Acórdão nº 124/14.7PATNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução16 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1.

Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que correu termos na Secção Criminal (J1) da Instância Local de Tomar da Comarca de Santarém, foi pronunciada E, viúva, nascida a 20-06-1950, residente em Tomar, pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punível pelos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2 do Código Penal, na sequência de acusação particular deduzida pelo assistente, RV, que o MP acompanhou.

  1. O assistente deduziu pedido civil contra a arguida, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de 7.000€, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

  2. - Realizada a Audiência de julgamento, o tribunal singular condenou a arguida pela prática de um crime de difamação agravado, previsto e punível pelos artigos 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6,50€ (seis euros e cinquenta cêntimos),e, julgando parcialmente procedente o pedido civil deduzido por RV, condenou ainda a arguida a pagar-lhe a quantia de 500€ (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, absolvendo-a do restante peticionado.

  3. – Inconformada, veio a arguida interpor recurso da sentença condenatória, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES O presente recurso vem interposto da sentença que condenou a arguida, um crime de difamação, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 180.º n.º 1 e 183 n.º 2 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 6,50€ num total de 780€.

  4. Foi a arguida condenada por ter feito publicar a seguinte expressão: “Não tenho dúvida que além de ignorante, ele pertence a uma seita diabólica, pelas suas palavras está possuído pelo demónio”- facto 1 dado como provado (sublinhado nosso).

  5. Ora tal expressão não poderá consubstanciar facto susceptível de ser considerado típico ilícito pelo que tais expressões não consubstanciam crime, pelo que estamos perante erro notório na apreciação da prova- 410º n.º 2 c) do CPP.

  6. No caso concreto está em causa a prática de um crime de difamação, da previsão do artº 180º, 1, do CP, o qual se consuma mediante o preenchimento da seguinte previsão: «Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.».

  7. Tais expressões e imputações foram escritas e feitas publicar pela arguida, colaboradora e cronista de opinião no Jornal Cidade de Tomar desde 1988 (facto 23 dado como provado).

  8. O bem jurídico protegido pela incriminação é a honra, a qual se pode desdobrar numa perspectiva interna, traduzida na ideia que cada um de nós tem de si, e numa outra, externa, traduzida na conta em que somos tidos por terceiros.

  9. Todavia, mesmo a tutela penal do direito à honra e à consideração há-de sofrer limitações gerais (aplicáveis a todos os indivíduos, sem excepção).

  10. Em conclusão: não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entende que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais.» (José Beleza dos Santos, ‘Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria’, RLJ, Ano 92, nº 3152, pag. 167).

  11. Ora, analisada aquela descrição factual, v.g. a parte referente às expressões imputadas à arguida, verificamos que elas se desdobram em duas vertentes: a)uma primeira, em que tece considerações acerca de pessoa do assistente: - “Não tenho qualquer dúvida que além de ignorante (…)”; b) uma segunda, que embora interligada com a primeira se refere ao comportamento do mesmo e nas suas crenças: “(…) pertence a uma seita diabólica (…) está possuído pelo demónio (…)”.

  12. Quanto à primeira parte destacada, “ignorante” a arguida circunstância a expressão e refere “RAZÃO QUE O LEVA A FALAR DAQUILO QUE NÃO SABE (…)” – facto 1 dado como provado.

  13. Ora o significado de ignorante é precisamente, entre o mais o estado de desconhecer algo.

  14. De uma mera busca em http://www.priberam.pt/dlpo/ignorante resulta que ignorante poderá ser aplicado em vários sentidos a saber: a. Que ignora.

    1. Que não tem instrução.

    2. O que não sabe bastante da sua profissão.

    3. adjectivo de dois géneros e substantivo de dois géneros e. Que ou quem não tem conhecimentos ou formação suficientes.

    "ignorante", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/ignorante [consultado em 25-11-2016].

  15. Sentido que a arguida vinca e que está dado como provado “razão que o leva a falar daquilo que não sabe (…)” 13. Pelo que não se compreende como o Tribunal conclui que “o epíteto ignorante é uma forma de insultar”, poderá ser mas não foi essa a intenção da arguida no presente caso.

  16. Ora ignorante é o estado de desconhecer, de não conhecer suficientemente, tratando-se de uma crítica, não um insulto.

  17. E a honra terá que ceder necessariamente face à crítica e à liberdade de imprensa e de opinião.

  18. O que se passou foi que a arguida, escreveu de forma grosseira, simples, boçal, se dirigiu ao assistente, fazendo uma apreciação subjectiva acerca da sua informação acerca do caso abordado na rádio (de um deficiente).

  19. O que está aqui em causa é a simplicidade da escrita da assistente e não o cometimento de um crime.

  20. E dado o princípio da intervenção mínima do direito penal, nem todos os comportamentos traduzidos em falta de educação podem ser elevados à categoria de crime, apenas o podendo ser aqueles que ofendam de forma grave e irreparável o núcleo essencial tutelado pela esfera de protecção daquele direito da personalidade.

  21. Ou seja, a susceptibilidade do ofendido, despoletada embora pelo comportamento grosseiro da arguida, não é suficiente para integrar o âmbito de protecção da norma penal (do artº 180º, 1, do CP), não integrando assim o conceito de interesse jurídico protegido.

  22. Com efeito, não integrando o núcleo essencial daquele âmbito de protecção, não é encarado como ofensa pela generalidade dos cidadãos, mas apenas pelos mais sensíveis, pelos mais susceptíveis, razão pela qual não merece tutela penal.

  23. Pelo que as susceptibilidades pessoais só merecerão tutela jurídica a partir do momento em que, passando a integrar aquelas ideias dominantes no meio social, se revistam de uma particular força de pressão, que determine a sua integração positiva no ordenamento jurídico.

  24. Ora, vimos já que essas susceptibilidades não integram o núcleo duro de protecção que a sociedade pretendeu estabelecer mediante a criminalização operada pelo referido artº 180º, 1 do C. Penal.

  25. Por isso, aquelas afirmações não integram a factualidade objectiva do tipo em causa.

  26. Já no que toca à segunda abordagem “(…) pertence a uma seita diabólica (…) está possuído pelo demónio (…)”.

  27. Estar possuído pelo demónio ou pertencer a uma seita diabólica apenas significa que professa uma religião diferente, 26. É que só nesse caso poderá o assistente ter aquele tipo de discurso, pois desconhece aquilo que fala.

  28. Neste mesmo sentido acórdão do Tribunal d Relação Do Porto de 24-11-1999, “A expressão "formavam um grupo de uma Seita Religiosa" não é em si lesiva da honra e consideração dos componentes, in casu, da "Maná - Igreja Cristã", já que dizer-se que alguém faz parte de uma seita religiosa mais não é do que identificar esse alguém por referência a uma doutrina ou sistema que se afasta da crença geral, isto é, no sentido de que esse alguém professa religião diversa da geralmente seguida.” 28. Não sendo matéria capaz de caber no elemento típico objectivo do tipo de ilícito previsto pelo artigo 180.º do C. Penal.

  29. Ora não tendo havido qualquer lesão da honra, caem por terra os pressupostos previstos no artigo 483.º, 487.º n.º 2, 496º n.º 1, 563.º todos do Código Civil.

    Termos em que deve igualmente improceder o pedido de indemnização cível em que foi condenada por não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar.

  30. Porque, assim, se não decidiu foi violado na sentença recorrida o disposto no artigo 180.º n.º 1º, 183.º n.º 1do Código Penal, 410 n.º 2 c) do C. P. Penal e 483.º, 487.º n.º 2, 496º n.º 1, 563.º todos do Código Civil.

  31. Não estando presente o elemento típico objectivo do tipo de ilícito previsto no artigo 180.º do C. Penal, impõe-se a sua absolvição.» 5.

    O assistente e o MP apresentaram respostas ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

  32. Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que, analisando detalhadamente as questões colocadas, se pronuncia no sentido da procedência do recurso.

  33. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do C. P. P., o assistente veio reiterar a posição antes manifestada na resposta ao recurso.

  34. Transcrição parcial da sentença recorrida: «3.1 Factos provados Encontram-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa: 1. Na edição de 11 de Outubro de 2013, do Jornal Semanário Regional “Cidade de Tomar”, a arguida fez publicar um artigo de opinião onde para além de outras, constavam as seguintes expressões: “A ignorância é um dom que não se compra, nem se vende, nasce com as pessoas e este senhor é realmente fértil neste dom, mais, pelo que ouvi na rádio, não tenho qualquer dúvida que além de ignorante, ele pertence a uma seita diabólica, pelas suas palavras, não é difícil perceber que este senhor está possuído pelo demónio, razão que o leva a falar daquilo que não sabe, ninguém conhece…” e “O senhor V, como atrás refiro, deve ser pertença de uma seita e, como todos sabemos, há seitas perigosas…”.

  35. Sabia a arguida que as expressões que utilizava eram ofensivas da honra e consideração do...

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