Acórdão nº 1003/09.5TBOLH-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Outubro de 2020

Data22 Outubro 2020

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I- Relatório.

Nos presentes autos de execução para pagamento de quantia certa que a C…, C.R.L., instaurou contra C… e outro(s), veio a interveniente Acidental V…, Lda., interpor recurso do despacho proferido em 19 de fevereiro de 2019 e do despacho proferido em 8 de junho de 2019.

O despacho de 19 de fevereiro de 2019 tem a seguinte redação: “Requerimento da sociedade «V…, Lda» de 21 de Março de 2018: Não assiste razão à requerente «V…, Lda» quando argui a falta da sua citação para reclamar os créditos de que se arroga titular sobre os executados, porquanto compulsados os autos constata-se que em 21 de Outubro de 2013 a referida sociedade apresentou requerimento onde invocou o direito de retenção em virtude de ter celebrado contrato promessa de compra e venda relativo ao imóvel penhorado nos autos e afirmou que iria reclamar os seus créditos na execução mas não o fez, pelo que não pode vir agora alegar que não foi citada para reclamar créditos, sendo certo que a lei permite que os titulares de direitos reais de garantia reclamem espontaneamente os seus créditos até à transmissão dos bens penhorados (cfr. nº 3 do artigo 788º, do Código de Processo Civil), sendo também certo que nos casos dos autos o imóvel já foi transmitido.

Pelo exposto, por falta de fundamento legal, infere-se o requerido pela «V…, Lda», sendo certo que mesmo que se admitisse que a mesma era titular do direito de retenção, o mesmo caducou no dia 27 de Fevereiro de 2018 quando a exequente foi investida na posse do imóvel, estando presente o legal representante da referida sociedade e não resulta do auto que o mesmo se tenha oposto á entrega à exequente, e se a dita sociedade como refere, em 20 de Março de 2018, tem a posse do imóvel, então tomou posse do mesmo por sua conta e risco, até porque não tinha quaisquer dúvidas, e refere-o expressamente no seu requerimento que ora se aprecia, que a mesma tinha sido entregue à exequente pelo senhor Agente de Execução em 27 de Fevereiro de 2018.

Notifique, sendo também o senhor Agente de Execução e a requerente «V…, Lda»”.

*** O despacho de 8 de junho de 2019 tem o seguinte teor: “Requerimento apresentado por «V…, Lda», em 21 de Março de 2019: «V…, Lda» veio requerer ao Tribunal que declare sem efeito a venda do imóvel por negociação particular efetuada pelo agente de execução à exequente «C…, C. R. L» pela quantia de 5.500,00 €, venda efetuada sem acordo do executado, sem conhecimento da requerente e sem autorização do Tribunal.

Cumpre apreciar e decidir.

.0 A questão já foi apreciada no nosso despacho de 01 de Abril de 2015, no qual o Tribunal entendeu que a sociedade «V…, Lda» não tinha legitimidade para reclamar da decisão do senhor Agente de Execução que decidiu aceitar a proposta de aquisição apresentada pela exequente no valor de 5.500,00 €, porquanto a referida sociedade apesar de alegar ser detentora de créditos sobre os executados C… e V… e de invocar o direito de retenção, não reclamou os seus créditos, sendo certo que quem tinha legitimidade para reclamar da decisão do senhor Agente de Execução de aceitação da proposta apresentada pela exequente eram os executados e esses não o fizeram, razão pela qual o Tribunal no dito despacho deixou dito " ... Assim, pese embora o valor oferecido pela exequente fique muito aquém do valor base estabelecido aquando da decisão da venda por propostas em carta fechada, não tendo sido obtida melhor oferta, apesar de decorridos mais de 4 anos, nenhum reparo nos merece a decisão do senhor Agente de Execução em aceitar a proposta feita pela exequente ...".

A nosso ver, salvo o devido respeito por opinião contrária, havendo acordo de todos os interessados, no caso a exequente e os executados, não era necessária a autorização do Tribunal para que fosse aceite uma proposta de valor inferior ao valor mínimo indicado para a venda.

Neste sentido veja-se o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora de 08/0312018, proferido no processo n° 7867/1 1.5TBSTB-B.E1, disponível na internet in www.dgsi.pt/jtre em cujo sumário se pode ler "i-A venda por negociação particular de imóvel penhorado pode ser validamente efetuada por valor inferior ao valor base do bem fixado para a venda por propostas em carta fechada, que se frustrou, desde que: i) haja acordo de todos os interessados; ou ii) caso tal não ocorra, exista um despacho judicial que pondere as circunstancias pelas quais apenas foi obtido pelo encarregado da venda um valor inferior ao inicialmente fixado, e decida se, em face das mesmas, é de autorizar a venda pelo valor proposto, assim assegurando a defesa de todos os interesses em presença ( ... ) IV -Ora, no figurino do atual processo executivo, havendo acordo por parte dos interessados sobre o preço da alienação, ainda que tácito, a venda do bem penhorado por valor inferior ao inicialmente fixado não carece de autorização do juiz. V -Assim, não se verifica a existência de omissão de formalidade que influa na decisão da causa, subsumível ao disposto no artigo 195°, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e, consequentemente, não se mostra preenchido o fundamento para anulação da venda executiva a que alude a alínea c), do n° 1 do artigo 839° da referida codificação".

Em tal aresto pode ainda ler-se a dado passo " ...” … Dito de outra forma: inexistindo esse acordo entre todos os interessados, só é possível vender o bem por preço inferior ao valor base mediante autorização judicial. Esta alternativa-quanto à necessidade de existência de acordo entre todos os interessados ou autorização judicial para a venda dos bens penhorados por valor inferior -foi igualmente sublinhada no já citado Acórdão do TRL de 05.03.2015, «por assim ser é que o aporte doutrinal carreado por estas decisões judiciais aponta, com acerto, a disjuntiva «ou» - Como refere Lebre de Freitas "se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior.

Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior aquele que, de acordo com o resultado das diligencias efetuadas pelo agente de execução corresponde ao valor de mercado do bem: nem faria sentido que, quando o agente de execução é encarregado da venda (...) lhe coubesse baixa o valor-base dos bens, com fundamento na dificuldade de o atingir. O juiz conserva, pois, o poder (...) de autorizar a venda por preço inferior ao valor base"-Código Civil Anotado", 3o, pago 602. Havendo aquele acordo a intervenção do juiz seria exclusivamente confirmativa e já não de vera autorização.

Concluindo, a venda por negociação particular dos bens penhorados por ser validamente efetuada por valor inferior ao valor base do bem desde que: i) haja acordo de todos os interessados; ou ii) caso tal não ocorra, exista um despacho judicial que pondere as circunstancias pelas quais apenas foi obtido um valor inferior ao inicialmente fixado, e decida se, em face das mesmas, é de autorizar a venda pelo valor proposto, assim assegurando a defesa de todos os interesses em presença.

Ora, no caso em apreço, pese embora não tenha existido qualquer requerimento do AE a solicitar a autorização judicial do tribunal para efetuar a venda por um preço muito abaixo do valor base. o certo é que existiu um acordo tácito dos interessados quanto ao valor da proposta apresentada, sendo certo que tal acordo não tem de ser expresso nem simultâneo ..." Pelo exposto, sem necessidade de mais considerandos, indefere-se o requerido pela «V…, Lda», porque o Tribunal já se tinha pronunciado acerca da questão da validade da venda e também porque não assiste legitimidade à «V…, Lda» para reclamar da decisão da venda tomada pelo senhor Agente de Execução, uma vez que não chegou a reclamar os créditos que invoca deter sobre os executados e poderia tê-lo feito de forma espontânea, a acresce o facto de ter havido acordo tácito dos executados o que tomou desnecessária a autorização do Tribunal.

Notifique, sendo também o senhor Agente de Execução”.

*** Relativamente ao primeiro despacho (de 19/02/2019) a recorrente formulou as seguintes conclusões: I. A sociedade V…, Lda., por contrato promessa de compra e venda celebrado em 25.11.2002, comprou ao executado C... pela quantia de € 50.000,00 a fração autónoma sito na Avenida da República, n.º …, descrita na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º …, da freguesia de Olhão.

  1. Naquela data - 25.11.2002 - a promitente compradora sociedade V…, Lda., liquidou ao promitente vendedor, ora executado C…, a totalidade do preço do imóvel, ou seja, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).

  2. Na mesma data - 25.11.2002 - foi a referida fração autónoma entregue à promitente compradora, sociedade V…, Lda., que ali instalou o seu escritório. IV - Desde aquela data - 25.11.2002 - que a promitente compradora sociedade V…, Lda., ocupa e utiliza diariamente a fração autónoma, como escritório.

  3. Houve assim, naquela data - 25.11.2002 - tradição do imóvel para a sociedade V…, Lda., sendo a sua posse titulada, de boa-fé, pacífica e pública e à vista de toda a gente.

  4. O direito de retenção é um direito real de garantia que decorre diretamente da lei, surgindo sem necessidade de prévia declaração judicial nesse sentido, designadamente em ação especialmente intentada para o efeito (Acórdão STJ de 24.04.2002, processo n.

    º 0281136 in www.dgsi.pt VII. A sociedade V…, Lda., porque obteve a tradição do bem, goza, contra quem quer que seja, da faculdade de não largar mão do imóvel enquanto não for ressarcida do seu crédito (A. VARELA, RLf 124-351).

  5. O executado C… por requerimento endereçado ao agente de execução em 14.06.2013, opôs-se à venda do imóvel por 5.5.00,00 euros, alegando que por contrato promessa de compra e venda celebrado em 25.12.2002, vendeu à sociedade V… Lda., o imóvel...

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