também tudo aquilo que, a ela respeitando, tivesse o réu o ónus de submeter também à discussão[.Como defende Manuel de Andrade, “se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do Autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que ele poderia ter deduzido com base num direito seu…Neste sentido, pelo menos, vale a máxima segundo a qual o caso julgado «cobre o deduzido e o dedutível»…”.

  8. Registe-se ainda nesta linha, o decidido pelo douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.09.1992, que claramente afirma no seu sumário que: “II- Decidindo-se, pois, com trânsito em julgado, em acção em que se pedia a declaração de estar resolvido certo contrato-promessa, que este é nulo, por impossibilidade de seu objecto, o que determinou a improcedência da acção, a existência do contrato não pode discutir-se novamente”. É importante salientar esta tendência jurisprudencial na defesa de que uma questão essencial num primeiro processo vincula a decisão de um outro tribunal que julga uma segunda acção.

  9. Do douto Parecer da Professora Doutora José Capelo, resulta de forma clara que no caso em apreço o douto Tribunal a quo violou de forma clara e frontal a excepção do caso julgado, conforme iremos demonstrar.

  10. De facto, na primeira acção, que correu os seus termos nas Varas Cíveis do Tribunal de Setúbal sob o número 37/06.6TBSSB, os ora Autores formularam, entre outros, um pedido de apreciação negativa (pedindo que fosse declarado que não incumpriram o contrato-promessa em causa, nem se constituíram em mora, e que a interpelação, feita pelo Réu ao Autores, não era uma interpelação admonitória) e um pedido de resolução do contrato-promessa por alegado incumprimento definitivo, por parte dos Réus, ora recorrentes, por estes não terem obtido a documentação necessária para a escritura. Peticionaram a condenação dos promitentes-vendedores no pagamento do valor do sinal em dobro.

  11. O Venerando Supremo Tribunal de Justiça – Revista 37/06.6TBSSB.E1.S1 – por douto Acórdão de 18 de Dezembro de 2012, determinou nomeadamente “(…) conceder, em parte a revista dos réus, revogando-se o acórdão recorrido, que declarou a nulidade do contrato-promessa e condenou os réus a restituírem aos autores a quantia recebida a título de sinal. Improcedendo o mesmo recurso quanto ao mais (tal significando a manutenção em vigor do contrato-promessa entre as partes outorgado)”.

  12. Na presente acção, os Autores (promitentes-vendedores), ora recorridos solicitam que se declare ou reconheça resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os AA como promitentes-compradores e os RR como promitentes-vendedores em 20 de Outubro de 2003, com fundamento na venda feita pelos RR a terceiro do prédio prometido vender aos AA, a qual, impossibilitando os mesmos RR de realizar a prestação a que estavam vinculados, os colocou culposamente, em situação de incumprimento definitivo. Alegaram que o promitente-vendedor e ora R varão, em depoimento de parte...

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