Acórdão nº 1223/14.0TBEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelISABEL PEIXOTO IMAGIN
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 1223/14.0TBEVR.E1 ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I – As Partes e o Litígio Recorrente / Aurora: (…) Recorrido / Réu: (…) Trata-se de uma acção declarativa de condenação através da qual a Autora pretende obter a condenação do Réu a reconhecer a existência de uma situação de compropriedade relativamente à fracção autónoma designada pela letra “J” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (…), n.º (…), em Évora, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na CRP de Évora sob o n.º (…), da freguesia de Bacelo e ainda sob o veículo ligeiro de marca (…), com a matrícula (…), Opel, de matrícula (…), Nissan, de matrícula (…), Opel, de matrícula (…) Peugeot, de matrícula (…), compropriedade que assim deverá ser declarada, ou, em alternativa ser o Réu condenado a restituir à Autora metade do valor dos mencionados bens, em montante a liquidar em execução de sentença.

Invoca, para tanto, a aquisição dos mencionados bens com o esforço de ambos, na constância da união de facto entre as partes que veio a cessar, encontrando-se os referidos bens inscritos tão só em favor do Réu.

II – O Objecto do Recurso Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente, absolvendo o R dos pedidos.

Inconformada, a A apresentou-se a interpor recurso, pugnando pela revogação da decisão proferida, com vista à condenação do Réu no pedido. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos: «1. O presente recurso de apelação vem interposto da sentença proferida nos autos de processo comum que correram termos na Comarca de Évora - Instância Local Secção Cível - J2 sob o n.º 1223/14.0TBEVR, que absolveu o Réu dos pedidos formulados pela ora Apelante, seja no que se refere à existência de uma situação de compropriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra J do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua Dr. (…), n.º (…), em Évora, inscrito na matriz sob o artigo (…) e descrito na CRP de Évora sob o n.º (…), da freguesia de Bacelo e ainda sob o veículo de marca (…), com a matrícula (…), Opel, de matrícula (…), Nissan, de matrícula (…), Opel, de matrícula (…) e Peugeot, de matrícula (…), seja principalmente no que se refere à aplicação in casu do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473.º do cc), uma vez que os bens supra referidos foram sido adquiridos na constância da união de facto e suportados por ambos, embora se tenham mantido apenas na esfera patrimonial do Apelado; 2. Com efeito, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo" não só faz uma errada apreciação de toda a prova produzida nos autos – na medida em que os depoimentos prestados em julgamento (unicamente por testemunhas arroladas pela Apelante, além do seu próprio depoimento de parte) e demais prova impunham uma decisão diversa sobre a matéria de facto – como também aplica incorrectamente o direito – na medida em que, muito embora aflore o regime da compropriedade na situação de união de facto verificada e bem assim do instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473.º e seguintes do CC), não os aplica em toda a sua extensão, nomeadamente por, diga-se desde já erradamente, entender ter ficado por demonstrar que a Apelante tivesse contribuído com dinheiro seu, directamente (participando com dinheiro na sua concreta aquisição) e/ou participando genericamente na economia doméstica” (contribuindo mensalmente com alguma quantia não só para as despesas comuns e correntes mas igualmente para este tipo de aquisições)"; 3. Muito embora se aceite que o casamento e a união de facto se tratam de situações materialmente diferentes – pese embora a legislação que recentemente vem sendo publicada, principalmente a Lei n.º 7/2001, de 11.05; a Lei n.º 9/2010, de 31 de Maio e Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto – e o legislador ter mantido o regime da união de facto como realidade autónoma e distinta do casamento, a verdade é que a legislação portuguesa tem vindo a atribuir à convivência more uxorio cada vez mais efeitos, muitos destes semelhantes aos que são conferidos aos cônjuges. Não obstante, em nosso entender, não haver, neste âmbito, lugar a uma aplicação analógica do regime matrimonial (vedada por força do artigo 11.º do CC), já que este é constituído por algumas normas excepcionais como é o caso, designadamente, das normas em matéria de dívidas do casal; 4. Face ao vazio legislativo sobre esta matéria – e que, em nosso entender, justificaria uma intervenção legislativa – a doutrina e a jurisprudência têm analisado esta matéria, procurando encontrar soluções a partir do direito comum, na medida em que o legislador não ousou prever uma disciplina patrimonial especificamente aplicável à união de facto, originando, desta forma, um conjunto de incertezas nesta área, tão próspera em litígios, como se verifica no caso presente, e na maioria das situações em que em causa está o fim da comunhão de vida entre duas pessoas não unidas pelo matrimónio. Já que, este tipo de situações pressupõem, inevitavelmente, uma certa comunhão de esforços a nível económico (de bens e recursos) que impedem que haja uma completa cisão entre os patrimónios de cada um dos membros da união; 5. A atestar esta situação está claramente a abertura de contas bancárias cuja titularidade é repartida entre os membros da união de facto. A abertura desta (s) conta (s) conjunta (s) é mais uma forma de os unidos de facto, através do depósito de quantias provenientes do trabalho e não só (o caso de liberalidades por exemplo), criarem um património comum para fazer face aos encargos normais da comunhão de vida. E optando ambos pela modalidade de conta conjunta solidária (como é o caso dos presentes autos), qualquer um tem a faculdade de movimentar autonomamente os valores depositados, independentemente da propriedade dos mesmos (que tanto pode pertencer a ambos em quotas iguais ou diferentes ou pertencer exclusivamente a um deles). A prova da propriedade dos valores nosso entender e na falta de indicação em contrário, recair sobre eles a presunção de compropriedade prevista no n.º 2 do artigo 1403.º do CC.

Pondo isto, poder-se-á concluir, como o vêm fazendo a doutrina e a jurisprudência, ficarem subordinadas ao regime geral das relações obrigacionais e reais as relações patrimoniais entre os conviventes; 6. De facto, tal como foi já sublinhado pelo TRL (Ac. TRL de 29.11.2012), o desenrolar de uma união de facto pode implicar a constituição de um património resultante do esforço comum; atendendo à contribuição de ambos os conviventes e à realização de despesas comuns à custa do sacrifício de ambos os patrimónios, individualmente considerados ou o incremento de um dos patrimónios individuais à custa quer do património adquirido pelo esforço comum, quer do património do outro companheiro. Que é precisamente o caso dos presentes autos; Com efeito, como sucede no caso em apreço e em muitos similares, apenas o Apelante consta no título de aquisição dos bens (imóvel e veículos) em discussão, situação que até se percebe face às particularidades de uma vivência em comum. No entanto, pode acontecer que, como é o caso, o bem (ou bens) tenha (m) sido adquirido (s) em compropriedade pois ambos os conviventes contribuíram para a aquisição do (s) mesmo (s) – quer através de uma participação directa de ambos no pagamento do preço, nomeadamente e como é o caso dos autos! através de uma conta conjunta, quer indirectamente através da contribuição prestada ao casal por aquele que renunciou à vida profissional ou a parte dela em detrimento da vida em comum (trabalho doméstico! prestação de cuidados aos filhos, etc.) – mas, no plano jurídico, apenas um deles consta no titulo aquisitivo como proprietário do bem; 7. Entendemos, aliás na esteira da jurisprudência hoje dominante (cfr. Ac. do TRP de 28.09.2009, Ac. STJ de 10.08.1992) que, durante a vigência da união de facto os bens adquiridos pelos conviventes serão próprios ou comuns, consoante tenham sido adquiridos apenas com o contributo de um ou com o contributo de ambos os conviventes, ou seja, através do esforço de ambos. O TRP entendeu que todos os bens adquiridos na vigência da união de facto se presumiam adquiridos com o esforço comum, sendo, o critério relevante, o da aquisição dos bens durante a vida em comum. Conclui o TRP que a solução aplicável em matéria de titularidade e divisão de bens se aproxima daquela que serve o regime de separação de bens no casamento, já que estamos apenas e só na presença de bens próprios ou de bens em compropriedade; 8. Como bem refere o Tribunal "a quo" na sentença de que se recorre, são pressupostos do enriquecimento sem causa: A existência dum enriquecimento; Obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; Ausência de causa justificativa para o enriquecimento; 9. A “ausência de causa justificativa é o conceito mais indeterminado" (Ac. STJ de 02.07.2009) no seio deste instituto sendo certo que a jurisprudência maioritária tem entendido que a união de facto é uma verdadeira causa justificativa da criação de um património adquirido através do esforço comum de ambos os conviventes, no âmbito da comunhão de vida.

Refere Menezes Cordeiro (2010: 274-275) que a jurisprudência tem encarado a cessação da união de facto como fundamento para a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, na modalidade de ti causa finita" ou seja, de um enriquecimento em virtude de uma causa que deixou de existir, considerando que “tudo o que tenha sido prestado, no contexto de uma união de facto, deve ser restituído quando esta acabe, caso venha a provocar um enriquecimento de um dos ex-parceiros, à custa do outro". Como sucede precisamente no caso dos presentes autos como se demonstrará à saciedade; 10. Articulando o caso dos presentes autos com os pressupostos do enriquecimento sem causa, importa referir que a existência de uma só conta conjunta solidária em nome de Apelante e Apelado (Facto Provado...

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