Acórdão nº 100/19.2T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelMÁRIO BRANCO COELHO
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Évora, R… impugnou o despedimento na sequência de procedimento disciplinar movido pelo empregador R…, S.A.

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Realizada a audiência prévia, sem conciliação das partes, o empregador apresentou articulado motivador do despedimento, o qual mereceu a contestação do trabalhador, invocando a nulidade do procedimento disciplinar, ao não ser considerada a resposta à nota de culpa nem realizada a inquirição da testemunha ali arrolada, mais arguindo a nulidade da nota de culpa por impossibilidade de determinação do número de dias e horas de que vem acusado de ter faltado. Mais argumenta que o número de faltas dado não é bastante para determinar a verificação da justa causa, formulando pedido reconvencional associado à declaração de ilicitude do despedimento, com pagamento de indemnização de antiguidade e salários de tramitação.

Na resposta a empregadora afirmou que não recepcionou qualquer resposta à nota de culpa e que a impressão de uma mensagem de correio electrónico apresentada pelo trabalhador não comprova a efectiva recepção daquele documento.

Realizado o julgamento, a sentença concluiu pela nulidade do procedimento disciplinar, pois ficou demonstrado que o trabalhador enviou a resposta à nota de culpa, apesar de se desconhecer se tal documento foi recepcionado pela instrutora do procedimento disciplinar, e ainda que a nota de culpa era nula por não conter a descrição circunstanciada dos factos imputados.

Em consequência, declarou a ilicitude do despedimento e condenou a empregadora a pagar uma indemnização equivalente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção, bem como as retribuições devidas desde o despedimento, sujeitas às deduções previstas no art. 390.º do Código do Trabalho.

Introduzindo a presente instância recursiva, a empregadora concluiu: 1. A douta sentença recorrida analisando os autos de processo laboral supra concluiu pela ilicitude de aplicação de sanção de despedimento no caso em apreço.

  1. A prova produzida nos autos e em audiência e a análise do procedimento disciplinar importariam necessariamente decisão diversa incorrendo assim o douto Tribunal a quo em incorrecta aplicação do Direito, porquanto se mostra provada a factualidade, essencial e caracterizadora do ilícito disciplinar grave, constante da nota de culpa e do relatório final que fundamentou a aplicação da sanção disciplinar de despedimento com justa causa. Por economia processual dá-se aqui por integralmente reproduzida a matéria facto identificada sob letras A) a HHH).

  2. A douta sentença recorrida afirma o padecimento de invalidade do procedimento disciplinar, a saber violação do direito de defesa do trabalhador arguido em sede de procedimento disciplinar e invalidade da nota de culpa.

  3. Quanto à alegada violação do direito de defesa o douto Tribunal a quo deu como não provada a não recepção pela instrutora do procedimento disciplinar da resposta à nota de culpa enviada pelo Recorrido por e-mail.

  4. É certo que o Recorrido fez prova do envio do mail (por junção documental do mesmo) e que terceiro à comunicação, a saber a testemunha J…, cunhada do Recorrido e funcionária forense do seu Ilustre Mandatário, recepcionou o mesmo. Entende o douto Tribunal a quo, se se apreende correctamente a fundamentação apresentada, que a demonstração que a testemunha J… recepcionou a mensagem de e-mail contendo a resposta à nota de culpa afasta a não recepção pela instrutora.

  5. Não se vislumbra, como poderia a Recorrente efectuar prova negativa. A Instrutora do processo disciplinar, ouvida como testemunha afirmou que não recepcionou o referido e-mail, não tendo recebido o mencionado e-mail não se vislumbra como poderia a sra. Instrutora e, consequentemente, a Recorrente fazer prova da não recepção, sendo certo que não há prova documental da não recepção do e-mail.

  6. Acresce que, se afigura temerária e não sustentada a presunção segundo a qual a confirmação da recepção por parte da mencionada testemunha J…, cujo local de trabalho é o mesmo do ponto de origem do e-mail contendo a resposta à nota de culpa, leva à conclusão que o mesmo e-mail tenha sido recepcionado pela sra. Instrutora que se encontra em cidade, e distrito diverso, tanto mais que se afiguraria mais curial na apresentação de defesa em processo disciplinar a utilização de um sistema de comunicação, ainda que por via e-mail, permitisse a confirmação da recepção do mesmo pelo destinatário. O que não existiu.

  7. Crê-se assim que o entendimento do douto Tribunal a quo a este propósito não se mostra fundamentado em certeza e prova factual, mas sim em presunção que a Recorrente se mostra impossibilitada de ilidir, porquanto não pode fazer prova de um facto negativo. Não havendo prova factual não poderia o douto Tribunal a quo ter dado como não provada a não recepção do e-mail do Recorrido contendo a resposta à nota de culpa.

  8. Dir-se-á ainda, sem conceder, que não se afigura que a ausência de realização da audição da testemunha arrolada na resposta à nota de culpa apresentada, mercê da não recepção da mesma, determine a invalidade do procedimento disciplinar por violação do direito de defesa/contraditório sequer tal entendimento encontra sustentação legal.

  9. O CT prevê como invalidade do procedimento disciplinar, na modalidade de violação do direito do contraditório, a não permissão de consulta do processo disciplinar; a impossibilidade de apresentação de resposta à nota de culpa o incumprimento do prazo de resposta à nota de culpa – Cfr. 382.º, n.º 2 do CT, sendo que nenhuma das situações legalmente previstas encontram respaldo na douta sentença ora em crise inexistindo factos que sustentem tal entendimento.

  10. Acresce ainda que o teor da defesa apresentada (atendendo à resposta à nota de culpa junta aos autos), não parece suportar-se em factos que careçam de demonstração por meio de prova testemunhal, única diligência aparentemente requerida, já que o Recorrido em momento algum impugna as ausências, ou apresenta justificação para as mesmas, sugerindo apenas que os factos em apreço deveriam ser sancionados de modo diferente da sanção de despedimento sem compensação ou indemnização.

  11. Termos em que inexistindo factualidade carecida de demonstração poderia equacionar-se da pertinência da realização da diligência probatória requerida e da influência, ou ausência da mesma, no que respeita à apreciação factual do processo disciplinar, podendo mesmo equacionar-se a recusa da realização de tal diligência por falta de pertinência, na eventualidade de a Recorrente ter sido destinatária, através da instrutora nomeada, da resposta à nota de culpa.

  12. A douta sentença recorrida afirma que a nota de culpa não contém a descrição circunstanciada dos factos imputados ao Recorrido, por incorrecta indicação de horário de início e fim da ausência do Recorrido ao trabalho de forma injustificada, concluindo que se encontram indicados sim o início e fim de prestação o que determinaria a invalidade total e insanável da nota de culpa.

  13. A mencionada incorrecta indicação de horário de início e fim da ausência do Recorrido ao trabalho de forma injustificada não se afigura geradora de nulidade insanável sendo sim um lapso de escrita, perceptível na análise integrada da documentação junta aos autos de processo disciplinar, o que aliás é reconhecido na douta sentença recorrida que afirma, grosso modo, que as ausências imputadas ao Recorrido em sede de nota de culpa foram apreendidas mediante apreciação dos demais elementos de prova, cfr. fls. 19, antepenúltimo parágrafo da douta sentença recorrida.

  14. Analisando a nota de culpa afigura-se que a mesma se encontra elaborada de modo a ser facilmente compreendida pelo Homem médio, indicando de forma facilmente perceptível os dias em que se verificaram ausências, os horários e o tempo de ausência, consoante seja dia inteiro ou ausência parcial, não se vislumbrando a omissão de qualquer elemento que permitisse a compreensão dos ilícitos disciplinares imputados ao Recorrido, nem a inclusão de elementos susceptíveis de gerar dúvida.

  15. Acresce, da análise da defesa apresentada pelo Recorrido em sede de douta Contestação, que os factos constantes da nota de culpa foram perceptíveis e apreendidos pelo mesmo que demonstrou pleno e perfeito entendimento dos mesmos. Pelo que não se vislumbra fundamento para alegar impossibilidade de defesa e falta de apreensão dos factos e a sua integração no espaço e no tempo.

  16. Não se vislumbra qualquer irregularidade na elaboração da dita nota de culpa que obstasse ao cabal entendimento da factualidade aí descrita ou da acusação que impendia sobre o Recorrido, reiterando-se que o Homem médio, colocado na posição de arguido do procedimento disciplinar, compreenderia correctamente a factualidade em apreço, mostrando-se capaz de apresentar defesa concreta perante tal factualidade.

  17. A ausência de invalidade do procedimento disciplinar e da decisão disciplinar sancionatória atenta a manifesta compreensão do Recorrido dos factos de que vinha acusado encontra sustentação na doutrina e jurisprudência que afirmam que, não obstante a descrição dos factos não ser circunstanciada, no que não se concede, se o trabalhador pelo modo como se defendeu demonstra ter compreendido adequadamente aquilo de que vem acusado o procedimento disciplinar deve ser considerado válido em obediência do primado da substância sobre a forma, neste sentido o artigo da Sra. Juíza Desembargadora Albertina Pereira, “Procedimento disciplinar. Velhas e Novas Questões” in “IX e X Congresso Nacional de Direito do Trabalho”, Almedina, pág. 250, supra transcrito.

  18. Concluindo-se, consequentemente, que deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que conhecendo da factualidade dada como provada declare o despedimento lícito, com as legais consequências.

A resposta sustenta a manutenção do julgado.

Já nesta Relação, o Digno Magistrado do...

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