Acórdão nº 92/15.8GAPRL-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1. Nos autos de inquérito com o número em epígrafe que correm termos na 1ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de Évora em que é arguido AA, n. 02.03.1969, de nacionalidade portuguesa, vendedor ambulante, foi proferido em 31.10.2016, na sequência de 1º interrogatório judicial, o despacho judicial de fls 960 a 972 dos presentes autos de recurso em separado, que decidiu aplicar-lhe a medida de coação de Prisão Preventiva, conforme requerido pelo MP, por considerar-se fortemente indiciada a prática pelo arguido de cinco crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts 203º e 204º nº2 al. a) e e), do C.Penal.

  1. Daquele despacho interpôs o arguido o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes «CONCLUSÕES: 1.ª Da prova indiciária recolhida não resulta a existência de fortes indícios da prática pelo recorrente dos crimes de furto.

    1. A prisão preventiva, porque implica a privação da liberdade do cidadão, está dependente de pressupostos específicos para a sua aplicação.

    2. O pressuposto base é que dos autos resulte a existência de fortes indícios da prática pelo arguido de um crime doloso com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, não bastando a existência de indícios suficientes.

      De facto, 4.ªA decisão recorrida não invoca quaisquer factos que integrem o conceito jurídico de “fortes indícios”.

    3. Não existem nos autos qualquer tipo de prova, ainda que meramente indiciária, que possa relacionar o recorrente com a prática dos factos que lhe são imputados.

    4. Não há relatos de vigilâncias externas, não há localizações celulares, intercepções telefónicas, nem sequer foram emitido quanto ao recorrente mandado de busca Domiciliária.

    5. Tendo já o processo cerca de 3000 páginas e 1 cerca de ano e meio de investigação, o ora recorrente era completamente desconhecido para a investigação até à data da sua detenção que ocorreu cerca das 09H25 do dia 31.10.2016.

    6. Detenção que ocorre fora do flagrante delito, feita perto da localidade de Lavre, quando o recorrente seguia num veículo, completamente bêbado, acompanhado de outros três indivíduos a quem tinha pedido boleia.

    7. O veículo em que seguia, não estava referenciado nos autos.

    8. Porque realizada fora de flagrante delito a detenção do recorrente só poderia ter sido feita ao abrigo de mandado de detenção, o que não aconteceu, sendo portanto ilegal, por violação do n.º 1 do art.º 257.º do CPP.

    9. O recorrente reside no Barreiro e tinha ido a Évora vender um automóvel, o que aconteceu.

    10. Em Évora encontrou um cigano de nome Albino que estava acompanhado de um sobrinho e de um tio, tendo todos estado a beber cervejas.

    11. Estando o recorrente bêbado pediu ao Albino que lhe desse boleia, tendo esta acedido a fazê-lo, razão porque o arguido se encontrava no carro deste aquando da sua detenção.

    12. O recorrente esteve sempre com a mesma roupa, sendo certo que, sendo-lhe imputado o facto de ter sido ele que de noite andou na herdade a juntar e a carregar 30 bovinos, se apresentar em sede de 1.º interrogatório com a roupa e calçado completamente limpos.

    13. É a própria Autoridade Judiciária que confirma o facto de o recorrente nem sequer ser tido como mero suspeito nos autos.

      Pois que, 16.ª Foram emitidos mandados de Busca tendo por base toda a prova recolhida nos autos, nomeadamente, declarações dos queixosos, dados de GPS instalados numa das viaturas, das comunicações telefónicas, bem como do relato de diligências policiais, existirem fortes indícios e fundadas suspeitas do envolvimento de A, C, R, E, L e J.

    14. Não havia à data da emissão dos mandados, nem existe agora, qualquer prova contra o ora recorrente, razão de nem sequer o seu nome estar incluído nos suspeitos a cujos domicílios foram ordenadas buscas.

    15. No ponto IV do despacho de aplicação das medidas de coacção refere em relação à investigação a Exm.ª Dra. Juiz de Instrução: “…Sendo certo que se reconhece que a investigação está longe de ser isenta de reparos (sendo pouco claros alguns dos autos e do expediente, em especial do relativo à abordagem levada a cabo no dia de ontem, e inexplicável o não cumprimento dos mandados de busca já emitidos e cujo efeito útil pode vir a ficar efectivamente comprometido) …” 19.ª Quando a Meritíssima juíza de Instrução se refere à abordagem levada a cabo no dia de ontem ´, está a referir-se à detenção do recorrente feita bastantes horas depois do furto e em local completamente diverso do dos factos, sem seguimento do mesmo e, como já se invocou sem estarem na posse de mandado de detenção.

    16. Apesar desta constatação, que descredibiliza por completo a investigação, foi aplicada a todos os arguidos de uma forma genérica, sem qualquer distinção entre os mesmos, quer quanto ao eventual grau e importância dos mesmos na eventual prática, a medida de coacção mais gravosa – Prisão Preventiva.

    17. A prisão preventiva apenas pode ser aplicada se for considerada inadequada e insuficiente a aplicação de outra medida de coacção menos gravosa. Daí o seu caracter excepcional.

    18. O Despacho recorrido não fundamenta a razão por que qualquer outra medida de coacção não é suficiente e adequada em relação a cada um dos arguidos Pelo que, 23.ª Não está preenchido o pressuposto base previsto no art.º 202.º n.º 1, al. a) do CPP, de que depende a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva.

    19. A medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao recorrente é excessiva.

      Pois que, 25.ª Viola claramente os princípios da necessidade, adequação e da proporcionalidade, consagrados no art.º 193.º do CPP.

    20. A prisão preventiva tem carácter excepcional, sendo a ultima ratio, apenas devendo ser aplicada se ao caso concreto não for suficiente e adequada a aplicação de medida de coacção menos gravosa que, igualmente satisfaça as necessidades cautelares que se pretendem obter com a aplicação da medida de coacção.

    21. A aplicação ao recorrente da medida de coacção de prisão preventiva viola claramente os comandos constitucionais vertidos nos art.ºs 28.º, n.º 2, 32.º, n.º 2 da CRP , 191.º a 193.º, 202.º e 204.º do CPP.

      Pois que, 28.ª Não teve em consideração o facto de o recorrente estar socialmente integrado, vivendo com a sua companheira e 3 filhos de 10, 16 e 24 anos de idade.

    22. O recorrente é vendedor ambulante de roupa desde há pelo menos 20 anos, provendo com o exercício desta o seu sustento e o da sua família.

    23. O recorrente está colectado junto da Autoridade Tributária com o CAE 47820.

    24. O recorrente apresenta declaração de IRS, Modelo 3, com anexos B e SS.

    25. O recorrente está inscrito como vendedor ambulante nas seguintes Juntas de Freguesia: União das Freguesias de Palhais e Coina, Junta de Freguesia de Baixa da Banheira, Junta de Freguesia de Coina, Câmara Municipal da Moita, Câmara Municipal de Palmela, Junta de Freguesia do Pinhal Novo e Junta de Freguesia De Quinta do Conde.

    26. Tem assim o recorrente uma actividade profissional regular e constante, trabalhando todos os dias.

    27. O recorrente tem morada fixa, residido há mais de 15 anos na Rua …, Cidade Sol, Sto. António da Charneca, 2835-508 Barreiro.

    28. Apesar de ser de etnia cigana, o recorrente vive em prédio em que tem por vizinhos pessoas não ciganas, sendo considerado por todos.

    29. O recorrente tem de facto condenações anteriores, mas estas datam de há bastantes anos, tendo desde essa altura vivido de acordo com o direito e as regras sociais.

    30. Não havendo prova indiciária que suporte a eventual prática pelo recorrente dos factos que lhe são imputados, não pode vir agora o seu passado a por em causa todo o seu esforço de integração junto da sociedade. Senão teríamos uma situação completamente aberrante num Estado de Direito, de que, uma vez condenado, condenado para sempre.

    31. Da consulta dos autos resulta Meritíssimos Juízes Desembargadores, a fortíssima possibilidade de em sede de audiência de Discussão e Julgamento o recorrente vir a ser absolvido.

    32. Os “pericula libertatis” invocados – perigo de fuga, perturbação de ordem e tranquilidade pública e perigo de perturbação do inquérito aquisição e conservação da prova não estão fundamentados em concreto.

    33. Estão afirmados abstracta e genericamente e em simultâneo para todos os arguidos.

    34. Os “pericula libertatis” invocados não são inferidos de situações concretas directamente relacionadas com o recorrente, mas de meras suposições sem qualquer apoio factual.

    35. A medida de coacção de Obrigação de Apresentação Periódica, diária, no posto da autoridade mais próximo da sua residência, cumulada com a medida de Proibição de se ausentar do Concelho do Barreiro, local da sua residência, são adequadas, suficientes e proporcionais aos factos indiciados.- Art. 198.º, n.ºs 1 e 2 e art.º 200.º, n. 1 al. c), ambos do CPP.

      Caso assim não se entenda, 43.ª A medida de coacção de Permanência na Habitação, igualmente privativa da liberdade, fiscalizada com a utilização de meios técnicos de controlo à distância é suficiente e adequada a acautelar os ulteriores termos do processo.

      TERMOS em que, revogando-se o douto despacho recorrido, substituindo-se a prisão preventiva pela medida de coação de Obrigação de Apresentação Periódica diária, no posto da GNR do Barreiro, cumulada com a proibição de se ausentar para fora do Concelho do Barreiro, ou em alternativa, caso assim não se entenda, seja substituída pela medida de Permanência na Habitação, sujeita a Fiscalização com meios Electrónicos de Controlo à Distância –art.º 201.º, n.ºs 1, 2, 3 do CPP e Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro, se fará justiça.» 3. Na sua resposta à motivação do recorrente, entende o MP, em síntese, que a decisão recorrida que aplicou ao arguido a medida de prisão preventiva deve ser...

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