Acórdão nº 4440/13.7TBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução11 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora RELATÓRIO AA, S.A.

instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 93.156,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo pagamento.

Alegou, em síntese, que no âmbito da sua atividade seguradora e relativamente ao contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0002124891, referente ao motociclo …-…-RQ, propriedade do réu, procedeu ao pagamento da referida quantia a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes de acidente de viação ocorrido em 18.07.2010, em que foi interveniente o dito motociclo conduzido pelo réu e no qual seguia também CC, atribuindo a culpa na eclosão do acidente ao réu, dizendo que o mesmo circulava desatento e em excesso de velocidade, além de conduzir o RQ com uma taxa de álcool no sangue superior à permitida, o que lhe diminuía a capacidade de discernimento, bem como as capacidades psico-motoras.

Mais alegou que do acidente resultaram lesões na integridade física do réu e a morte do “pendura”, bem como danos materiais no veículo BD e no motociclo, tendo a autora efetuado o pagamento da quantia de € 90.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais aos herdeiros de CC e € 3.156,00 a título de reparação do veículo BD, quantias de que se quer ver ressarcida com a presente ação, nos termos do art. 27º, nº 1, al. c), do DL 291/2007 de 21.08.

O réu contestou, começando por invocar a inconstitucionalidade do art. 156º, nº 2, do Código da Estrada, por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, defendendo que quem está consciente tem as hipóteses do art. 153º do CE à sua escolha, e que quem ficou inconsciente no acidente e assim foi conduzido ao Hospital – como sucedeu com o réu -, não tem qualquer escolha, nem sabe que lhe tiraram sangue para análise.

Invocou de seguida o réu a prescrição dos pagamentos alegados pela autora, por a mesma não indicar as datas em que os efetuou, salientando que o acidente ocorreu no dia 18 de Julho de 2010 e a petição inicial apenas deu entrada em juízo a 23 de Julho de 2013, quando já haviam decorrido mais de 3 anos.

Quanto ao acidente rejeitou qualquer culpa da sua parte na produção do mesmo, afirmando que à data pesava cerca de 70/75 Kg e o inditoso CC pesava cerca de 100 Kg, pelo que este desequilíbrio provocado, eventualmente, pelo passageiro, será a única explicação lógica que se pode encontrar para a eclosão do acidente.

Na sequência de despacho a notificar a autora para o efeito, veio esta esclarecer que o pagamento da quantia de € 90.000,00 ocorreu a 14.04.2012 e a quantia de € 3.156,00 foi paga em 05.11.2010.

Procedeu-se à realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que relegou para decisão final o conhecimento das exceções invocadas pelo réu – até porque em sede de audiência prévia a autora solicitou e foi-lhe concedido prazo para responder por escrito à matéria de exceção[1] -, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido.

Inconformada, a autora apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem: «1 - Vem a Apelante por meio das presentes alegações de recurso sindicar da decisão contida na sentença a fls… dos autos, cingindo as mesmas a dois pontos concretos: i) Da responsabilidade do Réu/Apelado na produção do sinistro dos autos e ii) Da condução do Réu/Apelado sob influência de álcool no sangue, à data do sinistro dos autos; 2 - De facto, com todo o respeito e consideração, entende a Apelante que mal andou o Tribunal a quo ao julgar improcedente a acção intentada pela mesma, o que fez com fundamento no errado julgamento da matéria de facto e aplicação das regras de direito; 3 - No que concerne ao primeiro dos tópicos de análise, entende a Apelante que a prova produzida em sede de julgamento impunha que o Tribunal a quo desse como provada a culpa do Apelado no sinistro dos autos, por meio da prova da factualidade que ora se reproduz, julgada, todavia, não provada: “Que no momento em que a condutora do veículo BD se encontrava a descrever a curva existente na faixa de rodagem, sita à sua esquerda atento o sentido de marcha, foi a mesma surpreendida, pela presença do motociclo RQ (…)”; “Que o RQ ao descrever a curva ai existente invadiu a via de trânsito em que circulava a condutora do veículo BD”; 4 - Ora, sem prejuízo da concreta apreciação da prova testemunhal produzida nos autos, entende a Apelante que a prova da matéria de facto referida no ponto 3. das presentes conclusões resulta ela mesma provada através do confronto com a matéria de facto dada como provada, pelo Tribunal a quo, na sentença dos factos, sob os artigos 10) e 18) dos elenco dos factos provados: “De súbito o RQ despista-se e cai na estrada, bem como o seu condutor e o pendura e, a deslizar pelo chão, invadem a faixa de rodagem por onde a condutora do BD seguia”; “O veículo BD sofreu dano em consequência do acidente tendo sido reparado (…)”, padecendo a sentença dos autos, nesta concreta parte, de manifesta nulidade nos termos e ao abrigo do artigo 615.º n.º c) do CPC; 5 - Deste modo, incorre a sentença dos autos em manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada nos artigos 10) e 18) dos factos provados e a matéria de facto não provada, integrante do elenco dos factos não provados respeitante à invasão da via de trânsito onde circulava o veículo BD pelo motociclo RQ, pois que a primeira implica, necessariamente, a prova desta última; 6 - Assim, a queda e consequente despiste e deslizamento do motociclo RQ, conforme artigo 10) dos factos provados, bem como a invasão da via de trânsito onde circulava a condutora do BD, pelos ocupantes do motociclo RQ, conforme artigo 10) dos factos provados, aliado aos danos sofridos pelo veículo BD em consequência do sinistro dos autos, conforme artigo 18) dos factos provados, impõe, necessariamente, a prova da factualidade respeitante à invasão da via de trânsito onde circulava o veículo BD, pelo motociclo RQ, uma vez que os danos no primeiro apenas podem ser causados pelo embate do motociclo RQ no veículo BD, factualidade que pressupõe, claro está, a invasão da via de trânsito; 7 - Sem prejuízo do exposto, chegamos a idêntica conclusão através da prova testemunhal produzida nos autos, mormente do depoimento da condutora do veículo BD, Dora…, que de forma clara, isenta e objectiva declarou: i) O motociclo RQ após sair da curva e após ter percorrido alguma distância (não concretizável) acaba por se despistar; ii) Em consequência do despiste os corpos do condutor e passageiro são projectados; iii) vindo o motociclo, sem os corpos do condutor e passageiro, a deslizar pela faixa de rodagem, invadindo, em consequência, a via de trânsito onde circulava a condutora do veículo BD; iv) A condutora do veículo BD, com vista a evitar o embate, enceta manobras de desvio da trajectória do veículo por si conduzido para a berma da estrada, sita do lado direito, atenta a sua circulação; v) O que comprova a invasão da faixa de rodagem onde esta seguia pelo motociclo RQ; vi) Ocorrendo o embate entre o motociclo RQ e o veículo BD depois da curva, atento o sentido de marcha do motociclo, e ainda antes de chegar à curva, atento sentido de marcha do veículo BD; 8 - O depoimento da condutora do veículo BD afigura-se mais credível, no que concerne à factualidade atinente à invasão da via de trânsito onde o primeiro circulava pelo motociclo RQ, que as declarações de parte do Apelado, condutor deste último, porquanto, conforme confessado pelo mesmo, o Apelado não tem memória da dinâmica do sinistro, apenas concluindo pela ausência de embate do motociclo RQ no veículo BD (e consequente invasão da via de trânsito em que este último circulava), após observação, algum tempo após o sinistro, dos danos no motociclo RQ, sendo certo que os danos no motociclo RQ não integram a matéria de facto dada como provada nos autos, ao contrário dos danos causados no veículo BD em consequência do sinistro (artigo 18) dos factos provados), o que sempre faz sucumbir a razão de ciência do depoimento do Apelado, inviabilizando a conclusão almejada pelo mesmo; 9 - Sem prescindir e ainda no que respeita ao primeiro dos tópicos de análise, a prova da factualidade atinente à invasão da via de trânsito em que circulava o veículo BD, pelo motociclo RQ, extrai-se, igualmente, da prova indiciária vertida no Despacho de Arquivamento, apurada em sede de processo-crime que correu termos na 2.ª secção dos Serviços do Ministério Público de Setúbal, sob o número 268/10.4GCSTB, junto aos presentes autos por meio de Requerimento do Apelado, datado de 9 de Abril de 2015; 10 - Aqui chegados, temos que, mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, à revelia do artigo 413.º do CPC, devendo, ao invés, dar como provada a matéria integrante do elenco dos factos não provados, vertida no ponto 3. das presentes Conclusões; 11 - Não obstante, pese embora dúvidas não restam de que o motociclo RQ invadiu a faixa de rodagem onde circulava ao veículo BD, certo é que da prova produzida em julgamento, em concreto do depoimento da condutora do veículo BD e declarações de parte do Apelado, não se apurou a causa do despiste do motociclo e consequente invasão da via de trânsito, fundamento do Tribunal a quo, expresso na sentença em crise, para julgar não provada a culpa do condutor do motociclo RQ no sinistro dos autos, aqui Apelado; 12 - Todavia, atenta a factualidade conhecida é possível concluir-se, ao abrigo da figura as presunções judiciais contidas nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil e jurisprudência relevante, pela culpa imputável a este...

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