Acórdão nº 649/19.8TELSB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo de inquérito nº 649/19.8TELSB, que corre termos no Tribunal da Comarca do Setúbal, Juízo de Instrução Criminal, Juiz 2, após primeiro interrogatório judicial de arguido detido, realizado em 19/02/20, foi determinada a aplicação da medida de coacção de obrigação de apresentação periódica, cinco vezes por semana, no OPC da área de sua residência a (...), pela imputação, indiciária, de um crime de pornografia de menores, p.p., pelos Artsº 176 nº5 e 177 nº7, ambos do C. Penal.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o MP, concluindo as suas motivações da seguinte forma (transcrição): 1 - Nos presentes autos, na perspectiva do Ministério Público, investiga-se a prática de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punível nos termos conjugados dos artigos 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 7 e de um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punível nos termos conjugados dos artigos 176.º, n.º 1, al. d) e 177.º, n.º 7, todos do Código Penal.

2 - Por despacho judicial datado de 19.02.2020, o tribunal ora recorrido indeferiu a promoção do Ministério Público, efectuada nos termos dos artigos 191.º, 193.º, 202.º, n.º 1, al. a) e 204.º, als. a), b) e c), todos do CPP, de aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva.

3 - Apesar de o tribunal considerar como fortemente indiciados os factos carreados para os autos pelo ora recorrente, considerou, sumariamente, que parte da conduta do arguido não se subsumia ao crime de pornografia de menores, previsto e punível nos termos da al. c) do artigo e diploma supra citados, mas sim à conduta prevista e punível nos termos do n.º 5, mais considerando não estar suficientemente indiciada factualidade que permite integrar restante conduta na al. d).

4 - Ora, da subsunção jurídica alcançada pelo tribunal, quanto à al. c) do artigo 176.º, n.º 1 do Código Penal e da não verificação, na perspectiva da Mma. Juiz, da indiciação da factualidade passível de integrar a al. d) do mesmo artigo e número, ambos do Código Penal resultou que qualquer uma das penas em abstracto aplicáveis ao arguido, que nesta fase determinam quais as medidas de coacção passíveis de serem aplicadas, é inferior a cinco anos estando vedado, por isso, o recurso à medida de coacção de prisão preventiva, algo com que o Ministério Público não pode concordar.

5 – Na sua decisão a Mma. Juiz deu fortemente indiciado que o arguido partilhou dois ficheiros pedo pornográficos, através do Facebook, no dia 06.10.2018, pelas 22h14m17s, com utilizador com o nome (…); 6 –Assim como deu como fortemente indiciado que o arguido possuía onze outros ficheiros pedo pornográficos em suporte digital e diversos equipamentos informáticos, incluindo dois computadores portáteis, um disco rígido e três dispositivos de armazenamento digital portáteis, incluindo um disco externo da marca Western Digital, com o número de série (…); 7 – E deu como demonstrado que dois dos dispositivos de armazenamento externo tinham sido alvo de formatação no dia 16 e 18 do corrente mês e ano, o que resultou na eliminação de todos os ficheiros neles incluídos e que o O arguido tem ao seu dispor um programa informático específico considerado anti-forensic com o nome Wise Disk Cleaner o qual permite uma formatação mais extensa, para além da simples eliminação através do sistema operativo instalado no computador, programa informático que se detectou estar instalado no hardware apreendido ao arguido e que tem instalado no seu computador o navegador de anonimização denominado TOR, que lhe permite navegar em todos os sites da internet sem revelar o seu IP real, ocultando assim a identidade do seu computador e consequentemente a sua, ademais permitindo-lhe, quando navega na internet através de tal programa, partilhar ficheiros com conteúdo similar ao supra descrito sem ser detectado, assim como tem instalado no seu computador o programa informático UTorrent que lhe permite ceder e adquirir ficheiros informáticos, numa lógica de partilha com os diferentes utilizadores, à escala mundial, que estejam conectados à internet e que estejam a utilizar o mesmo programa.

8 – Mais dando como preenchidos os elementos subjectivos que ao caso importam e que [o]arguido vive em frente a um parque infantil, sito no (…).

9 – Foi ainda decidido que foi condenado por sentença transitada em julgado em 07.09.2015, proferida no processo (…), onde foi condenado na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e na pena acessória, pelo período de 10 anos, de suspensão de exercício de qualquer actividade que implique ter menores sob a sua responsabilidade, educação tratamento ou vigilância, pela prática de 2 crimes de pornografia de menores, um deles na forma agravada e um crime de abuso sexual de criança agravado e que foi condenado por sentença transitada em julgado em 02.12.2015, proferida no processo (…), onde foi condenado na pena de 1 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual tempo, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças tendo-se posteriormente operado o cúmulo jurídico das penas daí resultando que aplicada ao arguido uma pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, subordinada à condição de acompanhamento/tratamento em consulta da especialidade de psiquiatria e ou psicologia para seguimento de perturbações como a apresentada e ainda pena acessória do exercício de funções pelo prazo de 10 anos, pena extinta ao abrigo do artigo 57º do CP por decisão proferida a 25-01-2020 tendo ocorrido a extinção a 30-09-2019.

10 – Porém o Tribunal a quo afastou a subsunção jurídica da factualidade praticada pelo arguido no artigo 176.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, imputado pelo Ministério Público, argumentando que a partilha dos dois ficheiros que deu como demonstrada não constitui distribuição, exportação ou divulgação de material pedo-pornográfico uma vez que tais conceitos exigem que se verifique lógica de disseminação desse material ou através de circuitos comerciais ou através de outro tipos de circuitos, mas que pressupõem uma universalidade de destinatários e uma potencialidade de lesão de determinados bens, o que não parece poder aplicar-se à aludida conduta de partilha de material, a uma única pessoa certa e determinada.

11 - A norma sub judice foi introduzida aquando da reforma penal de 2007, decorrendo a tipificação penal das condutas em causa no nosso ordenamento jurídico, já desde momento anterior, da transposição para o direito interno nacional das convenções e instrumentos de direito comunitário e internacional que Portugal se obrigou a implementar, devidamente explicitados na motivação, que aqui se dão como reproduzidos e que devem ser imterpretados à luz do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa.

12 - Ao consultarmos os diplomas suprarreferidos facilmente constatamos que o alargamento da punibilidade das condutas previstas no artigo do Código Penal em referência, tem directamente que ver com facilidade e rapidez de acesso a materiais de pornografia de menores e de difusão dos mesmos na internet.

13 - A evolução tecnológica incrementou exponencialmente a aquisição, distribuição, divulgação, exibição e cedência de materiais pedo pornográficos. É assim e desde logo pela amplitude da rede que, pela sua extensão, dificulta a perseguição e investigação de condutas ilícitas; pelo anonimato que propicia ao consumidor deste tipo de materiais pornográficos; e, ainda, de um terceiro ponto de vista, pelas vantagens proporcionadas e inerentes à própria rede, como o aumento da oferta e da troca de materiais pedo pornográficos e a facilidade e a rapidez em aceder a eles sem quaisquer custos. Quer no plano das comunidades europeia e internacional quer no domínio da ordem jurídica interna, a resposta a esta nova forma de acesso e de difusão de material pornográfico de menores passou por uma estratégia de alargamento da proibição e, em alguns casos, pelo endurecimento da sanção por recurso ao direito penal.

14 - Consciente de que produção e disseminação de material pedopornográfico estão intimamente ligadas ao tráfico de crianças para fins de exploração sexual, o legislador português optou por uma perspectiva mais actuante de criminalização ao escolher, para além da Decisão-Quadro que supra se referiu, criminalizar as condutas que utilizem ou recorram à representação realítica de menor enquanto material pedo-pornográfico, assim como, agora no que diz respeito à Convenção sobre o Cibercrime, não deixou de classificar como infracções penais as condutas que consistam na obtenção para si ou para outra pessoa de pornografia infantil através de um sistema informático ou na posse de pornografia infantil ou num dispositivo de armazenamento de ficheiros informáticos, quando mediante declaração de reserva, o poderia ter feito, optando desta forma por criminalizar, para além da partilha/cedência/divulgação material pedo pornográfico, condutas de consumo de tal material.

15 – Nesta perspectiva, com a alteração do Código Penal, pela Lei n.º 103/2015, de 24.09.2015, pese embora tenha sido mantida intocada a redacção do art. 176.º, n.º 1, alínea c), que como já afirmámos na perspectiva do Ministério Público é aplicável ao caso dos autos, foi aditado o n.º 6, cujo teor aqui damos por reproduzido e que apenas tem relevo para o caso dos autos para enfatizar o endurecimento da criminalização de uso de material pedopornográfico, passando o anterior n.º 4 para o n.º 5, com alterações ao texto já que onde se lia “Quem adquirir ou detiver os materiais previstos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.”, passou a ler-se ”Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais...

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