Acórdão nº 644/18.4T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | PAULA DO PAÇO |
Data da Resolução | 05 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho que H… (sinistrado) move contra E…, S.A. (empregador) e Companhia de Seguros …, S.A. (seguradora), a 1.ª instância proferiu sentença, com a seguinte decisão: «4.1. Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e condeno a ré Companhia de Seguros …, S.A., a pagar ao autor H…:
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A quantia de € 2.201,60, a título de indemnização por incapacidades temporárias para o trabalho; b) A quantia de € 320 para reembolso das despesas com tratamento e deslocações; e, c) Os juros de mora sobre as quantias em atraso, vencidos e vincendos até integral pagamento à taxa legal que estiver em vigor.
4.2. Absolvo a ré Companhia de Seguros …, S.A., de tudo o mais que foi peticionado pelo autor H….
4.3. Absolvo a ré E…, S.A., do pedido alternativo apresentado pelo autor H….
4.4. As custas são a suportar integralmente pela ré Companhia de Seguros…, SA.
4.5. Fixo o valor da ação pela soma dos valores acima reconhecidos (€ 2.522,55) – art.º 120.º, do Código de Processo do Trabalho.» Inconformada, veio a seguradora interpor recurso da sentença, finalizando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem: «A. A Recorrente, não se conforma com a sentença proferida por, em seu entender, o Tribunal a quo ter incorrido em múltiplos erros no processo decisório, que conduziram a incorretas decisões de facto, designadamente na apreciação da prova testemunhal gravada e, em consequência, a uma errada aplicação e interpretação das pertinentes normas jurídicas.
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Quanto à decisão sobre a matéria de facto o Tribunal a quo decidiu incorretamente na resposta aos temas de prova: (i) tendo julgado provado facto com amplitude temporal ilimitada, sem considerar que o mesmo se encontrava condicionado por fator adicional relativamente ao qual foi produzida prova mais do que bastante; e (ii) não considerando provados factos relativamente aos quais foi produzida prova bastante e que, ainda que instrumentais, se reputam fundamentais para a boa decisão da causa.
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O facto contante da alínea T) dos Factos Provados “O agente de Seguros P… aconselhou a ré empregadora a não pagar o prémio até que a ré seguradora informasse como proceder”, não pode ser julgado provado sem mais e sem a ressalva e condicionalismo no âmbito do qual tal indicação foi dada, sob pena de deturpação da realidade.
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Tal conselho foi dado num momento específico, período em que se encontrava em curso o prazo para o pagamento do aviso em causa, e foi condicionado precisamente ao facto de ainda se encontrar em curso o prazo para pagamento do aviso em causa.
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Como resulta do depoimento das testemunhas tal conselho não foi dito no sentido de ficar a aguardar indefinidamente e sem mais até que a Recorrente informasse como proceder, mas sim no sentido de tal ocorrer uma vez e enquanto o prémio ainda estava em prazo de pagamento. Se assim não fosse o conselho seria outro.
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Tal conclusão decorre incontornavelmente do depoimento das testemunhas P… (00:10:57 a 00:11:42 e 00:13:59 a 00:14:10 do seu depoimento) e Â… (00:28:23 a 00:29:50 do respetivo depoimento).
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O facto t) dos Factos Provados deverá ser julgado como não provado, na medida em que, encontrando-se truncado, não corresponde ao que foi efetivamente transmitido à Ré Empregadora; ou, subsidiariamente, passar a ter a seguinte redação: “O agente de Seguros P… aconselhou a ré empregadora a não pagar o prémio até que a ré seguradora” enviasse os recibos de estorno para compensação, uma vez que o prazo para pagamento ainda se encontrava em vigor.
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O Tribunal a quo deveria ainda ter julgado provados factos instrumentais que, atento conteúdo da decisão sobre a matéria de direito não podiam ter sido ignorados pelo Tribunal.
I. Com base nos factos constantes das alíneas J), U) e V) dos factos provados o Tribunal a quo não podia, na sentença e em sede de decisão sobre a matéria de direito, considerar que a emissão de recibos de estorno só por si basta para concluir que o recibo emitido a 24/11/2018 se encontrava errado e que, assim, toda a situação decorrente da falta de pagamento seria na verdade imputável à própria Ré.
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Nesta análise não considerou o Tribunal a quo factos instrumentais e complementares aos factos U) e V), relativamente aos quais possuía todos os elementos necessários para os julgar como provados nos autos.
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O Tribunal a quo deveria assim ter julgado provado e incluído nos factos provados que: a) A Ré Seguradora tomou conhecimento da exclusão do funcionário mencionado pela Ré Engrenagens em dezembro de 2018, já após a emissão do recibo n.º 50937508 de 24 de novembro de 2017.
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Nestas circunstâncias, o procedimento habitual na Ré Seguradora não é proceder à retificação do recibo já emitido, mas sim a emissão de recibo estorno.
L. Estes factos, não sendo nucleares têm um papel completador de factos nucleares e embora não necessitassem de ser alegados (o que até foram nos artigos 4.º e 5 da resposta da Recorrente à contestação da Ré Empregadora), emergem de prova testemunhal cuja produção foi sujeita ao imediato contraditório, com ambas as partes a questionar a(s) testemunha(s) sobre essa factualidade, teriam de ter sido considerados e julgados provados, no seguimento do preconizado na jurisprudência e doutrina.
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Tais factos resultam provados em virtude dos depoimentos das testemunhas Armando Pereira (00:03:44 a 00:06:20 do seu depoimento) e P…, apresentada pela própria Ré Empregadora e a ser inquirida pela sua Ilustre Mandatária (00:02:37 a 00:03:22 do seu depoimento).
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Em sede de apreciação da matéria de direito, o Tribunal a quo questiona se a Recorrente cumpriu as suas obrigações e assim se atuou de boa fé na situação em análise nos autos, concluindo, sem mais, que não, uma vez que o aviso de pagamento de prémio de seguro emitido pela Recorrente se encontrava errado e pecava por excesso.
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O que se verifica e decorre da matéria de facto provada é precisamente o oposto, impondo-se a correção da sentença: (i) O aviso não se encontrava incorreto, pois encontrava-se perfeito nos seus precisos termos na data da sua emissão em 24/11/2017; (ii) a Ré Empregadora, apenas posteriormente em 11/12/2017, comunicou à Recorrente que um seu trabalhador havia cessado o seu contrato de trabalho, pelo que deveria a cobertura da apólice em ser reduzida; (iii) o aviso teve de ser corrigido em virtude de comunicação posterior da própria Ré Empregadora; (iv) a Recorrente de imediato procedeu ao competente ajuste do valor a pagar emitindo os competentes recibos de estorno.
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A Recorrente cumpriu as suas obrigações e, não só não se verificou qualquer erro da sua parte na emissão do aviso, como, assim que tomou conhecimento de facto que determinaria a redução do âmbito de cobertura da apólice, procedeu de imediato à emissão de recibos de estorno, cujo valor, compensado com o constante do aviso inicial, já se encontraria assim de acordo com a cobertura pretendida pela Ré Empregadora.
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A Ré Empregadora não atuou de inteira boa fé ou demonstrou um especial cuidado e diligência, pois sabia que era necessária uma correção, em virtude de comunicação que ela própria fez posterior à emissão do aviso em causa; e, mesmo tendo recebido os recibos de estorno, nunca se preocupou em proceder ao pagamento do valor resultante da dedução dos mesmos junto do seu agente de Seguros.
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Condenando-se a Recorrente nos precisos termos da Sentença, a Ré Empregadora beneficia de cobertura que nunca pagou, pois não procedeu em momento algum ao pagamento (parcial ou integral) de qualquer prémio relativamente ao período em que ocorreu o acidente.
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Não resulta provada nos autos qualquer factualidade suscetível de levar à consideração de que a Recorrente não cumpriu as suas obrigações impondo-se assim concluir que ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo, nesta parte, fez uma incorreta interpretação e violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil, e condições uniformes que constam da Portaria n.º 256/2011, de 5 de julho (em particular as cláusulas 13.ª, n.ºs 2 e 3, 14.ª, 16.ª, n.ºs 2 e 3, 17.ª) e art. 762.º do Código Civil.
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A Ré Empregadora, sabia que, não obstante o ocorrido, era seu dever proceder ao pagamento referente ao período de cobertura durante o qual ocorreu o acidente, o que nunca fez, arrogando-se o direito de transmissão da sua responsabilidade por acidentes de trabalho para um terceiro, relativamente a um período relativamente ao qual sabe nada ter pago.
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A Ré Empregadora recebeu os avisos de estorno e, mesmo assim, não diligenciou no sentido de (como já havia sucedido antes), junto do agente de seguro fazer a compensação de créditos (aviso de pagamento de prémios contra recibos de estorno) e assim regularizar a situação.
V. É a atuação da Ré Empregadora que se encontra ferida de abuso de direito, pois esta bem sabia a origem da necessidade de acerto dos montantes em causa, não procedeu ao pagamento de qualquer montante e ainda se arroga o direito de cobertura de um acidente que ocorreu em período relativamente ao qual não procedeu a qualquer pagamento.
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Tento o Tribunal decidido como decidiu procedeu a uma incorreta interpretação e conformação do direito aplicável, violando o disposto no artigo 334.º do Código Civil.
X. O a sentença do Tribunal a quo nos seus precisos termos tem como consequência um enriquecimento sem causa da ré empregadora, verificando-se: (i) a existência de um duplo enriquecimento da Ré Empregadora, mediante a poupança de despesas (prémio de seguro) e não empobrecimento (por não suportar os valores a pagar ao trabalhador); (ii) o enriquecimento carecer de causa justificativa, pois foi a própria Ré Empregadora que esteve na origem do alegado «incumprimento de obrigação» por parte da Recorrente; (iii) o enriquecimento é obtido à custa do empobrecimento daquele que “pede” a restituição, a Recorrente.
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A Sentença é assim totalmente desconforme ao direito...
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