Acórdão nº 1818/17.0T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelEMÍLIA RAMOS COSTA
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 1818/17.0T8STB.E1 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]♣Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório (…) (A.) intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Herdeiros Incertos de (…) (RR.), solicitando, a final, que: - os herdeiros incertos de (…) sejam condenados a reconhecer a A. como única e exclusiva proprietária dos montantes depositados no Banco (…) e co-titulados pela falecida, com as legais consequências; - sejam os RR. condenados no pagamento das custas e legais acréscimos.

Para o efeito, alegou, em síntese, que a falecida (…) doou à A., em 05-01-2015, as quantias depositadas ou a depositar nas suas contas bancárias do Banco (…), agência de Almeirim, tendo manifestado essa vontade, verbalmente e de forma expressa, razão pela qual a falecida procedeu à inclusão do nome da A. como co-titular das suas contas bancárias.

Mais alegou que (…) veio a falecer em 04-07-2016 e, apesar de a A. não ser herdeira da falecida, é dona, porque donatária, dos valores depositados naquelas contas, os quais lhe foram doados verbalmente pela falecida, tendo a A. declarado aceitar tal doação e, em consequência, por tal motivo foram alteradas aquelas contas para uma conta solidária em nome de ambas, sendo que a co-titularidade de uma conta bancária, colectiva e solidária, consubstancia uma doação manual com tradição simbólica.

Alegou ainda que a doação ocorreu em simultâneo com a constituição da conta bancária solidária em nome conjunto com a falecida (…) e a A., sendo o animus donandi a única razão que justificou a iniciativa da falecida em incluir a A. na titularidade da conta, a qual passou a poder dispor livremente do dinheiro depositado nessas contas, o que consubstancia uma autêntica forma de tradição da coisa doada para a A..

Os RR., representados pelo M.º P.º, contestaram por excepção, considerando não estar em causa uma situação de herdeiros incertos, e por impugnação.

…Realizada a audiência prévia, não foi possível resolver por acordo o litígio, tendo sido fixado o valor da causa em € 461.731,92 e proferido despacho saneador stricto sensu, onde se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.

…Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 15-07-2019, com o seguinte teor decisório: Em face ao exposto, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência: i. Absolvo os réus do peticionado.

Custas pela autora (artigo 527.º/1/2 do Código de Processo Civil).

…Não se conformando com a sentença, veio a A. (…) interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem: A. Vem o presente recurso interposto na sentença prolatada pelo tribunal a quo, a qual julgou totalmente improcedente a acção interposta pela aqui Recorrente, constituindo thema decidendum, ser a Recorrente reconhecida como exclusiva proprietária dos montantes depositados no Banco (...) e co-titulados pela aqui Recorrente e por (…), falecida em 04/07/2016.

  1. A sentença recorrida assenta a denegação da pretensão da Recorrente em dois pilares, de facto, e de direito: - De facto, ao não haver conferido credibilidade ou comprometimento das declarações de parte da A., e a prova testemunhal por si arrolada, o seu marido (…), e, tendo como contraponto, a credibilidade do depoimento da testemunha (…), funcionário do Banco (…); - De direito, pela consideração de não haver considerado provada a existência de uma doação dos valores depositados, cuja autora foi a falecida (…) e donatária a aqui Recorrente.

  2. Os fundamentos do presente recurso assentam pois, de facto, no entender da Recorrente, sobre pontos de facto que foram incorrectamente julgados, mormente por não consideração absoluta de meios probatórios constantes dos autos que podiam e deviam ter levado a conclusões probatórias diametralmente opostas àquelas a que chegou o tribunal recorrido, e bem assim sobre pronúncia sobre factos relativamente aos quais não foi produzida qualquer prova; de direito, funda-se na violação das normas dos Arts. 940.º, 945.º, 947.º e 1263.º, al. b), do CC.

    DO RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADOS – Art.º 640.º, n.º 1, a), CPC D. A Recorrente entende terem sido erradamente julgados na sentença recorrida – no sentido de deverem ser dados como provados – os factos constantes dos pontos A. e B. dos factos não provados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

  3. E tal vício verifica-se, ora por se abrrogarem ou desconsiderarem genericamente quer as declarações de parte da A., quer o depoimento do seu marido, arrolado como testemunha, quer por se desconsiderarem elementos de prova documental existentes dos autos que impunham resposta diversa aqueles pontos da matéria de facto F. O tribunal decide segundo a sua livre convicção, mas tendo desconsiderado ou considerados comprometidos os depoimentos da A. e do seu marido, decidiu segundo princípios de absoluto arbítrio.

  4. Não pode, o facto de constituirem parte interessada no desfecho dos autos, de per si, provocar o afastastamento da credibilidade da declaração de parte da Recorrente e o depoimento da testemunha (…), com fundamentos como sejam os apontados na sentença recorrida: nervosimo e profundo comprometimento.

  5. A sentença recorrida limita-se a afirmar tal nervosimo, não descrevendo em termos fácticos em que pontos o genericamente descrito estado de nervosimo perturbou ou infuenciou negativamente em matéria de prova, o juízo crítico que sobre o mesmo incidiu, e não extraí qualquer correlação entre o descrito estado nervoso e os factos objecto do depoimento cuja deturpação ou comprometimento haja sido determinado por aquele suposto estado, I. No que tange ao comprometimento profundo do marido da A., da mesma forma que se considerou para o estado de nervosismo desta, o tribunal recorrido não identifica, mais uma vez, que factos, que matéria do depoimento gerou no julgador a inverossimilhança do mesmo, ao ponto de conduzir à consideração genérica de que o depoente, no caso de procedência da acção, iria beneficiar do acréscimo patrimonial.

  6. Tais (des)considerações ofendem frontalmente normas legais vigentes – Arts.º 495.º a 497.º CPC, visto que o legislador, se pretendesse afastar de todo o depoimento dos cônjuges, tê-lo-ia enunciado de forma clara nas disposições processuais em vigor, tornando sentença nula por violação destes normativos, e impondo-se a sua nulidade.

  7. A sentença recorrida limitou-se a assentar o lugar comum – alegando o parentesco da testemunha com a A. e o putativo benefício patrimonial – para descredibilizar os depoimentos, sem, porém, lhes apontar deficiências, incongurências, ou divergências da realidade que o façam afastar do facto de a testemunha haver presenciado e acompanhado a Recorrente e a falecida (…) ao banco, e presenciado a doação dos valores em depósito.

    L. Para a sentença recorrida, o conhecimento pessoal dos factos foi postergado, considerando o suposto nervosismo e comprometimento, e impede a verossimilhança, o que de todo não se pode aceitar.

    DOS MEIOS PROBATÓRIOS CONCRETOS QUE IMPUNHAM DECISÃO DIVERSA – Art.º 640.º, n.º 1, b), CPC M. Nos autos consta um documento – fls. 112 a 114 dos autos, que aqui se dá por intergralmente reproduzido – que não só demonstra a veracidade dos depoimentos da A. e do seu marido, como demonstra a falsidade do teor do depoimento da testemunha (…).

  8. O aludido documento de fls. 112 a 114 dos autos, não contribuíu, erradamente, em nada, para a formulação da convicção do tribunal, não sendo sequer mencionado ou aludido na sentença recorrida.

  9. Tal documento contém uma descrição da situação pessoal, social e clínica da falecida, onde consta o seguinte: - “ (…) foi aplicado à D. (…) a ficha de avaliação diagnóstica, a avaliação das necessidades, entre outros, em que demonstrou nas respostas um discurso coerente e lúcido. (…) - “ Relativamente ao pagamento das mensalidades, as mesmas eram efectuadas pelo cônjuge da D. (…), com o cartão multibanco da D. (…), no terminal multibanco instalado na secretaria, de fácil acesso à utente.” - “Num dos domínios abordados na avaliação das necessidades, a utente referiu «agora já nem sou dona do meu dinheiro» (sic)” sublinhado nosso.

  10. Os elementos contidos no documento, e redigidos por técnica da instituição em causa – aliás terceira descomprometida em relação à matéria dos autos, permitem desde logo afastar o pressuposto de que a falecida ainda se considerasse dona do seu dinheiro, e, por algum motivo o afirmava perante terceiros.

  11. O facto de a donatária ter ou não procedido ao levantamento de tais valores em vida da doadora não descaracteriza aquela entrega simbólica, já que a donatária passou a poder dispor dos fundos ali provisionados como, pelo menos, contitular dos mesmos, segundo a vontade expressamente manifestada pela doadora.

  12. Inexistem nos autos registos dos movimentos das contas em causa, pelo que a sentença recorrida faz uma extrapolação dedutiva acerca de um facto que não está de forma alguma demonstrado, e com isso também violando o disposto na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do Art.º 615.º CPC, que expressamente se invoca.

    DA DECISÃO QUE DEVIA SER PROFERIDA SOBRE AS QUESTÕES DE FACTO IMPUGNADAS – Art.º 640.º, n.º 1, c), CPC S. Mal andou o tribunal recorrido ao desconsiderar os depoimentos da A. e do seu marido – considerando-os comprometidos – e ao valorar em exclusivo o depoimento do funcionário bancário (…), considerando-o descomprometido, tudo no que toca à resposta à questão de facto que era saber se a falecida (…) havia ou não verbalizado qualquer intenção de doar o dinheiro depositado à A.

  13. Foi a própria falecida quem, aquando da eleboração de um relatório por parte da Fundação José Relvas já em 26/12/2014, assumiu “já nem ser dona do seu dinheiro”.

  14. Dúvidas não deviam restar ao tribunal recorrido que, independentemente da forma como se achavam...

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