Acórdão nº 1303/17.0PBEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelSÉRGIO CORVACHO
Data da Resolução28 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório Na instrução nº 1303/17.0PBEVR, que correu termos no Juízo de Instrução Criminal de Évora do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, pelo Exº Juiz desse Juízo foi proferida, em 18/11/2018, a seguinte: «Decisão instrutória I - Relatório Nos presentes autos, em que é Arguida CFSCP e Assistente JJGM (EM REPRESENTAÇÃO DO SEU FILHO MENOR DE IDADE HMMB), o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento pela prática do crime de maus tratos, previsto e punido pelo artigo 152.0-A, n." 1, al. a) do Código Penal (despacho de arquivamento de fls. 243 e 244).

* Notificada do referido despacho de arquivamento, a Assistente veio requerer a abertura da fase da instrução, peticionando que, a final, seja a Arguida pronunciada pela prática dos crimes de ofensa à integridade física negligente e omissão do dever de auxílio, previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 148.° e 200.°, ambos do Código Penal (requerimento de abertura de instrução de fls. 250 a 252).

Para tanto alegou, em síntese, que: - No dia 20.12.2017 o seu filho foi agredido pela arguida, sua educadora, na sala do jardim de infância que frequentava; - A arguida atirou o seu filho em direcção a uma cadeira, tendo este batido com a cara, o que lhe causou um hematoma e escoriações no olho e na boca, tendo rasgado o freio e ficado com uma cicatriz no vítulo superior direito, tendo também ficado com um hematoma no joelho direito e esquerdo; - O menor sangrou abundantemente e sofreu dores; - Nenhuma testemunha inquirida viu embrulhos no chão da sala que possibilitassem a queda da arguida, sendo certo que ter objectos onde se possa tropeçar numa sala com menores e andar com menores ao colo podendo neles tropeçar não é acidente nem um acto fortuito, mas sim negligência.

* Por despacho exarado a fls. 262 foi declarada aberta a fase da instrução. Foram tomadas declarações à Assistente e inquirida uma testemunha.

Foi realizado o debate instrutório, de natureza obrigatória, o qual decorreu com observância do disposto no art. 302° do Cód. de Proc. Penal (adiante abreviado por CPP).

* II - Saneamento O Tribunal é absolutamente competente e o Ministério Público dispõe de legitimidade para a prossecução da acção penal.

Não existem nulidades insanáveis, nem questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.

* III - Fundamentação Dispõe o artigo 286.°, n.º 1, do CPC, que «a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento», acrescentando o n.º 1 do artigo 308.° do mesmo diploma legal que «se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indicios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia».

Assim, o critério essencial a utilizar na decisão instrutória é o da suficiência ou insuficiência dos indícios, estabelecendo o n. ° 2 do artigo 283.° do CPP que «consideram-se suficientes os indicios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança» (norma para a qual remete expressamente o n.º 2 do artigo 308.° do CPP).

Vejamos então se os elementos de prova colhidos em sede de inquérito e de instrução são suficientes para, numa perspectiva de possibilidade razoável, conduzir à condenação da arguida pela prática dos crimes de ofensa à integridade física negligente e omissão do dever de auxílio.

* Quanto aos elementos probatórios coligidos em sede de inquérito, há que atender aos seguintes: - Auto de denúncia de fls. 3; - Participação de fls. 4 que se encontra em contradição com a reclamação de fls. 617, uma vez que ali se diz que foi a Assistente a ir buscar o menor à creche e na reclamação refere-se que foi o pai do menor a ir buscá-lo; - Informação da Presidente da Direcção de "………." de fls. 15 e 16 de onde decorre que a arguida foi suspensa das suas funções no âmbito de um processo disciplinar na sequência dos factos que aqui se discutem; - Auto de inquirição da Assistente de fls. 18, de onde decorre que não presenciou os factos e relata factos com base em conhecimento indirecto (factos que lhe foram transmitidos pelo pai da criança e pela auxiliar SF), com excepção dos factos que se prendem com os ferimentos que o menor apresentava e todo o tratamento em ordem a debelá-las, bem como à ausência de contacto telefónico por parte da Educadora a dar conta do sucedido.

- Relatório de urgência de fls. 30 a 32; - Fotografias de fls. 21 a 27; - Auto de inquirição da testemunha SRRF de fls. 35, de onde decorre que não presenciou as alegadas agressões (sendo absolutamente irrelevante para este efeito o que terceiros lhe terão dito, uma vez que se trata de conhecimento indirecto).

Acrescentou que quando entrou na sala «verificou que estava a suspeita com o H ao colo, colocando-lhe gelo na zona da boca e nariz, ligeiramente do lado direito».

Também viu que estava uma criança, o L, a lavar as calças do H, que se encontravam com sangue.

Acrescentou que trabalha há 10 anos com a Assistente e nunca presenciou qualquer situação de agressão às crianças.

- Auto de interrogatório da Arguida de fls. 39 e 97/98.

- Auto de inquirição da testemunha JFMB de fls. 76, que não presenciou a alegada agressão, tendo no entanto ido buscar o menor ao colégio e visto os ferimentos que o mesmo apresentava.

- Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal de fls. 86 a 88, de onde resulta que as lesões terão determinado 3 dias para a cura.

- Auto de inquirição do ofendido HMMB de fls. 92, com recolha de voz e imagem, constando o suporte técnico a fls. 93. O menor prestou um depoimento pouco objectivo e distraído, como é normal e expectável numa criança da sua idade. Ora disse que estava ao colo da arguida, ora que não estava. Ora disse que a arguida o atirou para o chão, ora que não sabia se a arguida o atirou para o chão. Quando referiu que a arguida o atirou para o chão, disse que o atirou com as duas mãos, de cima para baixo (fazendo gestos com os seus braços).

Explicou que bateu com a cabeça numa cadeira e magoou-se na boca, no nariz e no joelho, sendo que lhe ficou a doer mais a boca.

Disse que estava de pé enquanto os seus colegas estavam sentados e a arguida mandou-o sentar muitas vezes. Acrescentou que a Educadora A também ralha, "claro que ralha", "os adultos ralham".

Por fim disse que a arguida colocou-lhe gelo. E que "se calhar gosta da C". - Declaração médica dentária de fls. 115 a 117; - Assento de nascimento do ofendido de fls. 149; - Auto de inquirição de MAC, de fls. 241, que exerce funções no Jardim de Infância "…." e embora não tendo assistido aos factos, deslocou-se à sala onde os meninos se encontravam por ouvir o choro de uma criança, que verificou tratar-se do H. Aí chegada, viu a arguida muito atarefada a limpar o sangue que o H tinha na boca e na cara, bem como o chão e a bancada que ficaram com sangue. Acrescentou que viu a arguida sentada com o ofendido a colocar-lhe gelo na boca, tendo sugerido que se deslocassem ao hospital/urgência, sendo ignorada pela arguida.

* Em sede de instrução, para além do obrigatório debate instrutório, procedeu-se à realização das seguintes diligências de instrução: - Declarações da assistente, que em síntese esclareceu os ferimentos que o seu filho apresentava, os passos até chegarem ao hospital e a medicação que lhe foi administrada para as dores (paracetamol). Mencionou que a arguida não efectuou um telefonema para os pais a explicar o sucedido.

- Inquirição da testemunha AFP, Presidente da Direcção de "……", que não presenciou os factos, mas que sabe da iniciativa do "Pai Natal Solidário”, tendo explicado a mesma, que consiste em as crianças fazerem uma carta ao Pai Natal e os presentes serem apadrinhados por terceiros, entregando-se aos pais das crianças os embrulhos. Referiu que ao final do dia os embrulhos estavam em cima da mesa.

- Declarações da arguida, educadora de infância, que referiu encontrar-se numa sala sozinha com 21 crianças, que se encontravam sentadas, com excepção do menor H. Acrescentou que o chamou para se sentar ao pé dela e para não fazer tanto barulho, não tendo este obedecido, motivo pelo qual o foi buscar. Pegou no menor por baixo dos braços, de costas voltadas para o seu peito, tendo intenção de o sentar perto da sua cadeira. Sucede que, ao voltar-se para o sentar, embateu/tropeçou numa pilha de caixas/embrulhos de natal, desequilibrou-se e caiu. Nisto, o menor bateu no bico da cadeira e começou a sangrar, levando-o de imediato para a casa de banho, limpando-lhe a face com água e toalhas de papel.

Após, levou o menor para a sala, abriu o estojo de primeiros socorros e aplicou-lhe soro fisiológico com uma compressa/gaze para desinfectar as feridas. Pediu também à auxiliar para lhe trazer gelo, o que esta fez, tendo colocado gelo na face da criança. Também colocou no lábio do menor um batom Hirudoid.

Referiu que não obstante a auxiliar ter sugerido que fossem ao hospital, respondeu que primeiro queria ver como reagia o menor e que atenta a hora - eram cerca de 17h e o pai da criança chega sempre antes das 17h30 - queria esperar pelo pai, sendo que este chegou às 17h33.

Explicou que o menor ficou com sangue na roupa, sobretudo nas calças, motivo pelo qual substituiu as mesmas porque dava péssimo aspecto entregar a criança naquele estado ao pai.

Não achou que fosse uma situação grave, tentou fazer o melhor possível para que o impacto não fosse tremendo.

No que concerne aos embrulhos, explicou que desconhece quem os tenha ali colocado, sendo que os mesmos ali não deviam estar.

Referiu que desempenha as funções de educadora há cerca de 23 anos, sendo que 18 foram passados no "….", nunca tendo...

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