Acórdão nº 50/18.0T8ABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1.

H… intentou a acção declarativa comum contra A… Médica, Lda., e J…, peticionando a condenação dos RR. a pagar solidariamente ao A. a quantia de €7.500,00, acrescidos de juros calculados à taxa legal, vencidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, e ainda a quantia que resultar em execução de sentença pela colocação de novo aparelho ortodôntico.

  1. Para tanto, invocou, em síntese, que marcou consulta na clínica “A…”, para efectuar o procedimento de extracção dos dentes 38 e 48 (dentes do siso), e que durante o procedimento para extracção do dente 38, levado a cabo pelo R. J…, que não se fez acompanhar de assistente, ocorreu a extracção do dente 37, em vez do dente do siso 38, devido à actuação descuidada e imprudente do R. J…, com violação das regras de “legis artis”, ignorando que o A. estava a fazer tratamento odontológico, a posição inclinada do dente 38, a natureza conóide da raiz do dente 37 e a proximidade entre os dois dentes, e que devia ter optado por um procedimento mais seguro.

    Acrescenta que, o R. não comunicou ao A. que havia extraído o dente errado, o que só veio a saber pela sua médica dentista (Dr.ª S…), e que a extracção do dente errado comprometeu o tratamento odontológico que estava a realizar.

  2. Citados, os RR. contestaram, excepcionando a nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, e impugnando o alegado pelo A., pedindo a absolvição dos Réus do pedido.

    O 2º R. requereu a intervenção principal provocada da companhia de seguros A…, Companhia de Seguros, SA., para a qual havia transferido a responsabilidade civil por actos praticados no âmbito da sua profissão.

  3. Foi admitida a requerida intervenção de A… – Companhia de Seguros, S.A., como associada dos RR., a qual contestou, terminando pedindo a absolvição do R. do pedido, com as legais consequências para a posição da chamada.

    O A. respondeu à matéria de excepção.

    Foi proferido despacho saneador, em sede do qual se julgou não verificada a nulidade invocada.

  4. Realizou-se a audiência de julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu: «… julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condenar os Réus A… Médica, Lda., e J…, solidariamente, no pagamento ao Autor, da quantia de €4.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa de juro para os juros civis, desde a presente sentença até pagamento, no mais indo os Réus absolvidos do pedido.» 6.

    Inconformados recorreram os RR., nos termos e com os fundamentos que sintetizaram nas seguintes conclusões das suas alegações de recurso: A) Não aceitam os Recorrentes, com o devido respeito, a conclusão do digníssimo Tribunal a quo na condenação do Recorrente no pagamento de 4.000,00€, por alegado incumprimento contratual, constante da Sentença agora sob escrutínio de V. Exas.

    B) O Recorrido peticionou uma indemnização por incumprimento contratual, alegando danos morais.

    C) Entende o Recorrente que cabia ao Autor, ora Recorrido, provar o preenchimento dos requisitos da Responsabilidade Civil, o que, salvo melhor opinião não sucedeu.

    D) Pelo que, foram erradamente dados como provados os factos provados n.º 6, 19, 20 e 23, e daí retiradas erradas consequências, factos esses que dizem respeito ao cumprimento da obrigação de informação, os quais deverão ter outra leitura e interpretação.

    E) O Tribunal a quo não valorou a situação excepcional e, consequentemente, retirou a consequência legal errada.

    F) O Recorrente não informou o Recorrido directamente por não ser o seu médico, por não acompanhar o Recorrido e por não terem estabelecido uma relação de confiança.

    G) O Recorrido era paciente da Dra. S…, sempre foi acompanhado pela Dra. S…, cabendo-lhe a ela dar a informação do ocorrido na segunda cirurgia.

    H) Note-se que o Recorrente, imediatamente após a cirurgia, informou a Dra. S… do sucedido, dizendo-lhe que devia ser ela a transmitir a informação ao seu paciente.

    I) Se a Dra. S… não transmitiu a informação ao seu paciente, ora Recorrido, não pode o Recorrente ser responsabilizado por tal facto.

    J) Relativamente ao procedimento de extracção, o Recorrente efectuou a cirurgia acompanhado, pelo que o facto provado n.º 13 devia ser considerado não provado. As declarações do Autor, nesta sede, são imprecisas e, na verdade, não resulta claro que a assistente não estivesse na cirurgia e são plenamente contraditórios às do Recorrente, pelo que não se concorda com a tomada de posição do Tribunal a quo.

    K) Por outro lado, também a subsunção dos factos provados 14.º e 15.º ao Direito foi errada.

    L) O Recorrente utilizou a sua melhor legis artis no procedimento em causa, não violou qualquer parte do procedimento, utilizou todo o cuidado e as melhores técnicas para a extracção do dente! M) O Recorrente carreou prova suficiente para os autos para provar a sua actuação zelosa: juntou quatro pareceres de médicos experientes e a decisão final do seu processo disciplinar, onde em todos, se exclui qualquer culpa e/ou ilicitude do comportamento do Recorrente.

    N) O Recorrido não carreou qualquer prova (nomeadamente pericial ou documental) que sequer fosse diferente da apresentada pelo Recorrente.

    O) Não podem restar dúvidas que o Recorrente cumpriu com todas as obrigações a que estava adstrito.

    P) O Tribunal a quo não valorou os elementos documentais juntos aos autos e não foi feita uma correcta apreciação dos depoimentos produzidos em sede de prova testemunhal.

    Q) O Recorrido não carreou qualquer prova que fundamente o facto provado n.º 25, pelo que andou mal o Tribunal a quo, devendo o mesmo ser considerado não provado.

    R) Não se encontra, no entendimento da Recorrente, verificada prova suficiente para a condenação em relação aos danos sofridos.

    S) Considera o Recorrente que não foi carreada prova suficiente que permitisse dar como provados os factos provados n.º 26, 27, 28 e 29, uma vez que não foi junto qualquer documento que comprovasse tais dores, não foi requerida qualquer perícia que comprovasse devidamente estes danos.

    T) O Recorrente foi condenado com base das declarações do Recorrido e das alegadas dores que o mesmo sofre, que só o mesmo conhece e não pode provar.

    U) Com o devido respeito, o Tribunal a quo aplicou mal o Direito nos presentes autos.

    V) Em primeiro lugar, o Recorrente não acompanha a tese da presunção de culpa do devedor (médico dentista e Recorrente) nos presentes autos, uma vez que estamos perante responsabilidade civil médica, que integra uma excepção a essa regra, pelo que, cabia ao Recorrido, provar todos os factos alegados e subsumi-los ao Direito.

    W) Assim, o Recorrido não logrou provar nenhum dos pressupostos e requisitos da Responsabilidade Civil para que possa existir a condenação, agora sob o escrutínio de V. Exas.

    X) À cautela e se assim não se entender, o que apenas se concebe por mero dever de patrocínio judiciário, e mesmo havendo a presunção de culpa, o Recorrente ilidiu a culpa da sua actuação.

    Y) O Recorrente aplicou a sua melhor legis artis na cirurgia, não incumpriu nenhuma norma de cuidado, executou todos os procedimentos e cumpriu escrupulosamente cada fase da cirurgia. Não houve sequer qualquer negligência na actuação do Recorrente (recorde-se que o Recorrido estava submetido a um tratamento ortodôntico acompanhado pela Dra. S…) Z) Ainda assim, cabia ao Recorrido alegar e provar todos os outros requisitos da Responsabilidade Civil, o que não logrou acontecer.

    AA) O Recorrido não provou (na verdade, nem alegou) qualquer acto ilícito na conduta do Recorrente.

    BB) Quanto à informação, devia ter sido prestada pela Dra. S…, e o facto de não ter sido, não pode ser imputado ao Recorrente.

    CC) Quanto aos danos, obviamente que a prova cabia ao Recorrido e que manifestamente não sucedeu.

    DD) Foram simplesmente alegados danos, sem qualquer prova de suporte, qualquer documento ou prova pericial, pelo que, tais danos não podem ser considerados provados.

    EE) Mais, não qualquer nexo de causalidade entre os danos e o sucedido.

    FF) Admitindo, à cautela e por dever de patrocínio judiciário, que existe, recorde-se que o Recorrido estava a ser sujeito a um tratamento ortodôntico acompanhado pela Dra. S… e que, nas suas declarações de parte, é claro a referir que esta equacionou que o mesmo “não estava a fazer algo bem”.

    GG) Assim, caso o médico actue dentro dos padrões ou standards do seu círculo de actividade, o que aconteceu no caso em apreço, HH) Não viola nenhum dever, ou não o viola ilicitamente, ou, pelo menos, não o viola nem com dolo nem com negligência, pelo que não deve responder pelos danos causados.

    II) Até porque, por um lado, não houve violação da legis artis, tal como resulta da própria decisão recorrida, JJ) E, por outro lado, não foi violado qualquer dever de esclarecimento do médico dentista ao doente, inexistindo na sentença qualquer menção ao dever jurídico que alegadamente tenha sido violado pelos Recorrentes a esse respeito.

    KK) Mais, o médico só responde por um dano desde que a violação ilícita de um dever lhe seja imputável, por dolo ou por negligência, o que não aconteceu in casu.

    LL) Não estão assim verificados os requisitos do incumprimento da responsabilidade civil neste caso concreto, pelo que a sentença condenatória é manifestamente infundada.

    Nos termos expostos e nos mais que Vªs Exªs Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser dar provimento à Apelação, revogando-se a douta sentença ora em recurso, como é de JUSTIÇA! 7.

    Contra-alegou o A., pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

    O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

    * II – Objecto do recurso1.

    O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1...

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