Acórdão nº 8818/17.9T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO FERREIRA
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação nº 8818/17.9T8STB.E1 (2ª Secção Cível) ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA (…) instaurou ação declarativa de condenação com processo comum contra (…) Europe, Limited – Sucursal de Portugal e Associação Futebol de Setúbal, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo Local Cível de Setúbal - Juiz 3) peticionando a condenação da 1.ª ré, e subsidiariamente da 2.ª ré, no pagamento da quantia de € 180,00 a título de danos patrimoniais e da quantia de € 40.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, em consequência de lesão sofrida enquanto atleta, decorrente de uma queda no balneário do clube desportivo onde treinava e da qual resultou uma desvalorização atribuída pela ré seguradora de 8% a título de incapacidade permanente parcial, sendo a 2.ª ré responsável civilmente pelos seus atletas amadores inscritos, em caso de eventual cláusula contratual de exclusão de pagamento de quantia indemnizatória no contrato de seguro desportivo de acidentes pessoais que contratualizou com a 1ª ré.

Citadas, as rés vieram contestar.

A 1ª ré alegou, em síntese, que a apólice de seguro contratada exclui a indemnização por invalidez permanente igual ou inferior a 10%, assim como pelos danos não patrimoniais, existindo um limite máximo previsto para os atos médicos fora da rede convencionada, concluindo que nessa medida nada mais há a ressarcir ao autor.

A 2.ª ré alegou, em síntese, ser parte ilegítima na ação, invocando que transferiu para a 1.ª ré todos os riscos decorrentes da prática desportiva dos atletas, a que acresce que o acidente descrito não se integra sequer no âmbito do conceito legal de “prática desportiva” previsto pelo DL 10/2009 e que, a existir qualquer responsabilidade, será do próprio clube desportivo em cujas instalações se deu a queda, requerendo em consequência a respetiva intervenção nos autos.

O autor respondeu às exceções, defendendo a nulidade da cláusula do contrato de seguro que exclui a indemnização de IPP inferior a 10%, assim como dos danos não patrimoniais e, se assim não se entender, é responsável a 1.ª ré por violação da obrigação de celebrar um contrato de seguro válido.

Foi determinada a intervenção principal provocada do clube de futebol, (…) Futebol Clube e nessa sequência, o autor foi convidado a aperfeiçoar a petição inicial, concretizando os factos constitutivos que fundamentam a obrigação de indemnizar por parte do interveniente principal, que não contestou a ação.

No saneador julgou-se improcedente a exceção de ilegitimidade passiva, e fixou-se o objeto do processo e os temas de prova.

Após audiência final foi proferida sentença em cujo dispositivo consta: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência: a) Condeno a ré (…) Europe, Limited – Sucursal de Portugal a pagar ao autor (…) a quantia de € 3.393,94 (três mil, trezentos e noventa e três euros e noventa e quatro cêntimos) a título de capital pela IPP, e a quantia de € 80,00 (oitenta euros) a título de reembolso das despesas de saúde, absolvendo-a do demais peticionado; b) Absolvo a ré Associação Futebol de Setúbal e o interveniente principal (…) Futebol Clube do pedido.

Custas a cargo do autor e da 1.ª ré, na proporção do decaimento e sem prejuízo do apoio concedido ao autor”.

+ Não se conformando com a decisão, interpôs dela, o autor, bem como a ré, recurso, tendo apresentado as respetivas alegações e formulado as seguintes conclusões que se transcrevem: O autor “A) O Recorrente sofreu acidente coberto por seguro obrigatório desportivo; B) O acidente que sofreu determinou-lhe uma Incapacidade Permanente Parcial de 8%; C) Do mesmo resultaram-lhe diversos danos de natureza não patrimonial, dados como provados na Douta Sentença de que se recorre. Estando deste modo o Tribunal a quo em condição de fixar um quantum indemnizatório.

  1. Não obstante ter-se dados como provados aqueles danos, devidamente peticionados, o Tribunal a quo concluiu que (…) pese embora os evidentes danos não patrimoniais sofridos pelo Autor e cuja existência não se põe em causa, certo é que a 1ª Ré não está obrigada, nem contratualmente nem legalmente, a garantir o pagamento de qualquer indemnização/compensação a esse título, improcedendo por isso o pedido nesta parte”.

  2. Entende o Tribunal a quo que: “… o propósito legislativo subjacente à criação do seguro desportivo obrigatório também não implica que sejam, nesse âmbito, compensáveis os danos não patrimoniais sofrido pelo segurado (o que não consta no artº 5º do Dec.-Lei nº 10/2009).

  3. Salvo o devido respeito, faz o Tribunal a quo uma errada interpretação da norma.

  4. Os danos não patrimoniais não estão excluídos nem dos contratos nem da lei, não existe qualificação da natureza do dano indemnizável e, como tal, não existe exclusão de que o dano a cobrir seja de natureza não patrimonial.

  5. O D.L. 10/2009 de 12 de Janeiro, sujeitou a cobertura dos riscos de acidentes pessoais inerentes à atividade desportiva ao regime de seguro obrigatório, aliás, sujeição que já se tinha instituído com o D.L. 146/93, de 26 de Abril.

  6. Trata-se, deste modo, de um seguro de pessoas que cobre os riscos relativos à integridade física dos praticantes desportivos – não exclui que se indemnizem danos não patrimoniais, desde que estes, como refere a parte final do nº 1 do artigo 496º do CC “… pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

  7. A cobertura de danos não patrimoniais em sede de responsabilidade pelo risco é genericamente aceite pela doutrina, designadamente, entre outros, Mário Júlio de Almeida Costa que refere: “quanto à responsabilidade civil pelo risco, a solução logo decorre de se lhe estenderem [à responsabilidade pelo risco], na parte aplicável, as disposições respeitantes à responsabilidade por factos ilícitos (artigo 499º [do CC]” in (Direito das Obrigações, 11ª ed., revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2008, p. 603).

  8. A cobertura prevista no artigo 5º, nº 2, al. a), do Regime Jurídico do Seguro Desportivo Obrigatório, aprovado pelo D.L. 10/2009, de 12 de Janeiro, abrange o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, decorrente de sinistro no âmbito de atividade desportiva.

  9. O contrato de seguro desportivo cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, não distinguindo entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial.

  10. Ora, se a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir sob pena de subversão do espírito do legislador.

  11. Até porque de uma Incapacidade Permanente não resultam tão só danos patrimoniais.

  12. Nesta senda verte, precisamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2014, proferido no Proc. 1118/2002.L1.2, Relator Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt que refere “… Na verdade, a lei, quanto ao contrato de seguro desportivo, que cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar e de repatriamento, não distingue entre o dano patrimonial e dano não patrimonial. Não distinguindo a lei, também o intérprete não pode distinguir, sob pena de subversão do espírito do legislador. Este quando entendeu diferenciar, fê-lo claramente, como sucedeu no âmbito das exclusões, no seguro obrigatório, ou de garantia material do fundo de Garantia Automóvel, em cujas normas se referem, especificamente, os “danos materiais” por contraposição aos danos não patrimoniais (artº 14º e 49º do D.L. nº 291/2007, de 21 de Agosto). Deste modo, contemplando o seguro desportivo também a reparação dos danos não patrimoniais, apresenta-se justa e legal a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais, assente na responsabilidade objetiva, resultante do seguro desportivo…” P) Neste sentido ainda, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 15/11/2018, proferido no processo nº 1751/14.8TBVCD.P1, disponível em www.dgsi.pt.

  13. Os danos sofridos pelo Recorrente, e dados como provados em sede de sentença, de que se recorre, em consequência do acidente são graves e irreversíveis, comprometendo a sua qualidade de vida até aos finais dos seus dias, e bem a sim comprometeram as suas ambições de estudo e profissionais, pelo que merecem, pela sua gravidade, a tutela do direito.

  14. Pelo exposto, a Douta Sentença violou as normas constantes do D.L. 10/2009, de 12 de Janeiro e os artigos 138º, nº 2 e 146º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (D.L. 147/2015, de 09/09), pelo que deve ser revogada quanto a essa parte e substituída por outra que condene a 1ª Ré no pagamento de indemnização pelos danos morais sofridos e devidamente provados pela Sentença Recorrida.” A ré “I- No entender da Recorrente e Recorrida (…), a sentença posta em crise decidiu corretamente ao não atribuir qualquer para ressarcimento de um suposto dano não patrimonial sofrido pelo Autor; II- O tribunal fez uma correta interpretação do propósito legislativo subjacente à criação do seguro desportivo obrigatório relativamente à não compensação de danos não patrimoniais sofridos pelo segurado – cfr. Dec.- Lei nº 10/2009, n.º 5; III- Contudo, a ora Recorrente discorda da citada decisão relativamente à forma de cálculo aplicada pela Mma. Juíza para atribuição da indemnização por incapacidade permanente atribuída ao lesado; IV- Assim o presente Recurso Subordinado tem como fundamento a incorreta interpretação da...

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