Acórdão nº 35/11.8TABJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARTINS SIMÃO
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório O Mmo Juiz da Instância Local de Beja, Comarca de Beja proferiu, no dia 27 de Novembro de 2015, despacho de não pronúncia dos arguidos BB, RM e FM ids. a fls. 1451, pela prática do crime previsto no art. 150º, nº 2 do C. Penal.

O Ministério Público e a assistente recorreram deste despacho, tendo a segunda apresentado as seguintes conclusões: «A. No âmbito do processo supra melhor identificado, foram os Arguidos BB, RM e FM acusados pela prática de um crime de intervenção e tratamento médico com violação das leges artis, p. e p. pelo artigo 150.º, n.º 2 do Código Penal. Na sequência da referida acusação, vieram os Arguidos requerer abertura da instrução, fase esta que veio a culminar com a Decisão Instrutória de Não Pronúncia, ora objecto de recurso.

  1. De facto, no dia 2 de Julho de 2009, pelas 9.50 horas, PJM, deu entrada no serviço de urgência do Hospital Joaquim Fernandes, em Beja, queixando-se de dor epigástrica, acompanhada de mal-estar e tremores desde há meses, com agravamento nos últimos cinco dias. Nessa unidade de saúde, foi atendido pelo Arguido RM a quem referiu sofrer de hepatite C, medicada com Interferon, ter sido toxicodependente e alcoólico. O Arguido RM determinou a realização de análise da função hepática e hemograma, nas quais não se verificaram alterações, prescrevendo ainda medicação, encaminhando o Ofendido para a consulta de Psiquiatria e acabando por dar alta ao Ofendido.

  2. Nesse mesmo dia, cerca das 19.25 horas, o Ofendido foi encontrado caído no prédio sito na Rua Bernardo Santareno, n.º 1, em Beja, junto à porta do 1.º andar esquerdo, tendo sido transportado para o Hospital Joaquim Fernandes, em Beja pelo INEM, ali tendo dado entrada no serviço de urgência pelas 19.50 horas. O Ofendido apresentava-se confuso, sonolento e agitado, tendo sido novamente atendido pelo Arguido RM.

  3. Ao observar o Ofendido, o Arguido RM, anotou no relatório hospitalar com pequena ferida no couro cabeludo, não tendo valorizado tal ferimento, tendo ponderado a possibilidade de intoxicação alcoólica ou estupefacientes. O Arguido não ordenou a realização de uma TAC, embora existissem indícios fortes da verificação de um traumatismo craniano.

  4. Mantendo-se o Ofendido em grande agitação, o Arguido RM, determinou o seu envio ao Hospital Curry Cabral, em Lisboa, para avaliação pela especialidade de Psiquiatria.

  5. Neste estabelecimento, foi observado pela psiquiatra Arguida FM. Pelas 4.45 horas, a Arguida transferiu o Ofendido de volta para o Hospital de Beja, com alta da especialidade de psiquiatria, com indicações para ser encaminhado para a unidade de saúde mental do Hospital de Beja, para tratamento em ambulatório, tendo diagnosticado síndrome de abstinência alcoólica. O Ofendido foi então imobilizado em maca, em sono profundo, e reenviado para o Hospital de Beja. A Arguida também não ordenou a realização de uma TAC, embora existissem indícios fortes da verificação de um traumatismo craniano.

  6. O Ofendido voltou a dar entrada no Hospital de Beja pelas 7.17 horas, onde o Arguido RM continuava de serviço, tendo tido conhecimento do regresso daquele e das indicações dadas pela psiquiatra do hospital Curry Cabral em Lisboa.

  7. O Arguido BB, entrou ao serviço na Urgência do Hospital de Beja pelas 8.00 Horas do dia 3 de Julho de 2009, onde o Arguido RM o informou do estado clínico do Ofendido. O Arguido BB observou o Ofendido, tendo anotado no relatório hospitalar que este continuava vígil, mas confuso e com períodos de agitação. O Arguido BB não observou no Ofendido qualquer lesão física e decidiu transferir o Ofendido para a sua área de residência, o Hospital de Santo António, no Porto, indicando no relatório «psicose não orgânica tipo agitado» como diagnóstico de saída. Também não ordenou a realização de uma TAC, embora existissem indícios fortes da verificação de um traumatismo craniano.

    I. O Ofendido deu entrada no Hospital de Santo António pelas 16.42 horas do mesmo dia, apresentando febre e sudores e marcada, taquicardia, não despertável à chamada, olhos desviados para cima e para a direita, com movimentos tipo «roving», pupilas pequenas, reactivo à dor assimetricamente, mobilização dos 4 membros, com tendência à postura rígida, rigidez da nuca, com hematoma frontal direito, escoriações e hematoma no couro cabeludo na região temporo-parietal e occipital, com hematoma retroauricular, hematoma e escoriações no cotovelo, coxa e joelho direito e antebraço esquerdo.

  8. Diligentemente, no Hospital de Santo António, pelas 2.10 horas do dia 4 de Julho de 2009, foi ordenada a realização de Tomografia Axial Computorizada (“TAC”) – crânio-encefálica, a qual revelou extensas hemorragias intraparenquimatosas frontais bilaterais, exercendo efeito de massa sobre os cornos frontais, outros focos hemorrágicos temporais anteriores bilaterais e temporais posteriores esquerdos, sangue no IV subracnoideu, possível sangue subdural frontal bilateral, edema cerebral difuso, amígdalas cerebelosas aflorando buraco occipital, opacificação de ambos os ouvidos médios, fracturas da escama temporal direita, com extensão ao rochedo, fractura da escama temporal esquerda também com possível extensão ao rochedo, descontinuidade direita da escama occipital e, ainda, sinais de hipertensão intracaniana.

    L. Face ao seu grave estado clínico, o Ofendido foi submetido, de imediato, a intervenção cirúrgica. O estado clínico do Ofendido era tal ordem que o Dr. J. C. esclareceu os familiares do Ofendido, informando-os que sem a intervenção que iria ser realizada, o Ofendido, teria entrado em morte cerebral, não havendo, mesmo com a intervenção, qualquer garantia de recuperar das lesões.

  9. No dia 3 de Julho de 2009, os dois irmãos do Ofendido foram informados pela Dra. Ana…, chefe de urgência, que o Hospital de Santo António não tinha sido informado da entrada de um paciente proveniente do Hospital de Beja, bem como não tinha sido enviado relatório médico de onde constasse a situação clínica do Ofendido. Referiu ainda que o que acompanhava o Ofendido era uma folha A5 com a descrição da medicação que lhe tinha sido administrada na ambulância, aquando da deslocação do Hospital de Beja para o Hospital de Santo António.

  10. Em resultado da factualidade supra descrita - comprovada, aliás, pelo relatório de perícia de dano corporal junto aos autos -, o Ofendido apresenta tetraparésia espástica, equilíbrio de tronco razoável, com diminuição dos reflexos osteo-tendinosos dos membros superiores, com disartria, força muscular dos membros reduzida. Foi admitido o nexo de causalidade entre o traumatismo de natureza conducente e o dano (lesões apresentada na sequência de traumatismo crânio-encefálico: hematoma frontal direito, escoriações e hematoma no couro cabeludo na região temporo-parietal direita e occipital, com hematoma retroarticular, fractura craniana) e outras lesões (hematoma e escoriações no cotovelo e coxa direita, joelho direito e antebraço esquerdo).

  11. As referidas lesões causaram 442 dias de doença, com incapacidade para o trabalho, tendo o Ofendido corrido risco sério de vida. Deste episódio perfeitamente evitável, resultaram para o Ofendido consequências permanentes que afectam de maneira grave as suas capacidades de trabalho, intelectuais e que impossibilitam a utilização do corpo, dos sentidos e da linguagem.

  12. Os Arguidos BB, RM e FM não examinaram o Ofendido com a minúcia que as leges artis impõem, contribuindo directamente para o agravamento do estado de saúde deste, consubstanciando os factos integrados dos pressupostos objectivos e subjectivos do crime de intervenção médica e tratamento em violação das leges artis, p. e p. pelo artigo 150.º, n.º2 do Código Penal.

  13. Pela sua relevância probatória, deixa-se aqui parcialmente transcrito o teor do Parecer técnico-científico elaborado pelo Dr. CD e aprovado por unanimidade em reunião do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Medicina Legal e Clínicas Forenses (“INMLCF”), disponível para consulta a fls. 634 a 640 dos autos: 1 - Foi correcto o procedimento dos arguidos BB e RMM, no atendimento que prestaram ao ofendido PJM? RI No dia 02.07.09 o doente referia dor epigástrica, mal estar e tremores desde há meses, com agravamento nos últimos dias, com problemática laboral e aumento da ansiedade. Tinha antecedentes de toxicodependência e alcoolismo, com medicação psiquiátrica.

    Foi correcta e adequada a decisão do clínico em medicar com protector gástrico e orientar para consulta de Psiquiatria.

    Algumas horas mais tarde volta ao SU, sonolento, confuso e agitado, com história de queda nas escadas e com ferida no couro cabeludo e com presença de canabinóides e benzodiazepinas na urina.

    Foi transferido 'Para o Hospital Curry Cabral para ser observado e orientado por Psiquiatria, o que está correcto.

    Devia, tendo em atenção o estado clínico, ser efectuado uma TAC cerebral, na eventualidade de traumatismo craniano, na sequêncio da queda.

    2 - Face às circunstâncias do caso, os arguidos BB e RM deveriam ter considerado a hipótese do ofendido apresentar lesões cranianas e deveriam ter determinado a realização de TAC? RI Respondido atrás.

    3 - A tetraparésia espástica, com equilíbrio razoável do tronco, com diminuição dos reflexos osteotendinosos dos membros superiores, com disartria, força muscular dos membros diminuída, que o ofendido PJM apresenta resultaram da omissão de acto médico, por parte dos arguidos BB e RM, ou foram agravados por tal omissão? RI As lesões referidas são consequência das lesões cerebrais apresentadas pelo doente, na sequencia de traumatismo craneano. Como referido atrás devia ter sido efectuada uma TAC cerebral após a queda, para avaliação da extensão das lesões craneanas, o que poderia permitir um diagnóstico e um tratamento mais atempado.

    4 - Ocorreu violação das leges artis por parte dos arguidos BB e RM que prestaram ao doente PJM? RI Após a queda...

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