Acórdão nº 437/14.8TBVRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO SOUSA E FARO
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I- RELATÓRIO V..., SA intentou acção declarativa de simples apreciação pedindo que se declare nulas as constituições de hipotecas a favor do Réu Banco..., S.A., agora Réu N…, S.A., sobre os prédios da Autora identificados na petição inicial e, consequentemente, ordene o cancelamento do registo de tais hipotecas.

Para tanto, alegou que tais hipotecas se destinaram a garantir contratos relativos a créditos e financiamentos concedidos pelo Banco Réu à única sócia da Autora – a sociedade Q..., S.A. –, e que tal oneração do seu património em benefício exclusivo da sua única sócia viola as regras sobre a capacidade de gozo das sociedades, previstas nos artigos 160º do Código Civil e 6º do Código das Sociedades Comerciais, já que não houve qualquer benefício para a Autora com tal oneração, nem existia relação de domínio ou de grupo e, caso existisse, a disposição sempre violaria a proibição ínsita no nº 4 do artigo 503º do Código das Sociedades Comerciais.

Concluiu que, pela violação de tais normas imperativas, a constituição de hipotecas sobre prédios seus, a favor do Banco Réu, para garantir créditos de que este banco é titular sobre a única sócia da Autora, é nula, pelo que as hipotecas devem ser declaradas nulas.

Citado, o Réu N..., S.A., contestou a acção, por excepção, suscitando a ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade processual por preterição de litisconsórcio necessário passivo, tendo a primeira sido apreciada no sentido da sua improcedência e a segunda resultado sanada pela intervenção em juízo da Q..., S.A.

Sustentou igualmente ser alheio à estrutura organizativa da Autora e da Interveniente Principal, não lhe cabendo aferir de tais relações, sendo um terceiro de boa-fé e devendo ser protegido como tal, para além de invocar a actuação com abuso de direito pela Autora que, no momento da constituição das referidas hipotecas, já tinha conhecimento da sua relação societária com a Interveniente e das eventuais limitações daí decorrentes.

Realizou-se audiência prévia na sequência da qual foi proferido despacho saneador sentença no qual se julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, se absolveu o N..., S.A., de todos os pedidos formulados pela V..., S.A.

  1. Dele apelou a Autora formulando as seguintes conclusões: A. Nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, “Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades (....)”; B. Seguem-se no texto desse normativo duas ressalvas a essa presunção: - a existência de um justificado interesse próprio da sociedade garante em incorrer, a título gratuito, responsabilidades por conta de outrem; e - o regime das sociedades em relação de domínio ou de grupo; C. Com base na presunção legal em contrário, e segundo as regras de distribuição do ónus da prova constantes do n.º 1 do artigo 344.º do Código Civil, competiria ao beneficiário da garantia (por maioria de razão se gratuita) invocar esse interesse próprio da sociedade garante; D. Em todo o caso, tal distribuição de ónus probatório só poderia ocorrer onde não fosse vedada essa prova – e em matéria de grupos de sociedades (em relação de domínio ou de grupo) há certos casos em que isso está vedado: E. Na verdade, do regime legal vigente decorre a existência de uma assimetria de responsabilidades entre sociedades dirigentes/dominantes e dirigidas/dominadas, sendo que as primeiras podem responder pelas dívidas das segundas, mas estas não podem responder por dívidas daquelas; F. No caso dos autos, a sociedade dominante poderia sem dúvida demonstrar um interesse próprio (mesmo que ficcionado) da sociedade dominada em lhe prestar garantias gratuitas, mas o regime legal não permite que esse padrão de relações se estabeleça; G. Certo é que a A. não tinha qualquer interesse – compatível com o seu escopo lucrativo – em conceder uma garantia a outrem, como a lei presume que não teria; H. Sendo isso, de resto, irrelevante, porquanto o regime legal aplicável às sociedades em relação de domínio ou grupo permite a responsabilização das sociedades dominantes pelas dívidas das dominadas, mas não o inverso; I. Seria inconstitucional qualquer interpretação das normas do n.º 3 do artigo 6.º do CSC e do n.º 1 do artigo 344.º do CC que admitisse a prestação de garantias de uma sociedade dominada em relação a dívidas de uma sociedade dominante – e ainda lhe impusesse a demonstração da inexistência de “um interesse justificado próprio da sociedade garante.” Termos em que, e nos mais de Direito, deve a decisão recorrida ser revogada no segmento objecto de recurso, declarando-se a nulidade das garantias prestadas a favor da sociedade dominante e, consequentemente, o cancelamento das hipotecas sobre o património da V…, SA, em benefício da Q…, SA.

    Assim se fazendo Justiça! 3. A apelada contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

  2. Dispensaram-se os vistos.

  3. O objecto do recurso - delimitado pelas conclusões da apelante – circunscreve-se às seguintes questões: se competiria ao beneficiário da garantia (Banco) invocar e provar a existência de interesse próprio da sociedade garante (a Autora) na sua prestação; se apenas as sociedades dominantes podem garantir as dívidas das sociedades dominadas e se a resposta negativa às antecedentes se revela inconstitucional.

    II- FUNDAMENTAÇÃO i) É a seguinte a factualidade provada que não foi posta em crise pela apelante: 1. A Autora V..., S.A. é uma sociedade comercial que tem o seguinte objecto: promoção, construção, manutenção, gestão e venda de empreendimentos turístico-imobiliários, nomeadamente de unidades hoteleiras e para-hoteleiras, de campos de golfe e outros complexos desportivos, a compra e venda de propriedades e a exploração de terrenos agrícolas.” 2. A Interveniente Q..., S.A. é uma sociedade comercial com seguinte objecto: promoção, construção, manutenção, gestão e venda de empreendimentos turísticos imobiliários, nomeadamente de unidades hoteleiras e para-hoteleiras, de campos de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT