Acórdão nº 89/19.9T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCRISTINA DÁ MESQUITA
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 89/19.9T8TMR.E1 (1.ª Secção) Relator: Cristina Dá Mesquita Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1.

(…), autor na ação declarativa de condenação que moveu contra o Estado Português, interpôs recurso do despacho-saneador-sentença proferido pelo Juízo Local Cível de Tomar, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual julgou a ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu o réu Estado Português do pedido contra o mesmo deduzido.

Na ação o autor pedira ao tribunal que condenasse o réu a 1) reconhecer que o processo destinado a cessação das relações patrimoniais entre o autor e a sua ex-mulher (…) era o processo regulado nos arts. 925.º e seguintes do Código Civil e não o regulado nos arts. 1404.º e seguintes do Código Civil revogado; 2) reconhecer que a transmissão da dívida do autor para (…) só seria válida se existisse uma declaração expressa da Caixa Geral de Depósitos a exonerar o autor por força do disposto no art. 595.º, n.º 2, do Código Civil; 3) pagar ao autor uma indemnização correspondente ao valor em dívida à Caixa Geral de Depósitos, a saber, € 32.055,56; 4) indemnizar o autor a título de danos não patrimoniais, no montante de € 1.000,00.

Para fundamentar a sua pretensão o autor alegou o seguinte: o autor casou com (…), sob o regime da separação de bens, no dia 8 de abril de 2000; no dia 19.10.2009, o autor e a sua mulher adquiriram cada um ½ do prédio urbano sito em (…), freguesia de (…), concelho de Abrantes, inscrito sob o artigo matricial n.º (…), atual artigo matricial n.º (…) da União de Freguesias de (…) e (…), tendo sido constituída hipoteca voluntária a favor da Caixa Geral de Depósitos; o casamento supra referido foi dissolvido por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Abrantes, transitada em julgado em 08.07.2013; na Instância Central Cível de Tomar, 2.ª secção de Família e Menores, correu termos um processo de inventário para partilha de bens em casos especiais e no âmbito do mesmo foi partilhado o imóvel acima descrito e identificada a dívida à Caixa Geral de Depósitos; no âmbito daquele processo de partilha, o referido imóvel foi adjudicado à ex-mulher do autor, para quem foi também transmitida a dívida à Caixa Geral de Depósitos; na sentença proferida foi omitida a seguinte declaração expressa da Caixa Geral de Depósitos junta aos autos antes da Conferência de Interessados: «que na hipótese de acordo em partilha de bens, não prescinde, porém, do regime de solidariedade da dívida nos termos iniciais contratado»; o que significa que a sentença ali proferida não produziu quaisquer efeitos relativamente à Caixa Geral de Depósitos, continuando o autor responsável pela dívida à mesma; entretanto, a ex-mulher do autor não pagou atempadamente algumas prestações em dívida que foram cobradas ao autor, e deixou de pagar o prémio de seguro que garantia o empréstimo.

Alegou, ainda, o autor que o tribunal não podia transferir a dívida do autor para a sua ex-mulher porque não havia autorização expressa da CGD, pelo que aquele não só continua vinculado a uma dívida no montante de € 32.055,56 como está impedido de obter qualquer financiamento junto do Banco até à liquidação total das dívidas referidas.

O Ministério Público, em representação do Estado, contestou a ação por exceção, invocando a prescrição do direito à indemnização, e por impugnação, alegando, designadamente, que o autor não respeitou o estatuído no art. 13.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31.12, na medida em que não fez prova da revogação da decisão que eventualmente haja incorrido em erro judiciário, o que impede de se considerar verificada a ilicitude. Alegou que a prova da revogação da decisão danosa «não é um requisito especificamente processual de que depende uma apreciação de mérito da causa (em sentido favorável ou desfavorável), mas sim uma condição da ação, ou seja, um requisito que interessa ao fundo da causa e se conexiona com a relação jurídica substancial. A revogação relevante, para efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 2, é aquela que tenha por base a existência de um erro de facto ou de direito, e é também em função dos termos em essa revogação se operou que o juiz do processo indemnizatório irá efetuar a qualificação do erro para efeitos de responsabilidade civil». Mais alegou que em face da factualidade alegada, não resulta minimamente a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado Português.

O tribunal de primeira instância convidou o autor a pronunciar-se sobre a exceção invocada pelo réu, o que aquele fez, defendendo a improcedência da exceção.

Foi designada data para a realização de audiência prévia e, no âmbito desta, foi proferido despacho-saneador, fixado o valor da ação e o tribunal conheceu do pedido por ter considerado que era possível fazê-lo naquele momento, «atenta a factualidade que deriva dos documentos apresentados e a posição assumida pelas partes».

I.2.

O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «I. Apesar do Recorrente ter alegado na petição inicial e trazido aos autos os elementos que, no seu entender, consubstanciam um erro grosseiro do julgador na apreciação dos respetivos pressupostos de direito de ação anterior.

  1. A 1.ª instância considerou que o Autor não esgotou todas as instâncias de recurso, logo não está preenchido, no caso concreto, o disposto no artigo 13°, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31/12 - daí advindo a improcedência da presente ação; III. Pois como porque se tratava de uma ação com o valor de recurso, deveria ter recorrido até ao Supremo Tribunal de Justiça, por força dos artigos 629°, n.º 1 do CPC e 44°, n.º 1, da LOSJ; IV. De acordo com a Recorrente, admitir a prévia revogação da decisão danosa proferida em último grau de jurisdição, como pressuposto da responsabilidade civil extra-contratual do Estado, implica a violação do artigo 22° da CRP, pois não se vislumbram "outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos" que possam justificar essa restrição, nos termos do artigo 18°, n.º 2, da CRP.

  2. No direito comunitário é criticado o pressuposto da prévia revogação da decisão danosa para a efetivação da responsabilidade civil do Estado por danos causados no exercício da função judicial, uma vez que para o TJCE basta que (i) a norma de direito comunitário confira direitos aos particulares, (ii) a violação seja suficientemente caracterizada e (ii) exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

  3. Mais afirmou o TJCE que, de acordo com um princípio de equivalência, "as condições fixadas pelas legislações nacionais em matéria de reparação dos danos não podem ser menos favoráveis do que as respeitantes a reclamações semelhantes de natureza interna" e de acordo com o princípio da efetividade, "não podem estar organizadas de forma a, na prática tornarem impossível ou excessivamente difícil a obtenção da reparação".

  4. Logo, pelo menos nos casos referentes a violações suficientemente caraterizadas de normas de direito comunitário que se destinam a conferir direitos aos particulares, e exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano, entende a Recorrente que a Lei n.º 67/2007 é desconforme ao direito comunitário, na medida em que existe um requisito adicional para que se intente ação de responsabilidade civil contra o Estado – vide Acórdãos Kobler e Traghetti del Mediterraneo SpA.

  5. Nestes casos a "prévia revogação da decisão danosa" constitui uma violação do direito comunitário pela decisão jurisdicional causadora de danos, ou seja, é uma restrição, não autorizada pelo direito comunitário e pela interpretação dele feita pelo TJCE, do direito dos particulares a obterem a reparação dos danos causados por violações, pelos Estados-Membros, dos direitos conferidos pelo Direito Comunitário.

  6. Porquanto, e tendo em conta a jurisprudência do TJCE, a condição de "prévia revogação da decisão danosa" não deve ser aplicada nos casos em que está em causa a responsabilidade do Estado por violação do direito comunitário, sob pena de se pôr em causa o princípio do primado afirmado na jurisprudência do TJCE nos acórdãos Costa vs Enel (C-6/64), Simmenthal (C-106/77) e Internationale Handelgesellschaft (Proc. 11/70).

  7. E mais ainda, no artigo 41.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, permite-se que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condene o Estado que viola um direito fundamental a indemnizar os danos que resultaram, para o lesado, desse comportamento.

  8. Assim, ao inverso do que tem sido entendido pela doutrina nacional, a prévia revogação da decisão danosa não é um pré-requisito aferidor da ilicitude da atuação do Estado para efeito de imputação de responsabilidade civil extracontratual por danos causados no exercício da função jurisdicional e, consequentemente, mesmo as decisões de órgãos jurisdicionais insuscetíveis de recurso ordinário, ou não revogadas, podem fundamentar ação de responsabilidade contra o Estado.

  9. Como o Tribunal decidiu afastar da dívida o recorrente, apesar da oposição do credor, não restam dúvidas que o erro judiciário existe.

  10. Nestes termos, e nos melhores de direito ao caso aplicáveis, deve ser dado provimento à presente apelação, revogando-se a douta sentença recorrida e, consequentemente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT