Acórdão nº 341/15.2JAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, com o nº 341/15.2JAFAR, da Comarca de Beja (Beja - Instância Central - Secção Cível e Criminal - Juiz 3), o arguido LR foi acusado da prática, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 72º, 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. j), todos do Código Penal, com a agravação prevista nos nºs 3 e 4 do artigo 86º da Lei nº 5/2006, de 23/02, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 3º, nº 6, e 86º, nºs 1, al. c), e 2, da Lei nº 5/2006, de 23/02.

PC constituiu-se assistente nos autos, e, além disso, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a condenação deste no pagamento, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, da quantia total de € 72.248,11 (setenta e dois mil duzentos e quarenta e oito euros e onze cêntimos), acrescida de juros, e ainda no pagamento dos danos futuros, a liquidar em execução de sentença.

A Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE (ULSBA), deduziu pedido de reembolso das despesas geradas com a assistência hospitalar prestada a PC, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de € 9.088,97 (nove mil e oitenta e oito euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferido pertinente acórdão, onde se decidiu: “A – Parte Penal: - Absolver o Arguido LR da prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, n.º1, 132.º, n.º 1 e 2 al. j) e art. 22.º, 23.º e 26.º do Código Penal e 86º nºs. 3 e 4 da Lei 5/2006, de 24 de Fevereiro; - Condenar o Arguido pela prática de um crime de homicídio simples na forma tentada, agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, n.º 1, 132.º, n.º 1 e 2 al. j) e art. 22.º, 23.º e 26.º do Código Penal e 86º nºs 3 e 4 da Lei 5/2006, de 24 de Fevereiro, na pena de 8 (oito) anos de prisão; - Condenar o Arguido, em concurso efetivo, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, nº 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, na pena de 2 (dois) anos de prisão; - Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o Arguido LR na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

- Manter o Arguido LR a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, consignando-se que o mesmo se encontra ininterruptamente nessa situação desde 31 de Outubro de 2015; - Condenar o Arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

- Consignar que não foram remetidos a este Tribunal, aquando da distribuição, quaisquer objetos a que cumpra dar destino.

B – Parte Civil: 1 - Julgar parcialmente procedente o pedido deduzido pela Assistente PC e, em consequência, - Condenar o Arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 1.348,11 (mil trezentos e quarenta e oito euros e onze cêntimos) a título de danos patrimoniais emergentes, a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação do demandado para contestar até integral pagamento; - Condenar o Arguido/demandado a pagar-lhe o que se vier a apurar em sede de liquidação quanto a danos patrimoniais futuros com despesas relativas a assistência médica e medicamentosa relacionada com as sequelas de que aquela ficou a padecer em consequência da sua atuação; - Condenar o Arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a presente data até integral pagamento; - Absolver o Arguido/demandado do demais peticionado; - Condenar demandante e demandado nas custas do enxerto cível, na proporção do vencido.

2 - Julgar totalmente procedente o pedido de reembolso deduzido pela ULSBA e, em consequência, condenar o Arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de € 9.088,97 (nove mil e oitenta e oito euros e noventa e sete cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação do demandado para contestar até integral pagamento; Condenar o demandado nas custas do enxerto cível”.

Inconformado com essa decisão, dela interpôs recurso o arguido, terminando a correspondente motivação com as seguintes conclusões: 1ª - O arguido foi condenado como autor de um crime de homicídio simples, pelo que não faz sentido a referência que é feita, no dipositivo do acórdão condenatório, ao artigo 132º do Código Penal, tratando-se de manifesto erro de escrita, que deve ser retificado.

  1. - O acórdão condenatório enferma de nulidade, por ter levado a cabo uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, e, bem assim, uma alteração da qualificação jurídica, sem as ter comunicado previamente ao arguido, conforme disposto no artigo 358º, nº 1, parte final, e nº 3, do C. P. Penal.

  2. - Com efeito, o arguido foi acusado da prática de um crime de homicídio qualificado (na forma tentada), e foi condenado pela prática de um crime de homicídio simples (também na forma tentada).

  3. - Tal alteração resultou da circunstância de o tribunal ter entendido que o arguido atuou com imputabilidade diminuída, o que levou à desqualificação do crime (de homicídio qualificado para homicídio simples - ambos na forma tentada -).

  4. - Esse circunstancialismo (a imputabilidade diminuída) não consta da acusação e resultou da discussão da causa.

  5. - E o mesmo configura uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação.

  6. - Ora, não foi comunicada ao arguido tal alteração, por forma a cumprir o disposto no artigo 358º, nºs 1 e 3, do C. P. Penal.

  7. - Ao não comunicar ao arguido essa alteração, o tribunal incorreu na nulidade do julgamento e do acórdão, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. b), do C. P. Penal.

  8. - Por isso, deve declara-se nulo o acórdão recorrido, ordenando-se a remessa dos autos à primeira instância para, aí, ser dado cumprimento ao preceituado no artigo 358º, nºs 1 e 3, do C. P. Penal.

  9. - No acórdão recorrido valoraram-se, irrestritamente, as declarações do arguido que foram prestadas no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em detrimento das declarações prestadas pelo arguido em audiência de discussão e julgamento, sem que tivessem sido lidas ao arguido as suas declarações (prestadas no primeiro interrogatório), ou sem que se tenha justificado a razão de tal leitura, ou sem se ter feito constar a mesma da ata da audiência.

  10. - As declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial de arguido detido, perante o juiz de instrução, apenas podem ser valoradas em audiência se entre as mesmas e as prestadas em audiência existirem contradições, que não possam ser sanadas de outro modo, ou se o arguido se recusar a falar.

  11. - Além disso, as declarações do arguido, prestadas no primeiro interrogatório, têm de ser lidas e/ou reproduzidas na audiência de discussão e julgamento, tudo ficando a constar da ata respetiva, nos termos do disposto no artigo 356º, nº 9, por remissão do artigo 357º, nº 3, ambos do C. P. Penal.

  12. - Acresce que o artigo 355º do C. P. Penal, sob a epígrafe “proibição de valoração de provas”, proíbe a valoração em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, de quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência, exceto aquelas cuja leitura ou visualização seja permitida nos termos do disposto no artigo 356º do C. P. Penal, e, no caso das declarações do arguido prestadas em inquérito, nos termos do disposto no artigo 357º do mesmo diploma legal.

  13. - Ora, perante o que vem de dizer-se, verifica-se que o tribunal utilizou um meio de prova nulo, porquanto não permitido, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 125º, 355º, 141º, 356º, nº 9, e 357º, nº 3, todos do C. P. Penal.

  14. - E, por isso, sendo nula a valoração que foi feita das declarações prestadas pelo arguido no primeiro interrogatório judicial, o acórdão recorrido tem de ser declarado nulo, nos termos do preceituado nos artigos 122º, nº 1, 355º e 357º, todos do C. P. Penal.

  15. - O acórdão recorrido refere que o disparo foi efetuado a algumas dezenas de metros da vítima, não esclarecendo a quantas dezenas, o que não é indiferente para aferir da letalidade do meio usado na prática do crime, e, consequentemente, para aferir da intenção de matar, e, por via disso, para aquilatar da tipificação do ilícito criminal praticado.

  16. - A testemunha HB, inspetor da P.J., afirmou, em audiência de discussão e julgamento, que a distância a que foi efetuado o disparo só poderia ser determinada, com rigor, através do recurso a testes com a arma utilizada, testes que não foram efetuados.

  17. - A arma do crime foi apreendida, pelo que o tribunal poderia, através da realização de perícia, concluir pela distância a que o tiro foi disparado, o que não foi feito.

  18. - Estamos, por conseguinte, perante uma insuficiência da matéria de facto provada com relevância para a decisão, não sendo indiferente, para aferir da intenção do arguido, e, consequentemente, para a qualificação jurídica dos factos, saber a que distância o disparo foi feito, o que não se sabe.

  19. - O tribunal deslocou-se ao local dos factos, onde pôde verificar o sítio onde se encontravam marcados os impactos de chumbos na parede da casa da assistente.

  20. - Ora, apesar dessa inspeção ao local, não se sabe a que distância (da vítima) disparou o arguido.

  21. - Também não se sabe, porque não consta do acórdão, onde e quantos dos projéteis atingiram a parede da casa da assistente.

  22. - Estes factos não constam do acórdão, embora tenham sido objeto de prova, o que gera a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nºs 1 e 2, do C. P. Penal).

  23. - Acresce que, é ainda relevante a determinação do estado psíquico do arguido no...

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