Acórdão nº 1/11.3JAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução07 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO 1.

– Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo que correram termos na 2ª Secção criminal (J3) da Instância Central de Portimão da Comarca de Faro, foi pronunciado, na sequência de acusação do MP, A., casado, reformado, nascido a 11.01.1957, natural de M, por se indiciar suficientemente a prática, em autoria material e em concurso real, de: - sete crimes de Peculato, na forma continuada, previstos e puníveis pelos artigos 375º, nº 1, 386º, 30º, nº 2 e 79º, nº 1, do Código Penal; e - quatro crimes de Falsificação de Documentos, na forma continuada, previstos e puníveis pelos artigos 256º, nº 1, als. a) e b) e nº 4, 255º, al. a), 30º, nº 2 e 79º, nº 1, do Código Penal.

  1. Município de M. constituiu-se Assistente e deduziu pedido de indemnização civil, peticionando a condenação do Arguido no pagamento do montante de € 387.785,60, correspondente à soma da quantia de € 332.774, 94, devida a título de capital e de € 82.239,89 a título de juros vencidos, acrescidos de juros vincendos à taxa moratória legal até efetivo e integral pagamento, a título de compensação pelos danos patrimoniais infligidos ao Assistente (fls. 1025 e ss.).

  2. - Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo decidiu: « a) Alterar a qualificação jurídica dos factos e condenar o Arguido A. pela prática de: - 7 (sete) crimes de Peculato, sendo seis na forma continuada, previstos e puníveis pelos artigos 20º, nº 1 da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, 30º, nº 2 e 79º, nº 1 do Código Penal, nas penas de 3 anos e 6 meses de prisão e 90 dias de multa por cada um dos mesmo; e - 4 (quatro) crimes de Falsificação de Documentos (três dos quais na forma continuada) previstos e puníveis pelos artigos 256º, nº 1, al. a), b) e e) e 255º, al. a) do Código Penal, agravada nos termos do disposto no artigo 5º da mesma Lei nº 34/87, de 16 de Julho, nas penas de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um destes crimes; b) Fazer o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao Arguido e condená-lo na pena única de 5 (cinco) anos de prisão e de 500 (quinhentos) dias de multa à taxa diária de € 12,00 (doze euros), o que perfaz o total de € 6.000,00, a que correspondem 333 (trezentos e trinta e três) dias de prisão subsidiária; c) Suspender a execução da pena única de prisão de 5 anos por igual período de tempo, sob condição do Arguido proceder ao pagamento da quantia arbitrada a título de indemnização ao Município de M., no prazo de 4 anos, devendo fazer prova nos autos; (…) e) Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Demandante Município de M, e consequentemente condenar o Demandado A. a pagar a quantia total de € 332.774,94 (trezentos e trinta e dois mil, setecentos e setenta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da prática dos factos ilícitos respectivos e até integral pagamento; 4.

    – Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: «1. A rejeição pelo recorrente do teor do Acórdão recorrido assenta na presença no próprio texto de elementos que por si ou conjugados com as regras da experiência são inconciliáveis e na errada subsunção dos factos provados ao direito aplicável.

  3. Ocorre a contradição insanável a que se refere a alínea b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir.

  4. No Acórdão recorrido são considerados provados factos que são incompatíveis entre si: 4. Assim, escreveu-se nos pontos 18 e 19 que o arguido “(…) formou o propósito de fazer seus valores pertencentes ao Município de M, fazendo uso das sobreditas faturas já liquidadas, as quais colocou de novo a pagamento”, sendo que renovou tal propósito nos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009, colocando repetidamente as mesmas faturas a pagamento como se descreve: (…) 5. Segue-se um quadro descritivo onde surgem, de um lado, diversas ordens de pagamento, as respetivas datas, a identificação das faturas repetidas pagas através dessas ordens de pagamento e, de outro lado, o número de identificação dos cheques que as pagaram, respetivas datas e valores.

  5. Da leitura deste quadro, conjugada com a matéria vertida nos factos 30 a 33 dos factos provados, resulta claro que ao arguido ficou provado que a este foram entregues as quantias constantes daqueles cheques.

  6. Montantes estes cuja soma aritmética é de 335.661,00 € (trezentos e trinta e cinco milhares seiscentos e sessenta e um euros).

  7. No entanto, da leitura do quadro transcrito no ponto 34 dos factos provados e ainda do ponto 35 resulta claro que o tribunal deu como provado que o arguido, relativamente às faturas se apropriou afinal “(…) de, pelo menos, 305.545,71€ (trezentos e cinco mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e setenta e um cêntimos), tendo integrado esse montante no seu património.

  8. Contudo, ou o recorrente é condenado por ter obtido para si os valores dos cheques ou então o tribunal tinha de explicar porque é que dá como provada a apropriação de um montante diferente que não corresponde à sua soma aritmética.

  9. O tribunal nada diz sobre esta incompatibilidade e dá como provado que o recorrente recebeu o dinheiro proveniente dos cheques mas também que esse dinheiro ascendeu “(…) pelo menos, a 305.545,71 (trezentos e cinco mil, quinhentos e quarenta e cinco euros e um cêntimo), tendo integrado esse montante no seu património.” 11. Montante a que apela posteriormente no ponto 42 ao somá-lo com o montante do ponto 38.

  10. Estes dois factos, conjugados com os restantes já referidos são incompatíveis ou inconciliáveis entre si.

  11. Acresce que nenhum dos valores inscritos nos cheques identificados no quadro transcrito no ponto 19 dos factos provados corresponde à exata soma das faturas por pagamento repetido de que o recorrente foi acusado e condenado.

  12. Vejamos: - O cheque n.º 1586421273 foi sacado no valor de 20.000,00 €, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 1981 e 1982 que sustentam o cheque somam apenas 19.566,31; - O cheque n.º 2723408358 foi sacado no valor de 20.000,00 €, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 2830 que sustenta o cheque somam apenas 18.338,51€; - O cheque n.º 43300947897 foi sacado no valor de 15.000,00 €, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 3329 e 3330 que sustentam o cheque somam apenas 12.810,45 €; - O cheque n.º 8348710500 foi sacado no valor de 17.500,00 €, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 2005 que sustenta o cheque somam 17624,16 €; - O cheque n.º 6548710502 foi sacado no valor de 5.000,00, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 2190 e 2191 que sustentam o cheque somam apenas 4.809,78 €; - O cheque n.º 3848710505 foi sacado no valor de 15.000,00 €, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 2797 que sustenta o cheque somam 15.581,15 €; - O cheque n.º 7248710512 foi sacado no valor de 25.000,00 €, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 1284 que sustenta o cheque somam apenas 12.801,89 €; - O cheque n.º 6348710513 foi sacado no valor de 9.800,00 €, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 1514 somam apenas 4.891,16 €; - O cheque n.º 4548710515 foi sacado no valor de 24.000,00 €, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 2617 e 2618 somam 24.829,00 €; - O cheque n.º 9748710520 foi sacado no valor de 25.000,00 €, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 2964 e 2965 somam 25.503,96 € - O cheque n.º 1648710529 foi sacado no valor de 32.800,00, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 564 somam 25.099,48 € - O cheque n.º 5948710535 foi sacado no valor de 25.000,00, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 1799 e 1800 somam 25.603,97 - O cheque n.º 0548710541 foi sacado no valor de 20.000,00, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 2815 e 2816, somam apenas 19.318,99; - O cheque n.º 0348710552 foi sacado no valor de 25.420,00, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 2180 e 2181 somam 22.968,18 - O cheque n.º 1948710561 foi sacado no valor de 28.270,00, mas as faturas de suporte da ordem de pagamento 510 somam apenas o valor de 17.396,00; - O cheque n.º 7148710566 foi sacado no valor de 27.871,00, mas as faturas de suporte das ordens de pagamento 1983, 1984 e 1985 somam apenas 26.349,88; 15. Estas diferenças de valores bem patentes no elenco dos factos provados e sem necessidade de recurso a qualquer meio de prova mostram que de acordo com o critério de um homem médio e as regras da experiência comum as funcionárias da contabilidade tanto emitiram cheques com valores inferiores ou muito superiores à soma das faturas que em cada momento a acusação e o tribunal afirma terem sido pagas repetidamente através desses meios.

  13. Ora, uma coisa é assinar cheques para pagar faturas ainda que falsificadas nas suas datas e valores, mas na ignorância desse facto outra é emiti-los sem que estes encontrem suporte integral nos documentos apresentados para justificar a emissão dos respetivos cheques.

  14. Os factos que resultam do quadro vertido no ponto 19 do rol são também inconciliáveis com o facto dado como provado de que o arguido informou sempre a tesoureira e a assistente técnica de que necessitava de prover ao pagamento ao fornecedor das mencionadas quantias em numerário, pois como vimos os valores não são coincidentes – cf. ponto 29; 18. Assinala ainda em sede de fundamentação o Acórdão nos factos provados sob o já identificado ponto 42 que o arguido fez seus, ao menos, 332.744,94 euros.

  15. Para tanto, em sede de exposição da motivação da matéria de facto afirma o tribunal que nos resta “(…) pois, a coincidência dos valores que o arguido admite ter desviado da Câmara Municipal com os valores depositados nas contas por si...

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