Acórdão nº 117/16.0GA0LH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução07 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo sumário n.º 117/16.0GA0LH, da Comarca de Faro (Olhão), foi proferida sentença em que se decidiu a condenar o arguido D como autor de dois crimes de injúria agravada dos art.s 181º, n.º l , e 184.° do CP, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 8,00 por cada um dos crimes e, em cúmulo jurídico, na pena única de 100 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, o que perfaz o montante global de €800,00 (oitocentos euros).

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “

  1. O arguido foi condenado numa pena única de multa, no valor de oitocentos euros, pela prática de dois crimes de injúria agravada, ou seja, crimes de natureza semi-pública.

  2. Nunca nos autos foi apresentada queixa por parte dos dois militares da GNR que assinam apenas o auto de notícia, não existe em qualquer momento processual a manifestação de vontade por parte destes de prosseguirem com procedimento criminal contra o arguido e - inclusivamente - existe um despacho de 29-04 -2016 sobre o pedido feito pelo arguido para ter acesso a uma tradução da queixa apresentada, requerimento esse indeferido porquanto «Relativamente à requerida disponibilização da tradução por escrito da queixa apresentada, uma vez que nos autos não foi apresentada qualquer queixa, indefere-se o requerido.» - transcrição do referido despacho.

  3. Conforme afirma o Supremo Tribunal de Justiça - confirmando a jurisprudência dominante, nomeadamente a produzida pelo Tribunal da Relação de Évora e Tribunal da Relação de Coimbra «Não constando do auto de notícia por detenção, nem posteriormente, o registo de qualquer queixa pelo crime de injúria agravada, por qualquer dos agentes de autoridade ofendidos, não pode presumir-se que descrição dos factos integrantes desse ilícito criminal, no auto de notícia por detenção da arguida, equivale a queixa por tal crime, e, por conseguinte, não assumindo tal crime natureza pública, não tem o Ministério Público legitimidade para acusar, por tal crime. Tal auto de notícia por detenção já não vale, porém, como denúncia de procedimento criminal por crime de natureza semipúblico - o de injúria agravada -se não incluir manifestação inequívoca da vontade do(s) ofendido(s) de procedimento criminal por tal crime, ainda que atendido seja também o agente que elaborou e assinou esse auto.» d) Não tendo sido feita queixa ou manifestada intenção de procedimento criminal contra o aqui arguido, o Ministério Público não tem, só por si, legitimidade para proceder criminalmente contra o recorrente pela alegada prática de dois crimes de injúria agravada, termos em que o mesmo deve ser absolvido da prática do crime, sob pena de violação dos artigos 49.° e 50.° do Código de Processo Civil, o que comporta uma nulidade insanável, nos termos dos artigos 118.°, n.º1 e 119.°, al. b) deste diploma, e igualmente a inconstitucionalidade (Por violação dos artigos 202.°, 204.°, 205.°, n.º 1 e 3, 219.° n.º1 da CRP, que para todos os efeitos desde já se invoca).

  4. Estamos perante uma nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.°, n.º l , al, c), porquanto a ilegitimidade do Ministério Público para prosseguir com o processo é uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso (cf. art.º 311.°), que desde já, e para os legais efeitos, se invoca.

  5. Nestes termos, deve o arguido ser absolvido, porquanto não ter sido formulada queixa ou manifestada intenção de procedimento criminal contra si por parte de nenhum dos signatários do auto de notícia, o que importará a sua absolvição.

  6. O arguido é de nacionalidade alemã, não tendo recebido a acusação devidamente traduzida antes da audiência. Salvo respeito por melhor opinião, estamos perante um a nulidade prevista no artigo 120º, n.2, alínea c) do CPP; nesta sendo, o Tribunal da Relação de Coimbra afirma que «A notificação em língua portuguesa da acusação a arguido estrangeiro constitui a nulidade prevista no artigo 120, n.2, alínea c) do CPP.» (processo n.º 0513062, de 8-6¬2005). Esta nulidade foi invocada pelo arguido, conforme consta nos autos, e que ora se reitera.

  7. O arguido requereu, nos termos do artigo 340.° do CPP, que os dois militares voltassem a ser inquiridos, perante a contradição dos seus depoimentos com os das demais testemunhas, bem como com a prova documental apresentada, onde constava prova de ter sido feito um disparo.

  8. Conforme é afirmado no Acórdão n.º 171/2005 do Tribunal Constitucional, o poder de indeferir o requerimento feito ao abrigo do artigo 340.° do CPP de audição de uma testemunha terá sempre de ter em conta que não se violam as garantias de defesa do arguido; não tendo sido deferido o requerimento, pois as fotos juntas aos autos (invólucro de 9mm, que contraria só por si a versão apresentada pelos militares, bem como os testemunhos contraditórios), estamos perante uma inconstitucionalidade, que desde já se invoca, por violação directa do artigo 32.° da CRP.

  9. Na fundamentação de facto, apenas se encontram, basicamente, provados, os factos constantes dos pontos 1 a 6, em que resumidamente se dá como provado que o arguido, encontrando-se na sua propriedade, se dirigiu aos Guardas F e R e disse em português "propriedade privada, vão-se embora, são malucos", tendo dito em inglês "motherfuckers, e em português "filhos da puta, vou fazer com que percam o vosso trabalho"; e usou por mais duas vezes a expressão" malucos.

  10. Não ficou dado como provado que os militares se tenham sentido ofendidos na sua honra; de tal forma - reiteramos, que nem queixa apresentaram contra o arguido nem manifestaram qualquer intenção de procedimento criminal contra este.

    I) ElIen, testemunha dos acontecimentos, afirma que ouviu um tiro, e saiu para ver o que se passava, e depois do tiro, viu o arguido a fugir em direcção à propriedade; viram o arguido com os militares, perto do carro de patrulha; ouviram apenas o arguido a dizer que precisava de um advogado e que estava na sua propriedade; estariam a falar muito alto todos; o arguido parecia muito assustado; nunca ouviu o arguido insultar a polícia; - 5:30 minutos a 16:31 m da gravação do depoimento desta testemunha.

  11. Thor confirma que estava ao computador a trabalhar, e ouviu gritos e um tiro; depois viu o arguido a discutir alto com os militares já perto do carro patrulha; nunca ouviu o arguido insultar os militares em inglês; a única coisa que ouviu foi que estava na sua propriedade; nunca ouviu qualquer palavra ofensiva. 5:15 minutos a 12:45 minutos da gravação do depoimento desta testemunha.

  12. Pese embora as testemunhas percebam apenas inglês e não português, nunca ouviram a expressão "motherfucker" ou qualquer outra palavra ofensiva. Também nunca ouviram o arguido falar em português, que, pese embora não conheçam a língua, residindo frequentemente em Portugal estão familiarizados com a mesma, ao ponto de saber se o arguido estaria a usar expressões portuguesas (injuriosas ou não).

  13. Perante a prova produzida, e o conflito destas versões, sempre subsistirá a dúvida sobre a conduta que é aqui imputada ao arguido. Assim, deve-se ter sempre em conta o princípio in dubio pro reo, o que parece não ter acontecido.

    Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, e com o mui douto e sempre necessário suprimento de VV. Venerandas Ex.as, deve o presente recurso proceder e consequentemente:

  14. Absolver-se o arguido porquanto este ter sido condenado pela prática de dois crimes de injúria agravada, cuja natureza é semipúblico, porquanto no processo não foi feita qualquer queixa por parte dos signatários do auto de notícia nem em momento algum estes manifestaram a intenção de proceder criminalmente contra o arguido; b) Determinar, pelo exposto, a ilegitimidade do ministério Público em prosseguir com os autos; c) Declarar verificada a nulidade da sentença, pelos invocados vícios, substituindo-a por outra que absolva o arguido.” O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da confirmação da sentença.

    Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto pronunciou-se também no sentido da improcedência do recurso.

    Não houve resposta ao parecer, tendo o arguido juntado documentos a dar conhecimento de uma participação que fez à Amnistia Internacional.

    Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

    1. Na sentença, consideraram-se os seguintes factos provados: “1. O arguido, no dia 27.03.2016, por volta das 14 horas e 30 minutos, ao ver os Guardas da GNR F e R na propriedade sita em Sitio da Foupana, Moncarapacho, Olhão, dirigindo-se aos mesmos proferiu a seguinte expressão em português "propriedade privada, vão-se embora, são malucos".

    2. Seguidamente, o arguido proferiu as seguintes expressões, em inglês, dirigindo-se aos referidos Guardas da GNR, "motherfuckers, motherfuckers, I gona make you lose yourjobs", o que corresponde, feita a tradução para a língua portuguesa, às seguintes expressões "filhos da puta, filhos da puta, vou fazer com que vocês percam o vosso trabalho".

    3. Quando os Guardas da GNR já se encontravam junto ao veículo caracterizado onde se faziam transportar, o arguido dirigiu, ainda, aos referidos Guardas da GNR, por duas vezes, a expressão, em português, "malucos".

    4. O arguido conhecia a qualidade profissional dos Guardas da G.N.R., que se encontravam devidamente fardados e se faziam transportar em veículo caracterizado, sabendo, igualmente, que os mesmos se encontravam no exercício das suas funções.

    5. Não obstante, o arguido quis proferir as expressões narradas supra, agindo com a intenção e o propósito de os ofender nas suas honras, dignidades e considerações devidas, e na qualidade de Guardas da GNR, o que aconteceu.

    6. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a suas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei penal.

    7. O arguido vive e trabalha na Alemanha, onde exerce a profissão de advogado, e aufere a quantia mensal de € 1.200,00.

    8. O arguido é solteiro e não tem filhos.

    9. O arguido vive sozinho em casa arrendada e despende a...

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