Acórdão nº 72/15.3 JASTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO CONDESSO
Data da Resolução16 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Decisão sumária I- Relatório AB foi absolvido da prática de 539 crimes de pornografia de menores agravados p. e p. pelo artigo 176º, nº. 1, al. d) e 177º, nº. 7, do Código Penal.

Mais, foi absolvido da prática dos 437 crimes de pornografia de menores p. e p. pelo artigo 176º, nº 4, do Código Penal (em virtude da subsunção da respectiva conduta à figura do crime de trato sucessivo).

Sendo condenado pela prática de um crime de pornografia de menores p. e p. pelo artigo 176º, nº 4, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 ano, sob as seguintes condições: 1- obrigação de entregar a uma Instituição de Solidariedade Social à sua escolha, preferencialmente vocacionada para a protecção de crianças e jovens, a quantia de € 1.500,00, devendo comprová-lo nos autos no prazo máximo de 3 meses, a contar do trânsito em julgado do acórdão; 2- submeter-se a acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, no âmbito da sexologia, juntando aos autos, no prazo de dois meses após o trânsito em julgado do acórdão, documento comprovativo.

Inconformado veio o MP interpor recurso, terminando com as seguintes conclusões: 1- O Ministério Público proferiu despacho de acusação contra o arguido AB imputando-lhe à final a prática dos seguintes crimes: -- 438 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo arts. 176° nº 4 do Código Penal, a que corresponde atualmente ao nº5 na redação dada pela Lei nº103/2015 de 24 de Fevereiro; -- 539 crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelos arts. 176° nº1 al. d) e 177º nº7 do Código Penal.

2- Na douta decisão proferida, entendeu o douto Tribunal a quo Absolver o arguido AB da prática de 539 crimes de pornografia de menores agravados p.p. pelo art. 176º nº1 al. ad) e 177º nº7, do Código Penal; Absolver, ainda, o arguido da prática de 437 crimes de pornografia de menores p.p. pelo art. 176º nº4 do Código Penal (em virtude da subsunção da conduta do arguido à figura de trato sucessivo); Condenar o arguido AB pela prática de um crime de pornografia de menores previsto e punido pelo artigo 176.º n.º 4 do Código Penal na pena de 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

3- Entendeu aquele douto Tribunal, entre o mais, que se colocava a questão de “... saber se a conduta do arguido é subsumível à figura do concurso de crimes (tal como é imputado na acusação), ou do crime continuado, ou se estamos perante um crime único de trato sucessivo.” 4- O douto Tribunal recorre à aplicação no caso em apreço à figura do crime exaurido ou de trato sucessivo porquanto “...neste domínio, dos crimes contra a autodeterminação sexual de menores, em certas situações, a subsunção ao crime de trato sucessivo, tratando-se esta de uma figura que não vem contemplada na lei, sendo caracterizada pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, como sendo um crime habitual, cuja consumação se prolonga no tempo por força da prática de uma multiplicidade de atos reiterados e sucessivos, cuja contagem não se mostra possível efetuar.(...) Acresce que não é possível a identificação das vítimas. “ 5- Salvo o devido respeito, por aquela douta decisão, que é muito, não podemos concordar quando ali se diz que o caso dos autos consubstancia uma situação típica de crime de trato sucessivo ou exaurido porquanto se reporta a uma “multiplicidade de atos reiterados e sucessivos, cuja contagem não se mostra possível efetuar”. A que acresce que não é possível a identificação das vítimas.

6- O Tribunal a quo deu como provado, entre o mais, que o arguido tinha na sua posse 977 ficheiros de pornografia de menores.

Assim, o tribunal a quo dá como provado que no seu computador o arguido detinha este número concreto de ficheiros, descriminados nas diferentes modalidade de detenção e partilha.

Pelo que, não pode o Ministério Público aceitar quando na douta decisão se conclui que “ a contagem não é possível efetuar”.

7- E, assim sendo, não pode, também, o Ministério Público concordar que o arguido seja punido apenas por um crime de detenção, nos moldes sustentados no douto Acórdão recorrido, pois no caso dos autos sabe-se, e foi dado como provado, quantos ficheiros o mesmo detinha. E a cada um destes corresponde um crime praticado pelo arguido.

8- Acresce que, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, também não assiste razão quando o douto Tribunal fundamenta a sua decisão alegando que não é possível a identificação das vítimas, porquanto a concreta identificação das vítimas não constitui elemento do tipo de pornografia de menores previsto e punido no art. 176º do Código Penal, bastando-se que os intervenientes sejam pessoas com idade inferior a 18 anos. – neste sentido Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 17.03.2015, Proc. Nº524/13.0JDlSB.E1, disponível em www.dgsi.pt 9- Sempre se dirá que a Jurisprudência invocada pelo douto Tribunal a quo – referida em cima sob o ponto III- para fundamentar a sua decisão, se reporta à prática do crime de abuso sexual de crianças, e não ao crime de pornografia de menores.

10- Neste sentido, entendemos que não havia necessidade de recorrer à figura jurídica do crime exaurido ou de trato sucessivo. Antes havendo que aplicar o disposto no art. 30º nº1 do Código Penal: o número de crimes determina-se pelo número de vezes que o mesmo crime foi cometido – 438 no caso do nº4 do art. 176º.

(Porquanto no que concerne à partilha, o douto Tribunal absolveu o arguido por considerar que existia falta de consciência da ilicitude).

11- Ao decidir como decidiu o douto Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do art. 30º nº1 do Código Penal, em violação do mesmo, e consequentemente quanto ao número de crimes pelos quais condenou o arguido, devendo condenar pelos 438 crimes, em concurso real, e não por 1 crime na forma exaurida.

Consequentemente, 12- Em face do que acima se deixou consignado e ponderando os factos na sua globalidade, afigura-se-nos que a pena aplicada ao arguido não reflete a censura que o comportamento do mesmo, e o número de crimes praticados, merece.

13- Ainda que o arguido não seja o “abusador” que surge nos ficheiros, a sua conduta não é menos censurável porque a verdade é que alimenta toda uma indústria de exploração sexual de crianças, não raras vezes associada ao sequestro e tráfico das mesmas para esse fim.

14- Os índices de prevenção geral pela prática deste ilícito – ainda que seja o de pornografia de menores (e não o de abuso em si) são elevadíssimos, causadores na comunidade de “choque” e insegurança “ (...) dada a forte e crescente censura desses comportamentos numa sociedade que se quer protetora da vulnerabilidade própria dos menores e dissuasora da fácil acessibilidade a conteúdos pornográficos a coberto do anonimato e do silêncio, da proliferação de atitudes tendencialmente pedófilas, da deterioração de valores e de cultura que potenciam…”.

– in Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 17.03.2015, Proc. Nº524/13.0JDlSB.E1, disponível em www.dgsi.pt 15- Mas no caso em apreço, de igual modo, as exigências de prevenção especial se revelam elevadas. O móbil do crime mais não é do que a satisfação dos instintos libidinosos do arguido e, pese embora, o arguido tenha algum apoio familiar, dos autos não resulta uma diminuição do risco de reincidência.

O arguido respondeu ao recurso pugnando pela respectiva improcedência.

Nesta Relação, o Exº PGA emitiu douto parecer no mesmo sentido da improcedência do recurso.

II- Fundamentação A- Factos Provados “1) No dia 16 de Março de 2015 o arguido AB entregou na loja “T…, PT”, sita na Av. Bento Gonçalves – Shopping Aranguez – Loja ---, em Setúbal um computador portátil da marca Toshiba, modelo Sattelite L750-1ME, com o número de série XB465451W, a fim de ser reparado, porquanto não ligava.

2) Para efeito da reparação foi elaborada a “Folha de Assistência” na qual JP, legal representante da supra referida loja, apôs o nome “M” e o número de telemóvel 96----, que lhe tinha sido indicado pelo arguido, e atribuiu o nº “540” à ordem de reparação em causa, colocando na base do computador um papel autocolante com o número “ OR540” inscrito, manualmente.

3) JP solicitou a MM que efetuasse a reparação, a quem fez a entrega do portátil.

4) Quando MM ligou o referido computador verificou que no Desktop (ambiente de trabalho) se encontrava uma pasta com o título “shared folder”. E ao verificar o seu conteúdo constatou a existência de inúmeros ficheiros de vídeo, sob o nome “porno infantil”. Ao aperceber-se dos títulos dos ficheiros dirigiu-se, de imediato, à Polícia Judiciária onde fez a entrega do mesmo e reportou o sucedido.

5) No dia 28 de Abril de 2015, em resultado da busca domiciliária realizada à residência do arguido, sita na Avenida das Descobertas, …., em Setúbal, foi aí encontrado e apreendido diverso material informático, pertença do arguido, com conteúdos multimédia de abuso sexual de crianças, menores de 14 anos, em atos explícitos de práticas sexuais, designadamente, um computador portátil de marca ASUS, modelo Sonic Masters, com o número de serie E7N0CV113507280 que se encontrava ligado e a fazer descarga de ficheiros, através da aplicação de partilha, na internet denominada BitComet, aplicação esta que estava configurada de modo a que se procedesse à partilha ilimitada de ficheiros com terceiros.

6) No computador aludido em 5), o arguido instalou, em data não concretamente apurada, mas anterior a 16.03.2015, um programa de partilha de ficheiros denominado “ARES” que funciona em sistema de rede Torrent peer to peer.

7) Servindo-se de tal programa, o arguido passou, então, a efetuar pesquisa na internet de ficheiros de imagem e vídeo, de natureza pornográfica e onde existissem intervenientes menores de idade.

8) Localizados que eram esses ficheiros, o arguido realizava o download dos mesmos, gravando-os na memória do computador ou em discos externos que possuía e possibilitando, através do programa referido supra, que terceiros...

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