Acórdão nº 1385/12.1TBSLV.E3 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | ALBERTINA PEDROSO |
Data da Resolução | 27 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I - RELATÓRIO 1.
P… instaurou em 28.11.2012 a presente acção sumária contra L…, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio identificado nos autos, e a condenação da R. a restituir-lhe o imóvel.
Em fundamento da sua pretensão, invocou ser desde 1998 o único proprietário de tal prédio urbano, composto de rés-do-chão e 1º andar duplex, que a Ré habita sozinha desde 2008, devido a mera tolerância do Autor, que lhe tem permitido a utilização do imóvel uma vez que tem residido no estrangeiro, sendo certo que neste momento o Autor necessita do imóvel, tendo pedido à Ré, desde 14.10.2011, a sua restituição, o que a Ré até ao momento não fez.
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A R. contestou, aceitando a qualidade de proprietário do prédio que o Autor invocou, mas impugnando o pedido de entrega, alegando, no essencial, que deve ter-se por legítima a ocupação que faz do prédio, uma vez que A. e R. foram casados entre si e centraram no imóvel a sua vida pessoal e conjugal, até o A. abandonar o lar conjugal, em 2003, continuando a R. a residir ali após o divórcio que teve lugar em 2008, e até hoje, por não ter sido efectuada a partilha do património do casal e ter sido acordado com o A. que só deixaria de ocupar o imóvel quando este fosse vendido e adquirido um apartamento a colocar em seu nome, o que ainda não sucedeu.
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Após apresentação de resposta - na qual o autor negou ter feito qualquer acordo com a R., salvo quanto a alimentos, e juntou certidão comprovativa do indeferimento do pedido de atribuição da casa de morada de família que aquela havia formulado na acção de divórcio -, foi dispensada a realização da audiência preliminar e a fixação da base instrutória, foi realizado o julgamento e proferida sentença, datada de 26.06.2015 (fls. 152-159), em que se decidiu julgar procedente a acção, declarando o A. como dono e legítimo proprietário do prédio em causa e condenando a R. a proceder à entrega ao A. desse prédio, livre e devoluto de pessoas e bens.
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Tendo a Ré apelado, por Acórdão deste Tribunal da Relação de 03.11.2016, decidiu-se «julgar procedente a apelação do despacho recorrido (de fls. 192), que assim se revoga, declarando verificada a nulidade da produção de prova em audiência de julgamento (por omissão da gravação), da subsequente sentença (de fls. 152-159) e do demais processado daquela absolutamente dependente, e determinando a repetição integral dessa audiência, com o consequente prosseguimento da tramitação processual tendente à sua realização e devida gravação».
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A R. apresentou articulado superveniente requerendo a suspensão da instância, com o fundamento de que havia instaurado contra o aqui A. pedido de atribuição da casa de morada de família, que tem por objecto o imóvel a que se reportam os presentes autos, e que constitui causa prejudicial à sua decisão.
Por acórdão proferido neste Tribunal da Relação, em 02.10.2018[3], foi julgada improcedente a apelação interposta nesse processo n.º 662/07.8TBPTM-A.E1, e foi confirmada a sentença que havia julgado a acção improcedente e absolvido o réu do pedido.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção procedente, declarando o autor titular do direito de propriedade sobre o identificado prédio, e condenando a R. a restitui-lo, livre e devoluto de pessoas.
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Novamente inconformada, a Ré apelou, extraindo-se das conclusões de recurso que entende ter sido incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada sob os n.ºs 8, 11 e 13, cuja modificação propõe, considerando ainda que devia ter sido considerada provada a matéria constante dos artigos 15 a 18 da contestação, nos termos que indica, concluindo que a sentença recorrida, que não reconheceu a existência de um contrato inominado celebrado entre A. e R., que lhe permite permanecer no imóvel, efectuou uma incorrecta aplicação do direito, violando o disposto no artigo 405.º do Código Civil.
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Pelo Autor foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
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Observados os vistos, cumpre decidir.
*****II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[4], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistas as conclusões do recurso apresentadas pela Recorrente, as únicas questões a apreciar consistem em saber se deve ser modificada a matéria de facto nos termos pretendidos pela Apelante; e se existe um contrato inominado que constitua fundamento para a revogação da sentença recorrida.
*****III – Fundamentos III.1. – De facto Os factos considerados provados na sentença recorrida foram os seguintes: «1 – Encontra-se inscrita no registo predial em benefício do Autor P…, pela Ap. n.º …, a aquisição, por compra, do prédio urbano sito em …, Silves, com a área total de 1.910 m2, sendo a área coberta de 72 m2, composta por rés-do-chão e 1.º andar duplex, destinada a habitação, tendo no rés-do-chão quartos, duas casas-de-banho e corredor e, no 1.º andar duplex, cozinha, casa de jantar, sala e despensa, prédio esse descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves sob a ficha n.º …, da referida freguesia, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ….
2 – O Autor e a Ré L… passaram a viver juntos, como se marido e mulher fossem, em 1998, na Beira, em Moçambique.
3 – Em 24 de Novembro de 1999, o Autor e a Ré contraíram casamento na St. Andrew’s Church, em Abu Dhabi, Emirados Árabes Unidos.
4 – No princípio do ano de 2000, o Autor e a Ré mudaram-se para Portugal, passando a residir no imóvel referido em 1), aí levando por diante a vida quotidiana de todos os dias, entrando e saindo do imóvel quando entendiam, pernoitando diariamente no mesmo, aí tomando as suas refeições, recebendo correspondência, aí recebendo e convivendo com outras pessoas e amigos, centrando no imóvel toda a sua vida pessoal e conjugal.
5 – Em Novembro de 2003, o Autor saiu de casa (i.e., do imóvel referido em 1)), abandonando o lar conjugal, e não mais regressando ao mesmo.
6 – Após o referido em 5), a Ré continuou a residir no imóvel referido em 1), passando a habitar sozinha no mesmo, o que sucede desde então até ao presente, aí levando por diante a vida quotidiana de todos os dias, entrando e saindo do imóvel quando entende, pernoitando diariamente no mesmo, aí tomando as suas refeições, recebendo correspondência, aí recebendo e convivendo com outras pessoas e amigos, centrando no imóvel toda a sua vida pessoal.
7 – No seguimento do seu abandono do lar conjugal, em 2007 o Autor instaurou contra a Ré acção de divórcio litigioso que correu os seus termos no Tribunal de Família e Menores de Portimão, sob o n.º 662/07.8TBPTM, e onde, a final, foi decretado o divórcio entre o Autor e a Ré, por sentença datada de 13/2/2008, transitada em julgado em 14/7/2008.
8 – A Ré formulou, no âmbito do processo de divórcio litigioso referido em 7), pedido reconvencional de atribuição da casa de morada de família, o qual veio a ser objecto de indeferimento, com fundamento no facto de Autor se ter obrigado, no âmbito do processo n.º 1538/05.9TBPTM do Tribunal de Família e Menores de Portimão, a prestar à Ré pensão de alimentos (tendo-se comprometido, por via de transacção firmada entre as partes no dia 17/4/2007 e logo homologada judicialmente, a pagar à Ré € 400,00 mensais até Julho de 2008, e € 200,00 mensais entre Agosto de 2008 e Abril de 2012).
9 – Após o divórcio referido em 7), não existiu partilha de bens comuns entre o Autor e a Ré.
10 – Em Julho de 2008, a Ré solicitou e foi-lhe deferido apoio judiciário com vista à instauração de uma acção visando a atribuição da casa de morada de família.
11 – O Autor permitiu a utilização e habitação pela Ré do imóvel referido em 1) até ao dia 30/6/2012, uma vez que tem residido no estrangeiro, sendo que o Autor, através de carta enviada à Ré no dia 14/10/2011 pelo seu mandatário, pediu à Ré a entrega do aludido imóvel até ao referido dia 30/6/2012.
12 – O Autor pediu ainda à Ré a entrega do imóvel referido em 1) através de cartas enviadas à Ré nos dias 10/7/2012 e 27/7/2012 pelo seu mandatário, que vieram devolvidas ao remetente.
13 – Até ao presente, a Ré nunca entregou ao Autor o imóvel referido em 1), nomeadamente as respetivas chaves, apesar de o Autor necessitar do mesmo quando se encontra em Portugal.
14 – Na pendência da presente ação, em 14/01/2016, a Ré instaurou contra o Autor acção de atribuição da casa de morada da família, requerendo que lhe fosse atribuída para sua habitação o imóvel...
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