Acórdão nº 298/14.7TTFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJOÃO NUNES
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 298/14.7TTFAR.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório BB, devidamente identificado nos autos, após infrutífera tentativa de conciliação, intentou, no extinto Tribunal do Trabalho de Faro, a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra CC – Companhia de Seguros, S.A., também identificada nos autos, pedindo a condenação desta a pagar-lhe: a) uma pensão anual e vitalícia, a título de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, no montante de € 5.600,00, ou, subsidiariamente, uma pensão anual e vitalícia a título de indemnização por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, no montante de € 4.900,00; b) o montante de € 5.533,70, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente; c) um subsídio a título de adaptação da habitação, a liquidar posteriormente; d) a quantia de € 56,00, relativa a deslocações ao tribunal.

Alegou para o efeito, muito em síntese, que no dia 23 de Setembro de 2013, quando exercia as funções de motorista ao serviço de DD, Lda. – mediante a retribuição mensal de € 500,00, acrescida da quantia diária de € 5,00 a título de subsídio de alimentação, por cada de trabalho efectivamente prestado – e efectuava a descarga de materiais que se encontravam na báscula do camião, recorreu à grua incorporada no mesmo e quando se encontrava a manobrar esta ocorreu uma descarga eléctrica proveniente dos cabos eléctricos de média tensão que atravessavam aquele local, o que lhe provocou lesões e sequelas várias que lhe determinaram incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho ou, caso assim se não entenda, incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

Acrescentou que o acidente deve ser qualificado como de trabalho e, uma vez que a empregadora havia transferido a responsabilidade infortunística para a Ré seguradora, esta responsabilizada pela reparação do mesmo.

Em contestação, a Ré seguradora alegou, em suma, que o Autor era gerente da tomadora do seguro DD, Lda., que procedia à descarga de materiais em obra e que o acidente ocorreu porque o Autor ao movimentar a grua incorporada no veículo e respectivo cabo de aço pendente da sua extremidade fez com que estes se aproximassem dos fios condutores da linha eléctrica de média tensão, invadindo o espaço envolvente interdito e chegando os mesmos a entrar em contacto directo com um dos condutores, provocando um arco eléctrico entre esse condutor e a grua, vindo este a ser atingido por uma descarga eléctrica.

Acrescentou que o Autor não procedeu, nem outrem por si, à avaliação dos riscos envolvidos na descarga das paletes de tijolos nem comunicou a realização dos trabalhos à EDP distribuição para que esta pudesse definir a forma como deveria decorrer a descarga dos materiais em obra, pelo que o acidente se ficou a dever a comportamento negligente do sinistrado, que violou, sem causa justificativa, condições de segurança básicas legalmente estabelecidas.

Por fim afirmou discordar da avaliação da incapacidade efectuada ao Autor na fase conciliatória do processo e pugnou pela improcedência da acção, por descaracterização do acidente ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (doravante também designada LAT).

Foi elaborado despacho saneador stricto sensu, consignados os factos assentes, bem como a base instrutória, tendo esta sido objecto de reclamação, mas sem êxito, por parte da Ré.

Foi desdobrado o processo para fixação de incapacidade, tendo no apenso sido determinado em 29-10-2015, em conformidade com o parecer unânime dos exmos. peritos que intervieram na junta médica, que “O Autor sofreu período de incapacidade temporária absoluta entre 23 de Setembro de 2013 até 28.05.2014, ficando, após a data da alta, com um[a] IPP de 84%”.

Isto quando, note-se, na referida junta médica e em resposta a um dos quesitos (n.º 8) os exmos. peritos concluíram que o Autor/sinistrado se encontrava com incapacidade permanente absoluta para o trabalho de motorista.

Entretanto, com fundamento na factualidade já considerada assente e por estar em causa a determinação da entidade responsável, tendo em conta o disposto no artigo 127.º do Código de Processo do Trabalho, foi chamada a intervir na acção a entidade empregadora do sinistrado, DD, Lda.

Na sequência, esta nada disse nem juntou quaisquer elementos.

Procedeu-se à realização da audiência final em 16-09-2016 (fls. 359-363), que prosseguiu em 27-09-2016, aqui com resposta à matéria de facto e motivação da mesma (fls. 365-370) e em 27-10-2016 foi proferida sentença, que julgou a acção procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor: «Nestes termos e por tudo o exposto, julga-se procedente a presente acção e, em consequência: A) Declaro que o acidente descrito nos autos é acidente de trabalho e que as lesões sofridas pelo A. BB foram consequência directa e necessária de tal acidente, condenando ambas as Rés a reconhecerem esse facto; B) Declaro que à data do acidente de trabalho a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho se encontrava validamente transferida para a Ré Seguradora, pelo salário anual auferido pelo sinistrado de € 7.000,00; C) Que o acidente de trabalho resultou como consequência directa e necessária da falta de observância por parte da Ré DD, Ldª. de regras sobre a segurança no trabalho; D) Condeno a Ré DD a pagar ao A. BB a pensão anual e vitalícia de € 7.815,92 (sete mil oitocentos e quinze euros e noventa e dois cêntimos) devida desde o dia 29 de Maio de 2014 (dia seguinte ao da alta), paga mensal e adiantadamente até ao dia 03 de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 daquela, acrescida de mais uma prestação nos meses de Maio e Novembro, a título de subsídios de férias e de natal, respectivamente, devendo o pagamento das vencidas ocorrer com o da primeira que entretanto se vencer; o montante de € 5.268,06 (cinco mil duzentos e sessenta e oito euros e seis cêntimos) a título de subsidio por situação de elevada incapacidade permanente; o montante de € 56,00 (cinquenta e seis euros), a título de despesas de deslocação, acrescidos de juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento, sendo este último montante a partir do último acto obrigatório (13.01.2015); E) Condeno a Ré DD, Lda a pagar ao A. o montante das despesas suportadas com a readaptação de habitação a liquidar em execução de sentença.

F) Determino que a Ré CC – Companhia de Seguros, S.A. satisfaça o pagamento dos montantes arbitrados aos Autor BB, caso o pagamento não seja satisfeito pela Ré DD, Ldª., sem prejuízo do direito de regresso.

Custas pelas RR. na proporção de 82% da responsabilidade da primeira R. (seguradora) e 18% da responsabilidade da segunda R..

Registe e notifique».

Inconformadas com o assim decidido, quer a Ré seguradora quer a chamada empregadora DD, Lda., vieram interpor recurso.

Para o efeito, a Ré seguradora terminou as alegações mediante a formulação das seguintes conclusões, após correcção das mesmas: (…) TERMOS EM QUE, 1. DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA POR ACÓRDÃO DESTE VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO QUE DECRETE A MODIFICAÇÃO DAS RESPOSTAS DADAS À MATÉRIA DE FACTO CONFORME EXPOSTO, A DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE DOS AUTOS COMO DE TRABALHO, POR FORÇA DO DISPOSTO NAS ALÍNEAS A) E B) DO Nº 1, DO ARTIGO 14º, DO DECRETO-LEI Nº 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO E, CONSEQUENTEMENTE, A ABSOLVIÇÃO DAS DEMANDADAS E, EM PARTICULAR, DA CC – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. DOS PEDIDOS CONTRA SI DEDUZIDOS PELO A. BB.

  1. SEM CONCEDER, DEVEM SER RECTIFICADOS OS VALORES DA PENSÃO DECRETADA E AS PERCENTAGENS DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA E DA EMPREGADORA, CONFORMA EXPOSTO.

    ASSIM SE DECIDINDO, SE FARÁ JUSTIÇA!».

    Por sua vez, a entidade empregadora terminou as alegações do recurso que apresentou mediante a formulação das seguintes conclusões: (…) Termos em que, V. Excias. concedendo provimento ao recurso da Recorrente e substituindo a decisão do tribunal a quo por outra que condene a recorrida seguradora como única responsável pelo pagamento total das indemnizações, compensações, subsídios e pensões devidas ao Recorrido trabalhador, farão como sempre B O A J U S T I Ç A!».

    A recorrente seguradora respondeu ao recurso da empregadora, a pugnar pela sua improcedência, e o Autor respondeu ao recurso da seguradora, também a pugnar pela sua improcedência.

    Os recursos foram admitidos na 1.ª instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    Remetidos os autos a este tribunal e aqui recebidos, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido da improcedência dos recursos, acrescentando, contudo, que na avaliação da incapacidade do Autor/sinistrado deve aplicar-se o factor de bonificação de 1,5, uma vez que o mesmo tinha à data do acidente mais de 50 anos de idade.

    Ao referido parecer respondeu a seguradora, a manifestar a sua discordância, designadamente quanto à aplicação do referido factor de bonificação.

    Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, com remessa de projecto de acórdão aos exmos juízes adjuntos, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    1. Objecto do recurso Como é consabido o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 635.º, n.ºs 3 e 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).

    Assim, tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, são as seguintes as questões essenciais a decidir: 1. do recurso da Ré seguradora: (i) saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto; (ii) saber se o acidente deve ser descaracterizado...

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