Acórdão nº 488/19.6T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | JOÃO GOMES DE SOUSA |
Data da Resolução | 07 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório No recurso de contra-ordenação que correu termos no Tribunal Judicial de Santarém - Juízo de Competência Genérica do Entroncamento, J1 - com o número supra indicado, A – Associação de Gestão e Tratamento dos Lixos …, NIPC --- foi condenada pela Inspecção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território no pagamento da coima única no montante de € 74.000,00 (setenta e quatro mil euros) pela prática de: A- Uma contra-ordenação ambiental muito grave p. e p. pela al. c), do nº 3 do artigo 81.º do DL n.º 226-A/2007 de 31 de Maio, sancionável nos termos previstos na al. b) do n.º 4 do artigo 22 da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto (26.000 € de coima); B- Uma contra-ordenação ambiental muito grave p. e p. pelo artigo 22.º e al. f) do n.º 1 do artigo 26.º do DL n.º 147/2008 de 29 de julho, sancionável nos termos previstos na al. b), do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006 (24.000 € de coima); C- Uma contra-ordenação ambiental muito grave p. e p. pelo artigo 36 e al. l) do n.º 1 do artigo 48.º do DL n.º 183/2009, de 10 de Agosto, sancionável, nos termos previstos na al. b), do n,º 4 do artigo 22.º da lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto (26.000 € de coima); * Inconformada com a decisão proferida pela entidade administrativa impugnou judicialmente a decisão com vista à sua absolvição.
O recurso foi admitido e o tribunal recorrido decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação judicial e, em consequência, decidiu revogar a decisão da Autoridade Administrativa que condenou a arguida/recorrente, A – Associação de Gestão e Tratamento dos Lixos… na coima única de 74.000,00 euros e a condenou, ao abrigo do disposto no artigo 19.º do RGCO ex vi artigo 27.º da LQCOA, na coima única de 35.000,00 euros (trinta e cinco mil euros).
** De novo inconformado com uma tal decisão interpôs a arguida o presente recurso, com as seguintes conclusões (transcritas): 1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Competência Genérica do Entroncamento, Juiz 1, no âmbito do processo nº 488/19.6T9STR; 2. Que decidiu: «Revogar a decisão da Autoridade Administrativa que condena a Arguida/Recorrente, A – ASSOCIAÇÃO DE GESTÃO E TRATAMENTO DOS LIXOS…, na coima única de 74.000,00 euros e condena-se, a Arguida/Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 19º do RGCO ex vi artigo 27º da LQCOA, na coima única de 35.000,00 euros (trinta e cinco mil euros)»; 3. Crê a Recorrente que o tribunal a quo andou mal na fixação da matéria de facto, não tendo considerado factos como provados que poderiam afastar a responsabilidade contraordenacional da Recorrente e por isso não aplicou corretamente o direito; 4. A sentença recorrida enferma de várias nulidades, quer por falta de fundamentação, quer por omissão de pronúncia; 5. Concomitantemente, o processo contraordenacional consubstanciado no auto de notícia é nulo e, bem assim, a prova que o fundamentou é nula.
6. A sentença enferma de nulidade por falta de fundamentação nos termos do disposto no 379º, nº 1, al. a) do CPP, ex vi artigo 41º, nº 1 do RGCO, por violação do disposto no artigo 374º, nº 2 do CPP, porquanto: 7. A sentença enumera os factos dados como provados e faz uma enunciação de regimes legais eventualmente aplicáveis ao caso concreto, mas não subsume os factos às normas, sendo impossível conhecer-se o modo e processo de formulação do juízo lógico que subjaz à decisão; 8. A sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP, ex vi artigo 41º, nº 1 do RGCO, porquanto: 9. Não se pronunciou sobre o facto de a prova produzida relativamente à contra-ordenação prevista no artigo 81º, nº 3, al. c) do Decreto-Lei 226-A/2007, ter sido recolhida numa fase em que o processo de tratamento do permeado ainda não estava terminado e como tal não foi o permeado com os valores do auto de notícia que entrou no curso de água; 10. Simultaneamente, não aceitou a produção de prova relevante, e essencial à descoberta da verdade material subjacente.
11. Pelo que não se provando a prática da contra-ordenação deve a Recorrente beneficiar do Princípio da Presunção de Inocência nos termos do artigo 32º, nº 1 da CRP; 12. Quanto à contra-ordenação prevista no artigo 22º do Decreto-Lei 147/2008, a arguida sempre apresentou a apólice que detém com a companhia de seguros AXA no valor global de €1.850.000,00, para comprovar a existência de garantia financeira obrigatória, que segundo a IGAMAOT não é a legalmente exigida; 13. Alegou a Recorrente em audiência e nas diversas fases processuais que a entidade administrativa nas várias inspeções que realizou sempre considerou a garantia como idónea e suficiente, nunca autuando por isso a Recorrente; 14. Assim a Recorrente encontra-se em erro sobre a ilicitude nos termos dos artigo 17º do CP e 12º da Lei 50/2006; 15. Já quanto à contra-ordenação prevista nos artigos 36º e 48º, nº 1, al. l) do Decreto-Lei 183/2009, ficou provado que a Recorrente atuou ao abrigo do direito de necessidade, tipo justificador previsto no artigo 34º do CP, na medida em que para salvaguardar o ambiente, vida e saúde humanas, transferiu para uma célula não licenciada, lixiviado; 16. Não constando da sentença qualquer pronúncia relativamente a estas circunstâncias, incorrendo a sentença em nulidade cominada no artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP.
17. A sentença recorrida é nula por falta de fundamentação quanto à determinação da medida concreta da coima por violação do disposto no artigo 374º, nº 2 e 375º, nº 1 do CPP, cominada nos termos do artigo 379º, nº 1, al. a) do CPP, ex vi artigo 41º, nº 1 do RGCO.
18. A prova recolhida que permitiu a condenação da Recorrente na prática da contra-ordenação prevista no artigo 81º, nº 3, al. c) do Decreto-Lei 226-A/2007 é nula por violação do Princípio Nemo Tenetur Se Ipsum Acusare; 19. Isto porque a Recorrente estava obrigada a cooperar com a entidade administrativa, fornecendo documentos, nomeadamente os relatórios de análises ao permeado, contribuindo para a sua autoincriminação; 20. A entidade administrativa tem garantias de exercício de poderes de fiscalização, nomeadamente colher amostras para análises laboratoriais e não usou dessa faculdade, instrumentalizando o dever de cooperação que impendia sobre a Recorrente, coagindo-a a autoincriminar-se.
21. A entidade administrativa poderia e devia, nos termos do artigo 93º, nº 3 da Lei 58/2005, 79º do Decreto-Lei 226-A/2007 e bem assim do artigo 4º e 16º do Decreto-Lei 276/2007, colher as amostras que pretendesse, mas não, obrigou a Recorrente a autoincriminar-se; 22. Esta prova é nula nos termos do artigo 61º, nº 1, al. d), 125º e 126º, nº 2, al. a), todos do CPP.
23. A IGAMAOT tem competência inspetiva nos termos do disposto no artigo 2º do Decreto-Lei 23/2012, sendo-lhe aplicável o Regime Jurídico da Atividade De Inspeção da Administração Direta e Indireta do Estado aprovado pelo Decreto-Lei 276/2006; 24. Sendo que nos termos do artigo 9º, o seu regulamento de inspeção deve ser aprovado pelo membro do governo responsável pelo serviço de inspeção; 25. Tendo essa regulamentação sido aprovada pelo Despacho 15171/2012 da então Sr.ª Ministra Assunção Cristas, que estabelecia no artigo 18º que o Inspetor Geral da IGAMAOT deveria comunicar à entidade visada, com três dias úteis de antecedência, da realização da inspeção, o que não sucedeu, em clara violação das fases obrigatórias do procedimento administrativo; 26. Esta obrigação viria a ser reforçada pelo Despacho 10466/2017 do Sr. Ministro Eduardo Cabrita, 27. Incumprido que foi este formalismo é a inspeção nula nos termos do artigo 120º, nº 2, al. d) do CPP, ex vi artigo 41º, nº 1 do RGCO, gerando a nulidade dos atos subsequentes nos termos do disposto no artigo 122º do CPP, ex via artigo 41º, nº 1 do RGCO; 28. Por outro lado, o tribunal a quo, faz uma errada aplicação do direito, porquanto: 29. A contra-ordenação prevista no artigo 81º, nº 3, al. c) do Decreto-Lei 226-A/2007 não pode ser imputada à Recorrente na medida em que a prova é nula nos termos já mencionados e, bem assim, porque a prova que a sustenta não prova a prática da contra-ordenação, prova somente, que em determinada fase do processo de tratamento (ou seja, antes de o mesmo estar completo) o permeado tinha valores acima da licença, mas não foi esse permeado com esses valores que entrou no curso de água, pelo que não foi praticada uma contra-ordenação; 30. Não obstante não se verificarem os elementos objetivos do tipo, é certo que a Recorrente não atuou com negligência, consciente ou inconsciente, já que cumpriu as determinações legais a que estava obrigada pela lei e pela licença de utilização dos recursos hídricos; 31. Quanto à contra-ordenação prevista nos artigo 22º e 26º, nº 1, al. f) do Decreto-Lei 147/2008, a Recorrente é punida por falta de garantia financeira obrigatória, mas tal não é verdade; 32. A Recorrente detém apólice de seguros com a companhia AXA, no valor global de 1.850.000,00 euros, sendo que €1.350.000,00 são exclusivos para cobertura de uso e armazenamento de matérias perigosas, tendo provado a existência da garantia na fase administrativa do processo; 33. Pelo que não se verificam os elementos objetivos do tipo; 34. Idealizando que a garantia não é a exigida pela Lei, sempre se dirá que a Recorrente está em erro sobre a ilicitude nos termos do artigo 17º do CP, ex vi artigo 32º do RGCO; 35. Isto porque, a IGAMAOT em diversas inspeções solicitou a apresentação de garantia à Recorrente e esta apresentou a referida apólice, tendo a entidade administrativa considerado a mesma idónea e suficiente, nunca autuou a Recorrente; 36. Pelo que o erro sobre a ilicitude não é censurável; 37. Quanto à contra-ordenação prevista no artigo 36º e 48º, nº 1, al. l) do Decreto-Lei 183/2009, a Recorrente foi punida por ter depositado em célula não licenciada, lixiviado; 38. Estão...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO