Acórdão nº 634/19.0T8ORM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO O Ministério Público veio, ao abrigo do disposto nos artigos 138º, 141º, nº 1 e 143º, todos do Código Civil [CC] e artigos 892º e seguintes, do Código de Processo Civil [CPC], intentar a presente ação especial de acompanhamento, em benefício de A…, alegando, em síntese, que este tem uma deficiência mental moderada, não sabe ler nem escrever, reconhece algumas notas e moedas, mas não consegue fazer trocos nem reconhece o valor do dinheiro, manifestando comprometimento ao nível da orientação, atenção, evocação e linguagem, e apesar de a mãe o ir visitar e de passarem alguns fins-de-semana juntos, tais contactos são esporádicos.

Conclui deste modo que por força da doença que o afeta, o beneficiário tem as suas faculdades intelectuais e volitivas condicionadas e não tem autonomia para os atos da vida quotidiana, necessitando de alguém que supra a impossibilidade de, por si, praticar tais atos, carecendo de alguém que o acompanhe nas tarefas do seu dia-a-dia e na administração do seu património.

Termina pedindo que seja decretado o acompanhamento do beneficiário por razões de deficiência mental e de saúde, indicando para exercer as funções de acompanhante a Diretora da instituição onde aquele se encontra a residir.

Citado o beneficiário, não contestou, tendo-lhe sido nomeado defensor que também não contestou.

Teve lugar a audição do beneficiário, nos termos do artigo 898º do CPC (cfr. auto de fls. 51-52).

Foi elaborado o relatório de Perícia Psiquiátrica Médico-Legal efetuada ao beneficiário (cfr. 55-57 dos autos).

Procedeu-se à inquirição da única testemunha arrolada pelo Ministério Público.

Seguidamente foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, indeferindo o pedido de acompanhamento de maior do beneficiário A….

O Ministério Público, inconformado com a sentença proferida veio dela interpor recurso de apelação, finalizando a respetiva alegação com as seguintes conclusões: «I – Entendemos que, na matéria de facto provada: I.1 - No ponto 3, não deveria considerar-se provado o segmento em que se diz: O requerido consegue realizar cálculos simples e fazer trocos com o dinheiro.

Na verdade, sem olvidar que, perante o Meritíssimo Juiz, o beneficiário foi capaz de realizar um ou dois cálculos simples com o dinheiro que lhe foi apresentado, não é despiciendo realçar que o exame médico-legal tem uma duração mais longa que a audição, e é realizado por perito médico psiquiatra, com formação específica para abordar estes doentes, conversando sobre outros temas que não as perguntas tabelares que são realizadas na audição, sendo por isso mais suscetível de fazer vir à tona as verdadeiras fragilidades do examinado.

I.2 – O ponto 7 deveria ter a seguinte redação: O requerido não sabe ler, nem escrever, embora tenha estudado até ao 12.º ano, com currículo funcional.

Na verdade, o requerido não conseguiu adquirir as competências básicas da leitura e da escrita, não obstante ter completado a escolaridade obrigatória ao abrigo de currículos alternativos, o que bem demonstra a sua significativa debilidade mental, não sendo, salvo o devido respeito, possível comparar este rapaz com as pessoas que, sem prejuízo da sua capacidade intelectual, são analfabetas por não terem tido a possibilidade de frequentar a escola.

I.3 – Deveriam acrescentar-se os seguintes pontos: 10 – O requerido não tem noção do valor real do dinheiro, não sendo capaz de o gerir de molde a fazer face às suas necessidades.

11- O requerido não tem capacidade para exercer a parentalidade.

Neste segmento, realçamos desde logo o depoimento da testemunha T…, Diretora da instituição em que o requerido se mostra integrado, que depôs de forma muito isenta e franca, demonstrando a sua genuína preocupação com o futuro deste.

Mas realçamos sobretudo o exame pericial junto aos autos, que conclui que o quadro de debilidade mental moderada do beneficiário se “verifica desde o nascimento, é irreversível, e afeta todas as áreas da sua vida corrente, social, afetiva e económica. Pelo exposto, o examinando apresenta limitações na sua vida de relação, pelo que necessita de supervisão para gerir os seus bens, pensões ou subsídios, não possuindo capacidade para vender ou comprar bens, celebrar contratos, constituir sociedades comerciais, contrair empréstimos bancários. Não consegue igualmente fazer a gestão da sua vida profissional, só sendo capaz de desempenhar uma atividade profissional se ao abrigo de um programa de emprego protegido ou similar. Embora consiga gerir a sua vida afetiva, não é capaz de exercer a parentalidade”.

II – De harmonia com o disposto no artigo 130.º do Código Civil, todas as pessoas possuem, a partir do momento em que atingem a maioridade e por regra, “plena capacidade de exercício de direitos”, regendo-se livremente e dispondo dos seus bens.

III – Porém, conforme estatui o artigo 138.º, n.º 1, do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 49/2018 de 14 de Agosto “O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.”, as quais se encontram expressamente corporizadas no artigo 145.º, do mesmo diploma legal.

IV – A Lei n.º 49/2018, de 14-08 introduziu uma profunda alteração de paradigma no regime jurídico aplicável às pessoas que vejam a sua capacidade para o exercício de direitos de algum modo afectada, visando a salvaguarda da primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível.

V – Exige-se que o beneficiário esteja impossibilitado de exercer plena, pessoal e conscientemente os direitos ou cumprir os deveres (requisito de ordem subjectiva) e que tal suceda por razões de saúde, deficiência ou comportamento (requisito de ordem objectiva).

VI – E o que este recente regime veio trazer de realmente inovador relativamente à interdição/inabilitação, é o facto de o conteúdo do acompanhamento ser, conforme decorre do artigo 145.º do Código Civil, variável de acordo com as necessidades concretamente evidenciadas pelo beneficiário e limitado ao estritamente necessário à salvaguarda dos seus interesses, sendo ainda certo que, nos termos do disposto no artigo 155.º, a medida deve ser revista, no mínimo, de cinco em cinco anos, podendo a sentença fixar período mais curto.

VII – Ora, o caso que aqui nos ocupa não justificará, concordamos, a aplicação de uma medida de representação geral.

VIII – Todavia, atenta a prova produzida e os factos que, em nosso entender, devem ser dados como provados, julgamos que melhor se adapta à situação concreta do beneficiário a representação especial para a prática de determinados atos, porquanto o beneficiário não carecerá de um terceiro que o represente para tudo, tanto que é capaz de praticar por si só actos da vida corrente, revelando o mesmo possuir ainda capacidade para praticar parte dos actos pessoais enunciados no artigo 147.º, n.º 2, do Código Civil e exercer uma actividade profissional compatível com as suas aptidões.

IX – Por conseguinte, entende o Ministério Público que deve ser aplicado ao requerido o regime de acompanhamento de maior, designando-se como acompanhante a Diretora da instituição em que esta integrado, conforme indicado na petição inicial, entendendo-se como adequadas as seguintes medidas: a. Representação especial para acompanhamento e apoio do beneficiário na realização de quaisquer atos e tomada de todas as decisões que dependam ou pressuponham a compra e venda de bens, a celebração de contratos de natureza patrimonial, a constituição de sociedades comerciais, a concretização de transações monetárias e/ou movimentações/empréstimos bancários (artigo 145.º, n.º 1, alíneas b), do Código Civil); b. Administração total de bens (artigo 145.º, n.º 1, alíneas c) e n.º 5, do Código Civil); e c. Limitação ao...

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