Acórdão nº 1676/12.1TAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL DUARTE
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - Relatório 1 - No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo n.º 1676/12.1TAFAR, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Faro - Juiz 4, foram julgados os arguidos: - FMCR, filho de FMCR e de BMCR, natural de………., nascido a ………., residente na ………………..,……….

e - JGMR, filho de JJR e de MFRMR, natural de ………., nascido a……………….. residente na, ………….., tendo sido proferido o acórdão seguinte: “- Absolver os arguidos FMCR e JGMR da acusação da prática de um crime de peculato, p. e p. pelo art. 375º do CP; - julgar extintas as medidas de coacção aplicadas, nos termos dos art. 214º n.º 1 al. d) e 376º n.º 1 do CPP; - absolver os demandados FMGR e JGMR do pedido de indemnização deduzido; - declarar que não são devidas custas criminais; - condenar a demandante no pagamento das custas cíveis; (…).” 2 - O MºPº, inconformado, interpôs recurso desse acórdão absolutório. As conclusões apresentadas são as seguintes: “1 – Por Acórdão de 23/09/2019, proferido nos autos à margem supra referenciados, foi decidido pelo Tribunal Coletivo absolver os arguidos FMC e JGMR da prática do e um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375º, n.º 1, por referência ao artigo 386º n.º 1 al. d) do Código Penal, de que vinham pronunciados 2 – Ora, entende o Ministério Público que foram incorretamente julgados alguns dos pontos da matéria de facto dada como não provada – nomeadamente os constantes das alíneas c), d), h), i) e j) – os quais, atendendo à prova recolhida nos autos e produzida em audiência, deveriam ter sido dados antes como provados

3 – Entendendo ainda o Ministério Público, por outro lado, que o ponto 13 da matéria de facto dada como provada deveria ter sido eliminado

4 – Deste modo, alega-se que a decisão condenatória padece de erro no julgamento/apreciação da prova, designadamente no que toca ao teor do documento de fls. 2176 a 2180 dos presentes autos, às declarações prestadas pelos dois arguidos em audiência de julgamento, bem como aos depoimentos prestados na mesma pelas testemunhas PS, EP, AS, AV e GS

5 – Com efeito, dos aludidos elementos de prova resulta inequívoco que a factualidade constante das supramencionadas alíneas da matéria de facto dada como não provada, ao invés do que se considerou no douto Acórdão, deveria ter sido dada como provada pelo Tribunal Coletivo

6 – Além de que a factualidade constante do ponto 13) da matéria de facto dada como provada não se encontra fundamentada em qualquer elemento de prova (constante dos autos ou que tivesse sido produzido em audiência de julgamento). 7 – Nomeadamente, porque dos mesmos elementos de prova não resultava que os pagamentos mencionados nos pontos 8 e 10 da matéria de facto dada como provada visavam compensar os arguidos pelas despesas suportadas com outras despesas, mormente o uso de telemóveis ao serviço da ……

8 – Entende assim o Ministério Público que a apreciação, segundo as regras da experiência, dos elementos de prova supra referenciados, em conjugação com a restante prova recolhida nos autos e produzida em audiência de julgamento, deveria ter levado o Tribunal a quo a tomar uma decisão (no tocante à enumeração dos factos provados e não provados) nos termos expostos na presente motivação de recurso

9 – E, a admitir-se que a factualidade mencionada na presente motivação de recuso deve, como entendemos que sim, ser dada como assente, temos que os mesmos factos consubstanciam a prática por cada um dos arguidos FMCR e JGMR de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375º, n.º 1, por referência ao artigo 386º n.º 1 al. d) do Código Penal

10 – Devendo pelo exposto cada um dos arguidos ser condenado em conformidade numa pena prisão, embora suspensa na sua execução

Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, devendo o Acórdão proferido nos presentes autos ser substituído por outro que condene os arguidos FMCR e JGMR pela prática de um crime de peculato

V.Exªs farão, como sempre, JUSTIÇA!” 3 - Os arguidos apresentaram resposta, ao recurso interposto 3.1 - As conclusões referentes á resposta do arguido, JGMR são: “I. O Recorrente impugna a decisão de facto quanto aos pontos c), d), h), i) e j) da matéria de facto dada como não provada; II. Invocando que a decisão condenatória padece de erro no julgamento/apreciação da prova, designadamente no que toca ao teor do documento de fls. 2176 a 2180 dos presentes autos, às declarações prestadas pelos dois arguidos em audiência de julgamento, bem como aos depoimentos prestados na mesma pelas testemunhas PS, EP, AS, AV e GS, pelo facto dos mesmos resultar inequívoco que a factualidade constante das supramencionadas alíneas da matéria de facto dada como não provada deveria ter sido dada como provada pelo Tribunal Coletivo; III. Sucede que tais meios de prova não são base para considerar como provados os factos invocados; IV. Muito pelo contrário, das declarações das testemunhas PS, AS, GS e EP resulta uma coincidência pela defesa apresentada pelo Recorrido em sede de Audiência de julgamento: as folhas de quilómetros compensavam- no pelo desgaste do seu veículo e o uso do cartão de crédito para pagamento de combustível tinha o propósito de colmatar as despesas que o mesmo tinha com telecomunicações e portagens, de forma a haver um justificativo contabilístico, por aquelas despesas estarem contabilisticamente afetas à sua empresa; V. Coincidindo também com o declarado pelo Arguido FR; VI. A prática instituída desde o ano de 1999 era transferir o número de telefone pessoal para dentro da conta telefónica da ……, e a Associação pagava todas as chamadas, as de representação da …….. e as chamadas pessoais, situação com a qual o arguido nunca concordou, situação, aí sim, que consubstancia a prática de um crime de peculato

  1. As Direções que sucederam ao Arguido depois do ano de 2013 mantiveram o mesmo princípio de incluir os números pessoais na conta da ……….

  2. Algumas actas da Direcção da …….. desapareceram das instalações da Assistente, conforme resulta do relatório de auditoria e de esclarecimentos prestados pela Assistente nos autos, segundo os quais as antigas instalações da …….. foram objecto de furto em Abril de 2013, além de que o servidor antigo danificou-se no período do mandato 2013- 2016, perdendo-se toda a informação e documentação que aí se encontrava armazenada (fls. 2397 e 2711 a 2712), conforme resulta do despacho de pronúncia (página 29)

  3. Caso tais actas fossem apresentadas nos autos pela Assistente, tal justificaria os gastos de deslocações e os gastos de representação previstos nos Estatutos da …….., designadamente no artigo 32.º alínea e), conforme mencionado no artigo 13.º da contestação à pronúncia

  4. Por outro lado, o Recorrente também alega que o facto 13) dado como provado não deveria ter sido dado como provado por falta de prova produzida nesse sentido; XI. No que diz respeito aos gastos com o telefone pessoal, durante o período em que o Arguido exerceu as suas funções, não seria de todo viável analisar mensalmente a facturação detalhada da conta do Arguido e imputar o valor à «……..», uma vez que esse detalhe é composto por nove folhas A4, com 856 linhas de comunicações em que os números de destino não são identificados de forma completa, conforme documento n.º 2 junto à contestação à pronúncia

  5. Também dos depoimentos das testemunhas PS, AS, GS e EP resulta semelhança com o alegado pelo Arguido em sua defesa

  6. Não havendo prova que refutasse a versão dos arguidos, o Tribunal a quo, tendo ficado com dúvidas sobre a veracidade da versão apresentada pelos arguidos, apesar de considerar que a mesma fazia sentido, decidiu in dubio pro reo

  7. O princípio do in dúbio pro reo impõe ao Julgador que decida em benefício do arguido caso, depois de produzida toda a prova, fique com dúvida razoável sobre os factos

  8. Pelo que carece de fundamentos a impugnação da matéria de facto apresentada em sede de recurso pelo Ministério Público

  9. Termos pelos quais deve ser o recurso apresentado ser por V. Exas. julgado totalmente improcedente

Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., requer-se a V. Exas. que a decisão recorrida seja integralmente mantida porque aplicou correctamente o direito e serviu a já acostumada JUSTIÇA!” 3.2 - No que respeita à resposta do arguido, FMCR, a mesma não contém conclusões. Em síntese, o seu conteúdo é o seguinte: “O Recorrido FMCR vinha pronunciado como autor material e na forma consumada pela prática de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.º do Código Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, alínea d) do mesmo diploma legal

Pese embora esse facto, a verdade é que, ao longo de todo o processo, o Recorrido FMCR, assim como aliás o Recorrido JGMR, sempre apresentaram a mesma justificação para a existência de folhas de quilómetros e, em simultâneo, pagamentos de combustível em cartão de crédito (veja-se, a este propósito, as declarações prestadas pelo Recorrido em sede de inquérito, a fls., o requerimento de abertura de instrução, a fls., bem como as declarações prestadas, quer em fase de instrução, quer em fase de julgamento)

Sistema esse que, convém recordar, consistia compensar os membros da Direcção da Assistente, em especial o seu Presidente e Tesoureiro, que consagravam praticamente toda a sua actividade à associação, das despesas incorridas ao serviço da daquela, ainda que não documentadas, como, por exemplo, consumo de telemóvel e portagens cobradas através do sistema da via verde

A este respeito, convém ainda recordar que, à data dos factos, os Recorridos JGMR e FMCR eram, respectivamente, Presidente e Tesoureiro da direcção da Assistente

Conforme resultou da prova produzida em sede de julgamento, o Recorrido FMC deslocava-se quase diariamente à sede da Assistente

Por outro lado, conforme resultou do depoimento das diversas testemunhas inquiridas em sede de julgamento, o Recorrido...

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