Acórdão nº 2336/15.7T9FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos autos de inquérito com o número em epígrafe, que correu termos nos Serviços do Ministério Público da Comarca de Faro, AA, notificado do despacho de arquivamento e admitido a intervir como assistente, requereu a abertura de instrução, ao abrigo do art. 287.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP).

Por despacho proferido pelo Exmo. Juiz da Secção de Instrução Criminal da Instância Central de Portimão, Comarca de Faro, decidiu-se rejeitar, por legalmente inadmissível, o requerimento de abertura da instrução.

Inconformado com a decisão, o assistente interpôs recurso, formulando as conclusões:

  1. O requerimento de abertura de instrução somente poderá vir a ser rejeitado por extemporâneo, incompetência do juiz ou inadmissibilidade legal da instrução (artigo 287.º n.º 3 do CPP).

  2. O despacho recorrido rejeita o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal.

  3. A rejeição por inadmissibilidade legal, reporta-se aos casos em que aos factos não corresponde infração criminal, ou seja, casos de falta de tipicidade, de existência de obstáculo impeditivo de procedimento criminal e de abertura de instrução, como por exemplo a ilegitimidade do requerente ou os casos relativos a crimes particulares e processos especiais, como bem é explicitado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, Almedina, pág. 445.

  4. No caso vertente tal não acontece, nada justificando o despacho recorrido.

  5. Com efeito, a decisão do tribunal a quo viola diretamente o disposto no n.º 3 do artigo 287.º do CPP.

  6. Caso alguma imprecisão existisse - o que não é o caso -, a cominação aplicável seria a prevista no artigo 123.º, n.º 2 do CPP, ou seja, deveria ser ordenada oficiosamente o seu aperfeiçoamento.

  7. Como facilmente se observa no requerimento apresentado pelo Assistente, estão descritos factos passíveis de incriminação.

  8. É ainda demonstrado no requerimento de abertura de instrução, a errónea interpretação e aplicação da lei, bem como a necessidade de proceder a mais diligências probatórias, para determinar com exatidão a punibilidade da conduta dos arguidos.

  9. O entendimento perfilhado no despacho de que ora se recorre, ao considerar que o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º, ex vi, n.º 2 do artigo 287.º, do CPP, exige aos assistentes, especificação cristalina da factualidade que justifique a aplicação ao arguido de um pena ou medida de segurança, e consequente acusação, substituindo-se diretamente ao Ministério Público e ao Tribunal, na acusação do arguido, sob pena de violação das garantias de defesa do arguido, é inconstitucional, violando os mais elementares princípios caracterizadores do Estado de Direito democrático.

  10. Os princípio de Estado de Direito Democrático, da legalidade, acesso ao Direito e à Justiça, Direito a que a fase de instrução seja efetuada por um juiz, artigos 2.º, 3.º, 9.º, n.º 4 do 32.º, todos da Constituição da República Portuguesa, impõe e permitem, que o requerimento em que se solicita a abertura de instrução, indique os factos pelos quais deverá ser proferida acusação, bem como se realizem diligências complementares tendentes à acusação, sob pena de, neste caso, o assistente ter que se substituir aos órgão de polícia criminal, ao ministério público e aos tribunais.

  11. O entendimento sufragado no despacho recorrido, consagraria em última instância a consagração da Lei de Tailão - proibida num Estado de Direito! L) Acresce que o requerimento de abertura de instrução contém todos os requisitos necessários, para que possa ser admitido, nos termos do n.º 3 do artigo 287.º do CPP, nomeadamente: a) Razões de facto e de direito da discordância relativamente à acusação ou não acusação, vide 1.º a 15º, inclusive; b) Indicação dos actos de instrução que requerente pretendia que juiz levasse a cabo - vide artigos 16.º e seguintes do requerimento de abertura de instrução (da prova a produzir em sede instrução); c) Meios de prova desconsiderados no inquérito - vide artigos 30.º e seguintes do requerimento de abertura de instrução; d) Factos que, através de uns e de outros, se espera provar e respectiva conclusão.

  12. O requerimento de abertura de instrução rejeitado contém assim todas as exigências feitas pelas alíneas b) e c) do artigo 283.º, ex vi, artigo 287.º do CPP.

  13. Contrariamente ao que se refere no despacho recorrido, a factualidade encontra-se perfeitamente delimitada; O) O Assistente é que se vê privado do exercício dos seus direitos! P) Isto apesar de descrever as condutas passível de incriminação para com os denunciados, indicando todos os requisitos necessários e elucidativos da discordância do despacho de não acusação, bem como da pertinência de realização de diligências probatórias complementares.

  14. O requerimento de abertura de instrução apresentado garante o exercício de todas as garantias de defesa, sabendo e conhecendo todos os factos que são imputados ao arguido.

  15. Acresce que o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, como determina o n.º 2 do artigo 287.º do CPP.

  16. O requerimento de abertura de instrução somente tem que respeitar os requisitos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 283.º do CPP, não os impostos à validade de uma acusação.

  17. Tais requisitos in casu, encontram-se preenchidos.

  18. O ora recorrente: a) limitou o "tema factual": atribuição de responsabilidades pelos danos praticados na sua propriedade b) Indiciou os factos que estão na origem do ilícito, derrame de químicos na primavera de 2015; c) Realçou os meios probatórios que já existem no inquérito; d) Requereu que fossem adoptadas novas diligências probatórias, requeridas mas não satisfeitas pelo Ministério Público, nomeadamente que fosse obtido relatório apropriado para que se esclarecessem os seguinte factos: - Foi espalhado no terreno do recorrente algum produto químico? - Na afirmativa, qual o químico? - Tal conduta "matou" os eucaliptos plantados ou impediu a plantação dos mesmos - em caso afirmativo por quantos anos, ou por quantos anos existirão atrasos? - Se a conduta é susceptível de ter afetado gravemente os recursos do subsolo? - Se a conduta violou disposições legais ou regulamentares e nessa consequência foram ou não causados danos substanciais no solo? e) Apresentou um requerimento de abertura de instrução, capaz, suficiente, claro e apto a que o processo seguisse os seus termos e os arguidos pudessem cabalmente exercer a sua defesa.

  19. Mais não era possível nem exigível.

    W)A acusação é distinta do requerimento de abertura de instrução, naquela apontam-se factos precisos que se reputam já indiciados, neste podem indiciar-se factos hipotéticos que se desejam averiguados em sede instrutória.

  20. A instrução compreende, para além do mais, atos de investigação e de recolha de prova, de debate sobre os factos probatórios recolhidos durante a instrução e no inquérito, formulação e debate sobre questões de direito de que depende o sentido da decisão instrutória e de decisão judicial sobre se a causa deve ou não ser submetida a julgamento.

  21. Cabe ao juiz analisar os factos descritos no requerimento instrutório e se os julgar indiciados, pronunciar os arguidos pelos mesmos - cfr.

    Artigo 308.º do CPP.

  22. A indiciação de factos pela assistente no requerimento de abertura de instrução pode resultar somente dos atos de instrução requeridos, sendo que a instrução não é apenas uma mera atividade de comprovação judicial.

    A

  23. Com o despacho proferido pelo tribunal a quo foram violadas as normas presentes nos seguintes artigos do CPP: 287.º, n.º 3, 287.º, n.º1, alínea b); artigo 287.º, n.

    o 2; 286.º, n.º 1; 283.º, n.º 3, alíneas b) e c); 123.º, n.º 2.

    BB) Sendo corretamente aplicáveis tais normas, desde que interpretadas com o seu elemento literal, a jurisprudência e doutrina dominantes.

    NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito e de Justiça, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências Venerandos Juízes Desembargadores, deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência determinar-se:

    1. A revogação do despacho recorrido, substituindo-o por outro que ordene a abertura de instrução; e caso assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese de raciocínio e de salvaguarda de patrocínio, e sem conceder, b) A substituição por outro que determine a reparação/aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução, assim se fazendo a costumada: JUSTIÇA! O recurso foi admitido.

    O Ministério Público apresentou resposta, sem extrair conclusões, no sentido de que não deverá ser dado provimento ao recurso, mantendo-se o douto despacho recorrido.

    Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a referida resposta e em idêntico...

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