Acórdão nº 644/18.4T8ABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1] *****Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.

M… – Unipessoal, Ld.ª, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra T…, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 5.137,00€, acrescida dos juros de mora à taxa legal vincendos desde a data da propositura da presente acção, até efectivo e integral pagamento.

Em fundamento, alegou, em suma, dedicar-se à comercialização de pneus e também à reparação de automóveis, explorando uma oficina de mecânica e pneus, em prédio arrendado, cujos proprietários contrataram a Ré para realizar obras de reabilitação do locado.

No dia 12.0112016, pelas 10.30h, estando tais obras a decorrer em simultâneo com a actividade da Autora, em consequência daquelas, começaram a cair bocados de telha e betão do tecto do imóvel, atingindo o veículo automóvel da marca «Seat», que se encontrava à guarda da Autora, sofrendo danos que esta reparou, provocando também danos em máquinas que a Autora possuía no local, e durante pelo menos um mês não podendo utilizar o elevador face ao dano do display do mesmo, tudo no valor de 4.137,00€, sendo 2637,00€ já pagos e os restantes 1500,00€ por perdas de negócio.

Invocou ainda a Autora ter sofrido lucros cessantes em valor não inferior a 1000,00€, tudo em consequência da queda dos bocados de telha e betão do tecto do imóvel por causa da realização das obras por parte da ora Ré, pelo que o montante total dos prejuízos que reclama ascende à quantia peticionada.

  1. Regularmente citada, a ré contestou, e deduziu incidente de intervenção principal provocada da sua seguradora, alegando, em síntese, que a demonstrarem-se os danos cujo ressarcimento é reclamado pela A., os mesmos estão garantidos pelo contrato de seguro de responsabilidade civil que celebrou com a companhia de seguros V… Seguros, SA, nos termos do qual esta garante as indemnizações que legalmente sejam exigíveis à R. nos termos da lei civil, pelos danos materiais, pessoais e emergentes causados involuntariamente a terceiros no exercício da actividade de construção civil e obras públicas; aceitando que no âmbito dos trabalhos a que procedia verificou-se a queda de detritos de telha e betão sobre o tecto falso da oficina, que terá ficado parcialmente danificado, tendo, em consequência, caído detritos da cobertura do pavilhão (telha e betão) e detritos do tecto falso para o interior da oficina da A., o que lhe terá provocado danos, cuja extensão desconhece, que se prontificou a reparar; porém, em face do elevado montante pedido pela A., participou o sinistro à seguradora, a qual concluiu, após realização da peritagem, que os danos seriam de montante inferior à franquia do contrato de seguro (1.500,00€), não tendo a A. aceitado a regularização do sinistro proposta.

  2. A autora respondeu à matéria da excepção, afirmando que “a companhia de seguros declinou a responsabilidade”, devendo a ré liquidar os valores peticionados, e juntando cópia da sentença proferida no processo n.º 603/16.1T8ABT, da qual se extrai que a acção instaurada pela ora Autora contra a seguradora, com fundamento nos mesmos factos e com semelhante pedido, foi julgada improcedente e a Ré foi absolvida do pedido.

  3. Atendendo ao teor dessa sentença, o tribunal determinou que fosse junta aos autos certidão contendo cópia dos articulados daquela acção, bem como cópia da sentença com nota de trânsito em julgado, e fosse notificada às partes para que pudessem tomar posição sobre as questões de facto e de direito que da mesma pudessem resultar para a presente acção, o que ambas fizeram, tendo a Autora reiterado que as rés são diversas e a ali Ré seguradora “declinou a referida responsabilidade porque a apólice não abrangia os danos”, concluindo não existir qualquer caso julgado, enquanto a Ré defende a existência da tríplice identidade a que se refere o artigo 581.º do CPC, pedindo a procedência da excepção dilatória de caso julgado e a sua absolvição da instância.

  4. Após, foi proferida sentença julgando verificada «a excepção do caso julgado, bem como a autoridade do caso julgado proveniente da sentença transitada em julgado na Acção Comum n.º 603/16.1T8ABT do Juízo Local Cível de Abrantes» e, em consequência, absolvendo a Ré da instância.

  5. Inconformada, a Autora apelou, finalizando as alegações de recurso com as seguintes conclusões [transcrição]: «1º A autoridade de caso julgado tem a ver com a existência de relações, já não de identidade jurídica (exigível apenas em sede de excepção de caso julgado), mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa questão em acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto dessa primeira causa, sobre essa precisa «quaestio judicata», impõe-se necessariamente em todas as acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, ainda que incidindo sobre um objecto diverso mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na acção posterior.

    1. Feito este enquadramento prévio, cremos ser patente que também a autoridade do caso julgado não é invocável no caso dos autos Com efeito, se é certo que é reinvidicado um valor no Processo 603/16.1T8ABT de Abrantes, e diferentes as partes e os valores peticionados e como tal não se constitui como questão condicionante ou prejudicial relativamente às questões concretamente suscitadas nestes autos e que delimitam o seu objecto, qual seja a de saber se faz se é devido as reparações a aqui recorrente 3° Com efeito, compulsados os ditos autos não constitui, de todo, questão que tenha sido dirimida ou decidida nos mesmos autos ou que nela constitua pressuposto necessário ou antecedente lógico, em ordem a que constitua, como era suposto para efeitos de autoridade de caso julgado, uma questão condicionante ou prejudicial relativamente à sentença a proferir oportunamente nestes autos. Destarte, sendo certo que a atribuição de valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade supõe ou exige que o fundamento da decisão transitada condicione a apreciação do objecto de uma acção posterior, não se vislumbrando na sentença/acórdão desta Relação uma qualquer condicionante à apreciação do concreto objecto destes autos (atenta a inexistência de uma qualquer relação de prejudicialidade entre ambos os processos e entre as questões neles debatidas), seguro é, a nosso ver, que inexiste a excepção de autoridade de caso julgado.

    2. Aliás, deve dizer-se que, salvo casos excepcionais - que não estão em causa nos presentes autos, o caso julgado (nas suas duas vertentes, positiva e negativa) apenas vincula as partes na acção, não podendo, também em regra, afectar terceiros. Esta regra constitui um reflexo do princípio do contraditório (art. 3º, n.º 1 do CPC), no sentido de que, quem não pôde defender os seus interesses num processo pendente, por nele não ser parte ou interveniente processual, não pode ser afectado (beneficiado e, por maioria de razão, prejudicado) pela decisão que nele foi proferida.

    3. E este resultado é, ainda, de afastar quando este outro objecto do litígio não foi, manifestamente, questão ou objecto apreciado ou dirimido na sobredita acção anterior, por consequência, não constitui questão prévia ou prejudicial.

    4. Dúvidas não existem da inexistência de caso julgado e bem assim que a A, deve ser reparada pelos prejuízos sofridos e que deverão ser devidamente sufragados em sede de julgamento o que não ocorreu».

  6. Não foram apresentadas contra-alegações.

  7. Observados os vistos, cumpre decidir.

    *****II. O objecto do recurso.

    Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

    Assim, a única questão a apreciar consiste em saber se o caso julgado decorrente da sentença proferida no processo n.º 603/16.1T8ABT, tem ou não efeitos na presente acção.

    *****III – Fundamentos III.1. – De facto Respiga-se da sentença recorrida que foram consideradas relevantes as seguintes incidências da acção n.º 603/16.1T8ABT: «- A Autora juntou cópia de uma sentença proferida na Acção Comum nº 603/16.1T8ABT do Juízo Local Cível de Abrantes do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, cuja certidão o Tribunal ordenou fosse junta aos autos, acompanhada dos articulados, e que se encontra a fls. 80 a 134, resultando da mesma que a Autora havia interposto a referida acção...

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