Acórdão nº 2341/18.1T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMÁRIO COELHO
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Sumário: (…) Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo Local Cível de Portimão, (…) – Comércio de Automóveis e Tractores, Lda., demandou … (1.º R.) e … (2.ª Ré), formulando os seguintes pedidos: · a condenação do Réu (…) no pagamento à (…) do montante de € 11.000,00 acrescido dos juros contados à taxa legal desde a citação e até integral pagamento com fundamento no incumprimento do contrato de venda do veículo ajustado com a (…); · caso se venha a comprovar que o Réu (…) entregou efectivamente os € 11.000,00 à Ré (…), deverá ser esta condenada no pagamento deste montante à (…) com base no seu comportamento ilícito e no disposto no artigo 483.º do Código Civil, e bem assim igualmente nos juros contados à taxa legal desde a data de citação e até integral pagamento.

Sustentou a A. que vendeu um veículo usado ao 1.º R., pelo preço de € 11.000,00, assistindo a este a obrigação de proceder ao respectivo pagamento. Porém, visto que o 1.º R. alega que entregou o numerário correspondente ao preço à 2.ª Ré, que na altura era a trabalhadora da A. responsável pelo recebimento dos valores devidos pela venda de veículos usados, não tendo dado entrada do correspondente valor na contabilidade da empresa nem emitindo o correspondente recibo de quitação, deverá esta ser subsidiariamente condenada no pagamento do referido montante, do qual se apoderou ilicitamente.

Apenas o 1.º R. contestou a acção, alegando a entrega à 2.ª Ré, em numerário, do valor correspondente ao preço devido pela aquisição da viatura. Formulou também pedido reconvencional, fundado em indemnização por lucros cessantes, por ofensa ao seu prestígio e bom nome comercial.

A 2.ª Ré não contestou nem constituiu advogado.

Prosseguindo os autos para julgamento, e após a produção da prova requerida pela A. e pelo 1.º R., mas antes da produção de alegações orais, foi lançado na acta o seguinte: “Seguidamente, o Mm.º Juiz de Direito questionou as partes quanto à possibilidade de transigirem parcialmente e com anuência dos Ilustres Mandatários das partes foi posto fim ao presente litígio (no que às partes concerne) nos seguintes termos:- TRANSACÇÃO - 1 – A Autora e o Réu (…) decidem pôr termo ao litígio na parte que lhes concerne, desistindo ambos dos respectivos pedidos deduzidos.

2 – As partes prescindem ambas de custas de parte.

Registado em suporte digital (…).

* Após pelo Mm.º Juiz foi proferido o seguinte despacho:SENTENÇA Por legal, tempestivo e atenta a disponibilidade do Objecto, homologo o acordo de transacção celebrado, nos termos conjugados dos arts. 283.º, 284.º, 289.º, a contrario sensu, e 290.º, todos do C.P.C..

Custas por ambas as partes (art. 537.º do C.P.C.).

Registe e notifique.” Produzidas alegações orais por parte do Ilustre Mandatário da A., foi proferida sentença condenando a 2.ª Ré a pagar à Autora a quantia de € 11.000,00 (onze mil euros).

Constituiu então a 2.ª Ré advogada nos autos e apresentou recurso, com as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente o pedido deduzido pela Autora contra a Apelante, condenando-a a pagar aquela a quantia de € 11.000,00 (onze mil euros) a título de indemnização pela prática de facto ilícito por, no douto entendimento do Tribunal a quo, a Apelante ter violado o dever de zelo e diligência na guarda daquele montante, permitindo o seu extravio.

  1. A sentença ora posta em crise enferma, salvo o devido respeito, de três vícios essências vícios, a saber; (i) nulidade, (ii) violação de lei expressão e (iii) erro de julgamento na valoração da prova testemunhal, que exige a sindicância do Tribunal ad quem através da reapreciação da prova gravada, produzida em sede de audiência de Julgamento.

  2. Quanto à nulidade: 3.1. O Tribunal a quo incorreu em excesso de pronúncia por ter decidido sobre matéria que já não podia apreciar em face da desistência do pedido formulada pela Autora [artºs 615º, nº 1, alínea d), in fine, do CPC], porquanto; 3.1.1. Em sede de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 04 de Julho foi exarado um termo de transacção com o seguinte conteúdo: (…) 3.1.2. Do intróito da douta sentença ora posta em crise, o Tribunal a quo fez constar da douta sentença que no decurso da audiência de discussão e julgamento, a Autora e o 1º Réu transigiram tendo ambos desistido dos respectivos pedidos. Segue assim a instância para conhecimento do pedido deduzido quanto à 2ª Ré.

    3.1.3. A Apelante apenas teve conhecimento da aludida desistência no momento em que foi notificada da sentença de que ora se recorre.

    3.1.4. Os pedidos deduzidos pela Autora, na sua petição inicial eram os seguintes: (…) 3.1.5. No caso em apreço, a desistência dos pedidos propugnada pela Autora, nos moldes que se deixaram expressos, não alude à motivação que lhe subjaz nem individualiza qualquer dos pedidos submetidos a juízo por aquela.

    3.1.6. A expressão desistido dos respectivos pedidos é claramente reveladora do conteúdo e extensão da desistência formulada, não deixando quaisquer dúvidas de interpretação quanto à abrangência desta pretensão.

    3.1.7. Se a Autora pretendia limitar a decisão de desistência ao pedido direccionado para o Réu (…), impunha-se-lhe individualizar – com a clara identificação do pedido deduzido – tal pretensão. Ao fazê-lo com a abrangência genérica como o fez, omitindo essa especificação ou individualização, formalizou a desistência global do petitório formulado aquando do impulso processual inicial, sendo extensível não só ao Réu (…) como também à ora Apelante, 3.1.8. Consequentemente, deveria o Tribunal a quo ter ordenado a extinção da instância quanto à Ré, ao invés, ao ordenar o prosseguimento da instância para apreciação do pedido deduzido quanto à 2ª Ré, o Tribunal a quo violou estes preceitos, 3.1.9. Não o tendo feito, incorreu no aludido excesso de pronúncia e, do mesmo passo, violou o disposto nos artºs 277º, alínea d) e 285º, nº 1, ambos do CPC.

    3.2. Sem prejuízo do sobredito, e para o caso de assim não se entender, sempre o Tribunal laborou em vício de igual jaez (excesso de pronúncia) por ter proferido decisão sobre o pedido subsidiariamente deduzido a título condicional, quando a Autora desistiu do pedido principal.

    3.2.1. De facto, o segundo dos pedidos deduzidos pela Autora foi sob condição de não procedência do primeiro pelo que, só no caso da improcedência da acção quanto ao Réu (…) é que o pedido contra a Apelante seria apreciado.

    3.2.2. Assim, não se tendo verificado a condição à qual a Autora subordinou a apreciação do segundo dos pedidos, teria de soçobrar, em função da desistência, a pretensão ao mesmo subjacente.

    3.3. A douta sentença recorrida é ainda, nula, saldo o devido respeito por enfermar de contradição entre fundamentação e a matéria de facto provada, porquanto; 3.3.1. O Tribunal a quo deu como provado que a Ré (…), enquanto funcionária da Autora, recebeu a quantia de € 11.000,00 do Réu (…) para pagamento do veículo automóvel Mercedes adquirido a esta (facto 11). Mais deu como provado que esta se apropriou de tal montante utilizando-os em proveito próprio, e por tal razão não o entregou à Autora (facto 15).

    3.3.2. Porém, da em sede de fundamentação aquele douto Tribunal alicerçou a condenação da Ré na violação o dever de cuidado advinda da ausência de zelo e diligência devidas na guarda dos valores que recebeu no exercício da sua função, o que levou ao extravio desses mesmos valores.

    3.3.3. Assim, não obstante o Tribunal a quo dado como provada matéria enquadrável em prática de facto ilícito (o que não se concede como infra se concluirá) fundamentou a decisão na obrigação de indemnizar derivaria da inobservância de um dever contratual de natureza laboral, deveres estes previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º do CT.

    3.3.4. Nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código do Trabalho, a parte que faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à outra parte, 3.3.5. Tal significa que para que a Autora/empregadora tenha direito a indemnização com base na referida responsabilidade contratual teria de provar, antes de mais, que a conduta imputada ao trabalhador infringiu disposições legais que regulam o contrato trabalho ou que foram convencionadas pelas partes.

    3.3.6. Ocorre que a Autora não fundamenta o pedido em qualquer conduta violadora de uma qualquer específica regra (legal ou convencional) que regia o contrato de trabalho que vigorava entre as partes.

    3.3.7. Também dali não resulta que tenham sido estabelecidas pela empregadora, ou até que resultem da lei, quaisquer específicas condições de execução do trabalho e que o trabalhador as tenha violado.

    3.3.8. Do teor dos depoimentos testemunhas resulta aliás que a guarda de valores em gaveta era prática aceite e institucionalizada naquele estabelecimento comercial da Autora (conforme se demonstrará infra aquando da análise da matéria inserta no ponto 16 dos factos provados para a qual se remete); 3.3.9. Impõe-se, assim, concluir que não foram alegados nem, consequentemente, poderiam ser provados, factos donde fosse possível extrair que a conduta imputada à Apelante infringiu disposições legais ou convencionais relativas ao contrato de trabalho.

    3.4.

    O Tribunal a quo homologou, contra legem, a transacção das partes, violando o disposto no art.º 1249º do Código Civil, porquanto; 3.4.1. Das declarações do Réu … (registos das passagens 10:07 a 10:30, 29:23 a 30:00, 40:59 a 41:10 e 42:49 a 43:26 da gravação da sessão de audiência de julgamento de 26-06-2019, entre as 14:00:11 e as 14:56:41), e do representante legal da Autora, … (registado da passagem 16:00 a 16:35, da gravação da sessão de audiência de julgamento de 04-07-2019, entre as 09:57:07 e as 11:09:24), aquele pagava em numerário à Autora, os veículos a esta adquiridos, por preços que rondavam, os € 10.000,00 e mais.

    3.4.2. Das declarações da testemunha (…), que o Réu celebrou com a Autora inúmeras transacções para aquisição...

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