Acórdão nº 669/19.2T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULA DO PAÇO
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório J…, com o patrocínio do Ministério Público, intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra R…, ambos com os demais sinais identificadores nos autos, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 20.115, 49, acrescida dos respetivos juros moratórios, vencidos e vincendos.

Para tanto, alegou que celebrou verbalmente com o réu um contrato de trabalho de serviço doméstico, nos termos do qual auferia a remuneração mensal de € 580,00 (salário mínimo nacional), para além da alimentação e alojamento, pelo desempenho, como interna, das funções inerentes a uma empregada doméstica, com o horário de trabalho de 40 horas semanais.

Referiu que exerceu ininterruptamente tais funções, entre 26-10-2016 a 18-12-2018, nunca tendo gozado férias ou recebido qualquer quantia a título de salário, remuneração por férias, subsídio de férias ou subsídio de natal.

Em 18-12-2018, o réu comunicou-lhe verbalmente que deixava, nessa data e definitivamente, de trabalhar e que deveria abandonar a casa. Sustentou que tal cessação contratual constituiu um despedimento ilícito.

- Foi proferida sentença, ao abrigo do artigo 57.º do Código de Processo do Trabalho, que julgou provados os factos articulados pela autora e aderindo à fundamentação de direito apresentada na petição inicial, condenou o réu no pedido.

- O réu arguiu a nulidade da sentença e interpôs recurso da mesma. No final das suas alegações, apresentou a síntese conclusiva que, seguidamente, se transcreve: «1. A douta sentença recorrida é nula, por falta de citação do Recorrente, que, como resulta sobejamente dos autos, foi citado em morada diversa da sua morada de residência ou local de trabalho, como determina a norma que regula a citação de pessoa singular por via postal.

  1. A douta sentença é ainda nula por ter considerado válido um alegado contrato de trabalho de serviço doméstico verbal, celebrado para ser executado em território nacional, com cidadão estrangeiro, nacional de Pais fora da União Europeia, em violação do requisito de forma escrita, requisito com natureza ad substanciam.

  2. A douta sentença é ainda nula por considerar existir um contrato de trabalho verbal de um cidadão estrangeiro não habilitado com a necessária autorização de residência para exercer atividade laboral em Portugal, como a lei obriga.

  3. A Recorrida, no mesmo período em que alega ter estado ao serviço do Recorrente, no âmbito do suposto contrato de trabalho verbal, esteve ao serviço de uma entidade patronal, ao abrigo de um contrato de trabalho subordinado por conta de outrem, o que também é causa de nulidade do alegado contrato verbal de serviço doméstico, porque não pode um trabalhador estar afetado a duas entidades empregadoras em simultâneo com horário completo de 8 horas diárias.

    Termos em que, com o douto suprimento de V. Exª, deve o presente recurso ser considerado procedente, por provado, e revogada a douta sentença recorrida, por ser nula, por violação de lei substantiva e adjetiva, fazendo-se assim a costumada Justiça! »[2] O recorrente requereu a junção de dois documentos ao processo.

    Contra-alegou a recorrida, concluindo o seguinte: «A – O recorrente foi citado para a mesma morada onde recebeu a notificação da sentença, tendo ambas as cartas sido recebidas pela mesma pessoa.

    B – Essa morada é a que, em relação ao recorrente consta nas bases de dados do registo civil, finanças e segurança social.

    C – O art. 3º do DL. nº 235/92 de 24 de outubro (redação atual), estabelece a liberdade de forma para os contratos de trabalho de serviço doméstico, que não sejam a prazo.

    D – A lei geral não derroga a lei especial anterior – o DL. nº 235/92 de 24 de outubro (redação atual), é lei especial face ao Código de Trabalho e à Lei nº 20/98 de 12/5.

    E – O contrato de trabalho de serviço doméstico, em causa, não está sujeito a forma escrita, pelo que não é nulo.

    F – Ainda que nulo, produziria todos os seus efeitos até à declaração dessa nulidade.

    G – Além de empregada doméstica residente, a A. era a representante dos filhos do recorrente, conforme procuração que este lhe passou, para os poder representar junto dos sistemas de saúde e de educação, enquanto o recorrente se encontrasse no estrangeiro. Quer essa procuração quer o reconhecimento de dívidas salariais por parte do recorrente, conforme mensagens juntas aos autos, comprovam a existência do contrato.

    H - A cópia dos documentos pessoais da A. juntos pelo recorrente, apenas comprovam que é cidadã angolana e entrou em Portugal na data referida I - Não existem nulidades vícios ou erros de apreciação ou julgamento, ou mesmo normas violadas, mormente os apontados pela R., de que a sentença em sindicância padeça.

    Posto isto, é óbvia a sem razão do recorrente, pelo que a decisão posta em crise deve ser mantida.» A recorrida requereu, também, a junção de um documento.

    - O Tribunal de 1.ª instância considerou não se verificar a arguida nulidade da sentença. O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    Tendo o processo subido ao Tribunal da Relação, deferiu-se a requerida junção dos documentos apresentados, foi mantido o recurso, elaborado o projeto de acórdão e foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre apreciar e decidir.

    *II. Objeto do Recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

    Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes: 1.ª Nulidade da sentença por falta de citação do réu.

    1. Nulidade do contrato de serviço doméstico. *III. Matéria de Facto O tribunal de 1.ª instância considerou provados, por confissão, os factos articulados pela autora na petição inicial, e que são os seguintes: 1. A autora, em 28 de outubro de 2016, celebrou verbalmente com o réu um acordo, nos termos do qual se comprometeu, sob a direção, fiscalização e autoridade do réu, a desempenhar as funções de empregada doméstica, em nome e no exclusivo interesse do mesmo, mediante a remuneração de € 580,00 mensais, para além da alimentação e alojamento.

  4. Tais funções eram exercidas na casa do réu.

  5. Com horário de trabalho de 40 horas semanais.

  6. As aludidas funções foram exercidas, ininterruptamente, entre 26 de outubro de 2016 e 18 de dezembro de 2018, nunca tendo a autora gozado férias ou recebido qualquer quantia a título de salário, remuneração por férias, subsídio de férias ou subsídio de natal.

  7. Em 18 de dezembro de 2018, o réu, verbalmente, informou a autora que deixava nessa data de trabalhar definitivamente para si e que deveria abandonar a casa.

    -Com arrimo nos documentos juntos com o recurso e com as contra-alegações, considera-se provada a seguinte factualidade relevante: 6. A autora tem nacionalidade angolana.

  8. E bilhete de identidade de cidadão nacional da República de Angola.

  9. Foi-lhe concedido um “visto Schengen”, de 19-10-2016 até 02-12-2016.

    9- A carta de notificação da sentença ao réu foi remetida para Rua dos … Lisboa, e foi entregue.

    - Extraem-se ainda, com interesse, do processo, os seguintes elementos factuais relacionados com a tramitação processual: 10. Na petição inicial, foi indicada para citação do réu a seguinte morada: Urb. Qta. …, Faro.

  10. Tentada a citação do réu, através de carta registada com a.r., para a indicada morada, tal carta veio devolvida, com a informação “não atendeu”.

  11. Foi remetida nova carta registada com a.r., para a mesma morada, visando a citação do réu, que foi devolvida com a informação “não atendeu”.

  12. Uma terceira carta registada com a.r. foi remetida para a mesma morada e com idêntico propósito, tendo a mesma sido devolvida com a informação “não atendeu”.

  13. Foi emitido mandado para citação do réu, através de oficial de justiça, para a referida morada.

  14. Pelo oficial de justiça responsável pela diligência foi lavrado termo com certidão negativa, com o seguinte teor: «Certifico que hoje dia 26/04/2019, desloquei-me à Urbª Quinta …, em Faro, a fim de efetuar a citação do réu Rómulo Augusto Batista Frende.

    No local toquei à campainha da porta identifiquei-me, e fui atendida por uma senhora que declarou chamar-se M…, perguntei pelo réu R…, a senhora informou que é o senhorio do apartamento, mas que não tem o contacto do mesmo, nem...

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